domingo, 22 de setembro de 2013

(...)

Poderia te escrever sobre o estado de choque em que fiquei quando você me chamou e me perguntou qualquer coisa para tentar uma aproximação.

Uma outra coisa legal seria contar a minha comemoração infantilizada quando sugeri de almoçarmos qualquer dia e você aceitou com uma rapidez que me desconcertou. Até hoje eu não sei onde eu estava com a cabeça para te fazer um convite como aquele, tão de repente.

Pensei em te dizer também como o mundo girou devagar quando, depois daquele almoço, você tocou meu braço e me chamou pelo apelido. Depois que nos despedimos, até pensei em acender um cigarro e refuguei: eu não precisava. Não precisava de nada mais para me sentir em paz comigo mesmo.

Ainda daria para relatar todos os sorrisos que dei para mim mesmo na frente do espelho quando via meu olhar brilhante e cheio de esperança e certeza e tranqüilidade nos dias em que passamos a conversar desarmados. Não, não eram sorrisos. Eu gargalhava!

Talvez você se interessasse também em saber a angústia que eu tive antes de te beijar pela primeira vez. E se aquele instante não combinasse com toda a longa expectativa que eu havia nutrido sem querer e jogasse por terra algo que parecia tão certo? Eu... eu tive medo.

Eu queria te contar tudo isso, mas não consigo.

Porque estar perto de você esvazia meus pensamentos e me repuxa o rosto em um sorriso que me cala.


Porque você tem o dom de fazer do meu silêncio a melhor e mais completa história que eu jamais poderia contar. 

terça-feira, 9 de julho de 2013

Censura retangular

A folha em branco nunca foi um convite para um mundo apenas meu, com as minhas regras e lar das minhas piores e melhores fantasias. Nunca a vi assim. Sempre o papel virgem, sem pautas nem listras, me pareceu uma entidade intimidante. Hostil. Traidora. Ardilosa.

Tentei fazer um teste. Desafiei uma folha de papel para transformá-la em algo meu, e apenas meu, do meu próprio entendimento. Não consegui. Percebi o grau de impossibilidade da missão quando terminei a primeira linha do meu devaneio. Me faltou meia polegada para concluir a última palavra. Eu já havia falhado. Estava delimitado.

Arrisquei de uma outra forma. Misturei determinadas palavras aleatórias que se me cruzavam os pensamentos, em quaisquer idiomas que melhor descrevessem determinado objeto, determinado sentimento. Por um instante logrei tal objetivo. Por instantes. Uma hora depois, me choquei com meu surrealismo liguístico. Rasguei em incontáveis (múltiplos de quatro) fragmentos aquele emaranhado doentio, com medo de ser flagrado em um segundo de irreversível loucura.

Então, por fim, tentei pela terceira vez. Burlei a prisão branca de paredes finas, quase invisíveis, com palavras jogadas sob um mínimo de lucidez. Adeqüei meu devaneio – do qual jamais me orgulharei – a um cárcere de mentira. E, no final, qual o resultado de tudo isso?

O melhor de todos para (mais uma) noite de insônia. Uma mente esgotada de si mesma, envergonhada de remoer por minutos, horas, dias, meses... anos! (!) os mesmo teoremas incorrigíveis e indecifráveis de algum momento da vida.

E uma noite sem sonhos de doçuras aterrorizantes que ditavam meus dias e meus encontros com estas folhas pautadas.

domingo, 7 de julho de 2013

Nova mensagem recebida

Você me chama, com a naturalidade de alguém que chama a um antigo amigo com quem se encontrou na última semana. Eu vejo teu chamado e empalideço, sinto um calafrio e tateio ao meu redor em busca do maço de cigarros que sempre tenho próximo de mim para o caso de uma emergência como esta. Torço, do fundo da alma, para que ele esteja cheio.

Você escreve tuas palavras com meticuloso cuidado e eu as leio com a esperança de que uma fenda se abra sob meu sofá e me trague e me leve para qualquer lugar longe daqui. Você me envia tua mensagem concentrando na ponta dos teus dedos todo o resquício de carinho que te (me, nos) resta. Eu a recebo com a frieza de um peito congelado que se liquefaz com o passar de cada mililitro de sangue em ebulição por ali.

Você me diz para te responder sem pressa e eu me apresso em te responder. Sou o menino maduro que, no auge do seu discernimento, engole o choro, respira fundo, aperta as pálpebras enquanto desliza para cima a manga da camiseta e descobre o braço para receber uma injeção. Me confundo sobre quem eu realmente sou: uma criança crescida ou um adulto infantilizado? Penso em te perguntar isso.

Penso em te perguntar como você está, o que tem feito e o que pretende fazer. Como estão tua vida, tua família, teu dia a dia, tua rotina amorosa e teu provável, possível, certo, absolutamente certo, indubitável (como estou duvidando disso?, está tão na cara!) novo namorado.

Penso em te perguntar sobre teus planos, teus sonhos, teu rosto, teu corpo. Penso em pedir para ver uma foto tua, para te ver uma vez mais, uma e apenas uma e singela e extraordinária única puta vez. Penso em te perguntar o sentido da vida e a origem do universo, mas não tenho coragem de te perguntar aquilo que eu mais quero saber: quem é você hoje?

Esmago no fundo do cinzeiro o filtro queimado do cigarro que me chamusca os dedos, leio tua mensagem e, enquanto olho fixamente para a tela iluminada que sofro para segurar entre meus (escorregadios, trêmulos, frouxos, hesitantes) dedos, percebo que já tenho outro cigarro aceso na outra mão. Em algum momento eu não havia cogitado parar de fumar?

Venço a batalha comigo mesmo e encerro a conversa contigo. Você me pede para que nos falemos novamente, em breve, dali a pouco, e eu te cedo essa exceção, mesmo desejoso de nunca mais ouvir falar sobre você novamente. E acordo no dia seguinte contando as horas, e errando as contas, e esperando mais do que eu esperava para falar com você de novo.

sábado, 6 de julho de 2013

Quero te tirar para dançar.

Ouvir aquela música que me inebria a alma e me infla de confiança a ponto de me permitir cometer alguma loucura como... te tirar para dançar.

Acho que me aproximaria de você, olhando para os lados e dissimulando uma certa segurança nos passos descompassados como se quisesse te impressionar.

(Eu admito, não sei fazer isso muito bem. Tirar para dançar, dissimular segurança, aproximar-me de alguém e muito menos dançar).

Então talvez eu te olhasse no fundo dos olhos e te dissesse qualquer coisa com firmeza, semelhante aos movimentos cardíacos arrítmicos, acelerados e descontrolados.

Aceitaria que te tirasse para dançar?

Penso que não.

Te encolherias sobre a tua cadeira, te retrairias os braços e sorririas educadamente qualquer palavra de recusa. Sim, penso que me recusarias. E deixarias o próximo movimento comigo. Caberia a mim, então, não recusar que me recusasses uma dança.

Só há um problema.

Tal equação com exageradas subtrações me travaria o organismo de uma maneira tal que eu simplesmente te olharia e te perguntaria, com uma voz sincera e trêmula, discordante daquele ser que se havia acercado de você segundos antes e infiel à melodia vagarosa que tamborila o meu peito, alguma coisa que se assemelhasse a “sério?”.

Não, não sei entender a recusa hipócrita, desafiante e clemente por alguma atitude. Sinto que te decepcionaria.

E então me sentaria de volta, esperando que algum dia me tirarás para dançar. Talvez espere por uma vida. Duas, três. Mas limitaria a esperar. Esperar, esperar, esperar, esperar e esperar...

Por que dificultas tanto as coisas?

Apenas não me digas não quando me queres dizer sim. Ou não me digas talvez quando, no fundo, estás certa de que não me cabe nada além do nunca mais.

Apenas te peço que me cedas a mão. Apenas por uma dança. Apenas... sem pena.

Ou simplesmente me tires tu para dançar, desafiando-me a tomar qualquer iniciativa enquanto tento controlar  o estado ébrio (de ti!) em que me deixarás.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Não te encontrei sobre a Pont des Arts

Nos encontraremos? De fato nos encontraremos em alguma encruzilhada deste labirinto traiçoeiro, que nos separa sem nos darmos conta e que maximiza a distância aparente que, aparentemente, não existe?

Não sei te responder. A cada encontro casual – falsamente casual – que temos, temo não conseguir reunir as forças necessárias para subir a ponte e dar-te o braço para que a cruzemos juntos. Não sei lidar com a casualidade, mesmo quando, por casualidade, ela resolva vestir a minha camisa e te colocar uma vez mais no meu caminho.

Há algo ainda não identificável em você que entorpece minha mente no momento em que ela se encontra mais acalmada. Que transforma minha caixa torácica em um chocalho que faz ruídos descompassados como se estivesse nas mãos de uma criança feliz em uma manhã de sol. Que me comprime os brônquios e permite apenas que o ar tragado de maneira ofegante atinja os pulmões para os respectivos fins de trocas gasosas.

Tento, todos os dias, bolar novas estratégias para que tenhamos encontros casuais. Todos, um, outro e mais um outro, fracassam. Mas há algo em você que não me deixa desanimar e renova as esperanças de que, tarde ou mais tarde ainda, nos encontraremos de maneira não casual.

Até lá, continuarei escrevendo palavras desajeitadas sobre o papel pautado e pressionando o tubo de pasta de dente de baixo para cima.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Toco tua mão

Toco tua mão como nunca se me havia ocorrido. Toco tua mão como uma criança acaricia um troféu dourado que ofuscaria uma manhã de verão. Toco tua mão e me esqueço de quem sou, de onde estou, do que estou fazendo... tudo se resume, naquele instante, a tocar tua mão. 

Queria apenas que o toque da tua mão fosse áspero, hostil, frio. Queria apenas que tua mão não representasse para mim senão apenas mais uma mão que se escapa pelas minhas mãos da mesma maneira que a minha se escaparia pelas tuas.

Mas oh! Não tinhas o direito de tocar-me a mão e apertar-ma entre a tua, contemplando cada extremidade de pele e imprimindo sobre mim uma ilusão de carinho. Por que o fizeste? Tocaste-me a mão e despertaste em mim aquela sensação que, de todas as formas, eu tratava de reprimir no núcleo de cada célula. Porque jamais faria sentido.

Só que decidiste tocar-me a mão, olhando-me nas pupilas com tal intensidade que me fizeste sentir nu de qualquer sentimento. Simplesmente me deixava hipnotizar pelo toque da tua mão contra a minha, pelo teu olhar contra o meu. Apenas... me domaste e me dominaste. 

Não sei em que momento perimitiste que nossas mãos, espalmadas, escorregassem para o lado e se entrelaçassem, e se apertassem, e se afagassem, e se admirassem e se precisassem com essa junção de dedos. Por que elas se encaixaram, eu me pergunto. Foi o teu lado sádico ou o meu masoquista quem permitiu e consentiu com tremenda heresia?

Fecho os olhos, estico meu braço para o alto e espalmo minha mão direita. Respiro fundo para tentar captar alguma sensação do toque da tua mão. Lembro-me do teu olhar. Aquele teu sorriso... era para mim? Ou de mim. És má...

Estranho e extraño tua mão. Teu sorriso. Teu toque sobre minhas costas, minha mão espalmada contra tua cintura. Teu olhar. Tua respiração quente contra o meu pescoço. Tuas palavras chocando-se contra a minha pele e fazendo-me sorrir. 

Sinto falta de sonhar. Sonhar como quando me tocaste a mão e deixaste que nossos dedos fizessem amor de uma maneira sutil e silenciosa. De uma maneira da qual nunca (nunca?) de esquecerão. 

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Descrição de personagem

A maravilhosa e impressionante arte de, sem um mínimo de esforço, aniquilar o sono, induzir o princípio de um ataque cardíaco, provocar um maremoto estomacal, iniciar uma ofensiva asmática, promover um surto neurótico e animar assombrações aterrorizantes em um quarto escuro. 

Esta é você. 

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Tras el vino

¿Qué va a ser de este texto por la mañana cuando me despierte sobrio de este vino (¡argentino!) que me chupé mientras veía a una película (¡argentina!) que no me hacía soñar con vos? Va, no lo sé. No me importa.

Te extraño, ¿hace falta que te lo diga? Y te sigo esperando aunque trate de convencerme de que ya no te espero. Me cansa. Pero, día tras día, sé que un día más quiere decir un día menos en esta larga cola de espera en la que me metiste.

Todavía espero por el día en el que me vas a cruzar, así de la nada, como lo tramaste. Me voy a sonreír tratando de disfrazar el ataque que seguro voy a tener. ¿Mirarte los ojos, una vez más? ¿Abrazarte y sentirte en mis brazos como antes? ¿Tocarte la piel como un ángel toca al cielo? ¿Olerte el perfume como la chica enamorada huele a una rosa? No lo sé. Es como si me muriera y me despertara en otro mundo, en otra dimensión. No, todavía no estoy listo.

Pero lo espero. Lo espero a este día como espero por vos. Porque ustedes dos no son sino la misma cosa. Vos el día. Hoy la noche. Vos la vida, hoy el silencio. Vos la luz, hoy… hoy la oscuridad.

La oscuridad, la palabra esta que tuve que buscar en el diccionario. Porque ya no me acuerdo de tu idioma. No me acuerdo de tu voz. Ni tampoco me acuerdo de nos(otros). Pero sí, sí me acuerdo de vos. En cualquier idioma.

¡Ay, la puta madre! 


Perdón por la demora, me fui a buscar una copa más.

Pero te decía…

Dale, che, vení.

Pero no me avises. Haceme una sorpresa. O, mejor, ignorá todo eso que leíste de un borracho que se enorgullece y se maravilla viendo las letras que nacen de la punta de la lapicera.

Seguí con tu vida. Y dejame seguir con la mía.

Pero no te olvides de nuestra cita. En algún día, todavía en esta vida, en mi país o en el tuyo, en portugués o en castellano. Pero no te tardes mucho, porfa.

domingo, 16 de junho de 2013

perda

eu já não me lembro se você tinha um piercing na orelha direita ou esquerda.

e você não sabe o quanto isso me dói.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Entenda as piadas sem sentido do Chaves: população gigante quer dizer população ignorante

Interrompendo as postagens de cunho pessoal me levam do nada ao lugar nenhum, venho por meio desta fazer um anúncio – que talvez seja um tanto decepcionante para quem (quem?) esperava avidamente havia tanto tempo por este momento.

A piada que tanto tempo me consumiu na busca de um significado, na verdade, não possui sentido algum. Sabem, aquela que foi tão pedida aqui nos comentários e que eu nunca tinha explicado? Pois então, aí vai, a partir dos 6:00 do vídeo abaixo:


Pois é esta mesma, no episódio do Livro da Chiquinha. Caso não possa/não queira ver o vídeo, segue abaixo o trecho – e assim ganho referência no Google.

"Aposto que você é de uma cidade onde tem muita gente, porque logo, logo se percebe que você é de um lugar onde a população gigante", diz a Chiquinha. O Quico não entende nada – com razão! –, e ela prossegue. "População gigante quer dizer população ignorante, mas também quer dizer que é uma população onde há muitos habitantes".

E então o Quico tenta fazer a piada (piada?) com o Chaves. E consegue fazer pior ainda.

Daí vocês tanto me perguntavam: o que diabos quer dizer essa piada? Nada. Porque, em espanhol, ela também não tem o menor significado: apenas que os termos “gigante” por “densa” e “ignorante” por “mensa (tonta, idiota)”. Olhem aí, por volta do instante 6:30:


Eu já havia percebido isso logo de cara, mas não acreditei. Cheguei até a divagar e cogitei até um comentário meio pesado, do tipo "quanto mais gente, maior a ignorância", ou coisa do gênero. Mas minha interpretação não teria lá muita relevância para vocês, creio eu.

A resposta definitiva para esse enigma só veio há um mês, depois que tomei vergonha na cara e consultei a fonte de inspiração para esta série: o brilhante, genial, fantástico e espetacular site chavodel8.com. Eis a resposta, do nosso colega costarriquenho Esteban Portugues (juro, é coincidência!).

“A piada que você cita é de fato uma piada tonta e sem sentido. O único que se buscava com a frase é que a palavra mensa rimasse com densa. Além disso há pouca lógica no argumento. A partir daí se cria um jogo de palavras, e o Quico termina seu diálogo com o Chaves, mas confunde a oração”.

A moral da história? Até o Chespirito tinha dias ruins para fazer piadas.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Fantasia de uma independência *

Era um outono que ainda não havia se estabelecido quando deitaram juntos naquela noite e se despediram com os mesmos rituais de outrora.

Ele se virou de lado, respirou fundo algumas poucas vezes e caiu adormecido com o mesmo impacto de uma âncora de um cargueiro recém-aportado. Nem sequer a percebeu inquieta ao seu lado, piscando com os olhos fechados e respirando de uma maneira acelerada, dissimulando um sono que nunca existiu.

Esperou ele dar o terceiro espasmo com o ombro direito, aprofundar a respiração, entreabrir as pálpebras e explorar o primeiro estágio de REM quando se descobriu, caminhou na ponta dos pequenos e caprichosos pés, com o zelo de não fazer o menor ruído possível e de não chocar as unhas mal pintadas contra o ruidoso e já um tanto desencaixado piso de madeira do cômodo. Despediu-se com uma mirada baixa para trás e um suspiro decidido.

Ela sabia que precisava escapar do coche naquela passarela estreita e escura enquanto ele não enveredasse para a longa e entediante estrada daquele vale deserto para onde se encaminhavam. Saltou e fugiu, sem pensar e nem pesar, para longe da culpa que ficava para trás. Ele sobreviveria: já havia passado por isso e conhecia todos os passos da vergonha derrotada que teria ao despertar.

Em algum momento ela imaginou padecer de remorso, mas rapidamente travestiu aquele sentimento em uma mescla de força e esperança. Seguiu o caminho do vento, que balbuciava a primeira sílaba do seu nome e a inebriava com aquele perfume novo de vida.

Enquanto isso ele se virou de maneira repentina na cama. Buscou-a com o braço estendido para envolvê-la em um abraço quando não a encontrou e abriu os olhos atordoado. Apalpou as dobras do cobertor e acordou sobressaltado.

Escancarou a janela do quarto e, ainda que com os mesmos olhos ofuscados do prisioneiro que acaba de deixar a caverna e se depara com a luz da verdade, enxergou um mundo de ponta-cabeça (ou finalmente em sua posição normal?). Gritou por ela, esvaziou os pulmões de tanto berrar seu nome.

Esteve paralisado pelo vento gélido que explodia contra seu peito até encontrar o bilhete que ela havia deixado sobre a cabeceira, declarando sua independência no verso do recibo de uma passagem de trem. “Sou livre agora. Fui viver minha vida como ela deve ser”.

* Devaneios sobre versos de um grito de independência

sábado, 25 de maio de 2013

Falsa poética


Há dias em que não me permito apenas ficar de mau humor. Não tenho o menor pudor em deixar que ele impere sobre mim.

Perco a calma por pouco e explodo. Para dentro, em silêncio. Me implodo.

E a primeira imagem que me vem à cabeça é de você. Sempre você.

Tento me empenhar para pensar em qualquer outra coisa, em qualquer outra pessoa. Me esforço e faço força em qualquer sessão de regressão a alguma época em que você ainda não existia.

Gasto energia. Esgoto minha mente, que, estafada, não me mente. E me devolve a tua figura.

Meu peito arde e também me rendo. Aceito pensar no que você estará fazendo agora. Sonhei que você iria me ligar hoje, ainda. Mais tarde. Ensaiei todo o roteiro que eu não saberei seguir quando meu telefone tocar.  

Cada vez mais anseio te ver. E tenho ânsia. Meu estômago se revira em movimentos semelhantes àqueles de quando eu esperava ansiosamente por você, nas tardes de sexta-feira, que eu declarei que seriam sempre nossas.

Respiro fundo para tentar manter um mínimo de domínio sobre meu organismo ao mesmo tempo em que ouço, em loop, a música que significa a declaração da tua independência. De independência de você mesma. De independência de mim.

Não, eu não estou fazendo isso certo. Sei disso.

Mas não sei realmente se quero mudar. Ou se não me deixo. 

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Confissão tardia


Somos amigos, certo?

E sei que você continua lendo meus relatos desastrados de vida, então... não sei, talvez este seja o tempo de eu te confessar algo que havia muito eu queria te dizer.

Te traí.

Durante todo aquele tempo eu te traí. Disfarcei, ocultei, neguei, menti, omiti... recorri a todos os artifícios que estavam à minha mão para tentar te persuadir de que você estava errada e eu não tinha outra paixão.

Mas eu tinha. E era uma paixão que, com o tempo, se tornou uma espécie de amor. Doentio.

Eu sabia que não conviveríamos juntos, nós três. Você nunca admitiria. Tentei, em alguns momentos, te sondar a respeito de tal possibilidade mas via, a cada intento, um repúdio cada vez maior nas tuas palavras, nos teus olhos, nas tuas feições, nos teus gestos.

Então fui fraco: sucumbi ao método mais fácil, de arriscar coexistir com aquela dupla identidade mesmo sabendo que, em algum momento, eu mesmo me boicotaria e atiraria ao chão aquela frágil e quase transparente máscara que você insistia em não ver (não via?).

Em determinado instante tentei lutar, te digo. Mas não com o empenho e com a garra que eram necessários e que eu tinha dentro de mim se realmente quisesse fazê-lo. Aquela situação, na verdade, era demasiado cômoda para mim. Segui adiante, mantendo um mínimo de discrição e apenas observando o decorrer dos acontecimentos como um passageiro da minha própria vida.

Mas aquela outra paixão me consumiu – e eu sabia que isso aconteceria, cedo ou tarde. Ela precisava de mim. E eu dela. Cada vez mais. Mesmo quando estávamos juntos, você e eu. E hoje penso que os momentos felizes que tivemos poderiam ter sido ainda melhores não fosse por isso.

Tarde demais, Inês já se decompôs. E não estou argumentando.

Na verdade, houve momentos em que eu desejei ser flagrado. Baixei a guarda, reduzi meu nível de cautela e aguardei até ser pego – e isso de fato aconteceu, mas me esquivei e tentei te driblar como foi possível. Me acovardei.

Com o tempo, hoje eu vejo, fui me afastando de você. Até o momento em que as coisas ruíram e eu pensei que, enfim, teria toda a liberdade que precisava para viver aquela segunda vida pela qual eu, em algum ponto dentro de mim, ansiava. Não nego, a tive. E a tenho, não reclamo.

Apenas... queria ser sincero contigo. E dizer que lembrei dessa pendência em relação a você, esta noite, quando me encontrei com essa corrosiva e destrutiva paixão, que eu persisto em manter.

Foi sem querer, até culpa minha. Comprei, pela primeira vez em tanto tempo, e por engano, aquele chiclete do sabor estranho que você tanto gostava. E o esqueci ali, aberto, no painel do meu carro, sob o último cigarro que jazia no maço.

Saí do trabalho, acendi o cigarro e quase engasguei com o gosto de culpa acumulada daquela tragada. Lembrei que tinha que te contar que sou um fumante. Durante todo aquele tempo, com exceções de dois dias, fui um fumante. E continuo sendo.

E não, não me orgulho nem um pouco disso.

Desculpe pela falta de sinceridade.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Mágoas de um casal


Há algum momento na vida em que os gestos corporais vão além do poder das palavras – afinal, as palavras nada mais são que um emaranhado de letras para representar algo que não sabemos exprimir.

Mas não falo de linguística, senão do casal de noivos que viajavam de trem. Ele, cabisbaixo, pernas abertas no banco do corredor; ela, com um olhar vazio para as paisagens murchas do subúrbio da cidade grande, as pernas retraídas e a testa apoiada contra a janela fria. Os olhos, verdes, tristes. O semblante, trancado.

Ele até tentava algum tipo de comunicação, mas desistia cada vez que ela respondia com um sacudir de ombros ou de uma torção da lateral dos lábios, como se soubesse todas as respostas e não lhas quisesse dar. Ele, então, apertava um dos cantos da boca e se limitava a baixar os olhos para a tela do celular, besuntada do suor dos polegares que a corriam de cima a baixo desesperadamente.

Não sei o que, especificamente, mas ele havia feito algo. Se lhe notava pelo ar arrependido que ostentava a contragosto. E ela, orgulhosa como o brilho dourado dos cabelos para trás, não estava disposta a ceder.

Tudo isso acontecia sem legendas, em qualquer idioma que eu não saberia compreender. Mas tampouco era necessário. Bastava observar aqueles dois para saber que as coisas não iam bem. Especialmente depois que ele tentou lhe tocar os cabelos e ela se esquivou como quem foge de um perigo iminente.

Houve, porém, um esboço de reconciliação. Quando ele, tímida e meticulosamente, cruzou os braços e apoiou a mão direita sobre o encosto da cadeira dela. Sorrateiramente, um de seus dedos rastejou por um vazio imenso até tocar a última falange de um dedo desavisado dela.

E, nesse mínimo contato, estiveram próximos. Próximos como um filho recém-nascido que agarra com todas as forças que ainda nem tem um pequeno pedaço de dedo daquele a quem em algum momento chamará de pai ou de mão.

Ele até tentava aproximar seu polegar para lhe acariciar aquele mesmo dedo, mas era refutado a cada oportunidade. Até que uma coceira na cabeça lhe colocou tudo a perder: os dedos se desencostaram e se distanciaram, para não voltarem a se tocar naquela viagem.

Voltaram a ser dois desconhecidos com uma mágoa em comum.

Ele girou a aliança de ouro branco no anelar direito. Pesava-lhe.

Ela observava a pedra brilhante que brotava sobre o anel de prata que levava no dedo médio esquerdo.

Talvez também não queira se casar.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Tudos, nadas e a receita da felicidade

Muitas vezes nos queixamos por não termos - ou por encontramos dificuldades gigantescas para alcançarmos - nossos tudos. E geralmente sequer sabemos o que esses tudos querem necessariamente dizer.

Mas acalmemo-nos. Toda essa angústia é passageira. E não, esta não é uma fórmula para que você consiga tudo aquilo o que você sempre quis, provavelmente de maneira obstinada.

Acontece que, em algum momento, a vida te mostrará o que você realmente é: nada. Absolutamente nada. Um pequeno ponto que fará pouca ou nenhuma diferença se aumentar, diminuir, continuar igual ou sumir. Desculpe te dizer assim, sem avisar, mas somos nada.

E tudo o que você quer, deseja, sonha, ambiciona, obseda... isso é menos ainda. É um puro nada. O teu tudo é nada. O tudo, nessa vida, é nada. Nada, nada e mais um pouco de nada.

Porque tudo o que queremos é apenas uma ideia fixa. Um objetivo vão que gera novas metas, novos quereres, novas ansiedades e novos fracassos.

Se queremos de fato encontrar algum pequeno pedaço do tudo que a vida tem para nos dar devemos abrir nossos olhos para os pequenos nadas que ignoramos, dia após dia. Algo que nos toque o peito no local exato que trava nossa garganta, nos treme a boca e nos injeta lágrimas de uma maneira instantânea nos globos oculares.

Falo de um grupo de crianças que perseguem bolhas de sabão até estourá-las e então correm para o outro lado gargalhando e caçando mais bolhas de sabão. Falo do menino com paralisia cerebral que os pais empurram na cadeira de rodas e ele observa maravilhado a paisagem de mar, barcos, céu, sol e gaivotas.

Porque esse menino, eu te garanto, é mais feliz em seu interior do que você e eu. Porque, eu não sei o porquê, seus olhos têm o brilho que a felicidade tem. O som da risada dele soa à felicidade. O movimento das mãos e da cabeça orquestram a canção mais feliz que alguém jamais ouvirá.

Admito que já tive dó de crianças assim. Sempre tive piedade pelo fato de elas estarem neste mundo para serem somente nada. Hoje eu as respeito, as admiro. Porque elas nunca serão um nada. Serão puramente livres de tudo o que há de mau nesse mundo. E serão simplesmente felizes. Porque simplesmente não se preocupam em serem felizes.

Porque a felicidade não está nos planos futuros. Não está naquela casa, naquele carro e nem naquela garota em quem você pensa todos os dias e todas as noites. Ser feliz talvez queira dizer viver o presente. E fazer de pequenos nadas da rotina um tudo cada vez mais sólido. Desapegando-se do passado e despreocupando-se acerca do futuro.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Recaída

Eu pensei que já havia sido capaz de domar minha mente e amortecer os impactos que os pensamentos diários sobre você causam no meu dia a dia. Mas não consegui sufocá-la. Dei-lhe um pequeno espaço de respiro e, sem perceber, me vejo novamente asfixiado pelo fantasma da tua existência.

Não lembro direito como isso começou, acho que foi quando sonhei com você. Ou com a tua família, já não sei. Sei que aquilo me afetou. Me derrubou durante um ou mais dias. Só que, ainda assim, segui soberano de mim mesmo. Tanto que me deixei afrouxar a folga no mecanismo que comprimia e censurava as recordações recorrentes sobre você.

Tudo corria bem, até mesmo quando eu me flagrava lendo e relendo a mensagem de aniversário que você me mandou e eu não respondi. Ou, então, quando ia procurar qualquer pessoa no Facebook e, automaticamente, digitava as três primeiras letras do teu nome. Ato falho, admito, mas nada que merecesse uma atenção maior da minha parte.

O problema foi quando você decidiu reaparecer em um sonho. Sem figura, sem perfume, sem som e nem nome. Era apenas “ela” na voz que morava em meus pensamentos e que me dizia o que fazer. “Não é dela que você sente falta? Não é ela por quem você tanto espera? Não é dela que você não consegue se livrar? Pois não desista! Busque-a novamente, reconquiste-a! Desta vez vai ser diferente”.

Acordei mal-humorado. Me culpava por haver baixado a guarda para mim mesmo e ter me nocauteado. Eu estava certo e eu estava redondamente enganado. Ao mesmo tempo, em todos os contextos e em todas as interpretações possíveis. Minha cabeça doía. Minha garganta se arranhava com cada gota de saliva que eu insistia em tragar. Meus ouvidos se tapavam e me tapavam qualquer som exterior. Éramos eu, meus pensamentos e meu novo resfriado.

Um resfriado, justo agora? Exatamente um ano depois de tudo o que aconteceu? Me obrigando a sentir os mesmos sintomas, na mesma época seca do outono, e a reviver as mesmas dores de antes? No mesmo anoitecer gélido e solitário que o mês de maio me impõe?

Sim. Sim, sim, sim e sim. Tudo de novo, inclusive o renascer das mesmas dores da alma que me abalaram e que se confundiram tanto com as complicações pequenas que um simples resfriado proporciona.

A cabeça que lateja, sobrecarregada de lembranças tuas. O nariz congestionado, que não consegue absorver o ar e que, na verdade, nem se preocupa em completar os movimentos da respiração. Apenas realiza, mecânica e aceleradamente, inutilmente, a ação descontrolada de inspirar e expirar. Inspirar e expirar. Cada vez mais rápido. Nspirar e xpirar, nspirar e xpirar, spirar e xpirar, spirar e xpirar, pirar e pirar, pirar e pirar, pirar e pirar.

A garganta fica seca. Seca por dizer tudo que tem engasgado por ali, arranhada por tantos sentimentos cortantes que lhe foram impingidos. Dói. Inflama. E clama por dizer tudo que deve e que não pode ser dito.

E o peito, que vive o maior paradoxo que poderia encontrar. Carregado e congestionado de tantas impurezas e ao mesmo tempo tão vazio e inóspito, que o coração se amedronta por estar em um lugar tão obscuro - teme o próprio eco das batidas sem ritmo que cisma em realizar sem nem entender por quê.

Nenhum resfriado me dói tanto como estes que vêm acompanhados de você. E queria – e queria talvez mais do que tudo – que fosse tão fácil me curar de você como de um resfriado qualquer.

Mas lá se vai um ano que eu continuo sofrendo desse mal e tendo recaídas e recaídas de você. E, nos meus delírios febris que tenho pelas manhãs sob dois cobertores, já não sei mais se você é um vírus que insiste em corroer meu organismo, um mecanismo de autoflagelação criado pelo setor doentio e masoquista da minha mente, uma assombração ou um vício do qual eu não consigo (e talvez nunca tenha querido) me libertar.

terça-feira, 26 de março de 2013

Amor de ferrovia

Volto em um trem enquanto desenho desleixadamente algumas letras sobre o papel, a fim de tentar manter este momento por muito e muito tempo. E para ter uma desculpa para pairar com a caneta no ar fingindo pensar em alguma palavra que se me haverá escapado, e assim poder olhar com os dois olhos fixos para o rosto da garota curiosa que me observa desde que estávamos na plataforma de embarque.

Pensará que escrevo sobre ela. Não está de todo errada. Mas talvez queira saber o conteúdo (vazio) das palavras que imprimo com velocidade sobre o papel.

Escrevo que observo teu cabelo loiro que foi preso com pouco capricho e se transformou em um rabo de cavalo que me cativa a cada olhar. Estudo com minuciosa atenção teus enormes olhinhos azuis que às vezes se escondem em um dos cantos do teu globo ocular quando me queres mirar.

Me divirto com tua jaqueta bege e tua calça verde, que, combinados à tua pele branca e ligeiramente rosada, te fazem parecer um duende. Sorrio para você cada vez que te imagino duendeando por aí.

Também me encanto com teu lenço preto enrolado no teu pescoço. Te dá um certo ar arrogante de superioridade, que não trai a tua fisionomia fechada. Admiravelmente fechada. Irritantemente fechada.

E tuas meias cor de rosa, que se sujam posando o chão e destoam de todo o teu visual neutro, me enternecem. Me fazem querer sair do anonimato e te convidar para dar um passeio à beira-mar. Nos sentaríamos em algum banco do porto e eu encaixaria a minha cabeça no teu ombro, enquanto passaria meu braço pela tua cintura para te sentir minha e apenas minha.

Escrevendo isso decidi te fazer este convite e ofereci meu camarote com vista discreta para você a uma senhora em pé ao meu lado. Então me aproximaria de você, te sorriria, exageraria no meu sotaque e te faria rir.

Mas a velhinha não quis se sentar. E eu achei melhor me apaixonar apenas secretamente por você.

Então, bonita, vou parar de escrever agora. Estamos chegando à nossa parada e quero aproveitar nossos últimos minutos juntos te olhando mais descaradamente.

Até nunca mais.

sábado, 23 de março de 2013

A desconhecida que se despe

Poucas coisas no mundo são tão sexy como a mulher desconhecida que, sem querer, para à tua frente, espicha a coluna, se inclina ligeiramente para frente e para trás e tira o casaco que leva posto.

É como se o mundo reduzisse a marcha naquele curto momento em que teu pensamento foge da tua cabeça, dispara até os limites da galáxia e retorna à tua mente com tanta força que te deixa meio tonto. É como se você fosse o ser mais oni-qualquer-coisa que já existiu. É como se... não sei dizer.

Tudo isso porque a desconhecida, cujo rosto você mal pôde observar, cruza os braços à frente do corpo, fazendo um X como se demarcasse naquele ponto o local onde está guardado um tesouro de inestimável e inalcançável valor.

Ela move os braços, inverte o X e começa a puxar a tal blusa, enquanto seu corpo serpenteia por inteiro, da cabeça às bases dos tornozelos, como se se quisesse livrar o mais rápido possível daquela segunda pele que lhe asfixia. Apenas os pés, fincados ao chão, resistem àquela sincronia de movimentos.

Pouco a pouco os dedos, pressionados ao tecido, obtêm o êxito de levantar aquele abrigo tão desconfortável e deixam mostrar um novo corpo que vem abaixo, de curvas mais definidas, de pele suave, convidativo o bastante para te impedir de desviar o olhar para qualquer meteoro que porventura esteja por cair sobre a tua cabeça naquele instante.

Enquanto isso, ao mesmo tempo em que trata de desvencilhar-se daquele casulo e libertar-se da pesada e calorenta lã que a envolve, ela trava uma luta contra a peça que vai abaixo. Calcula a força, a velocidade e a intensidade de todos os movimentos que faz para evitar que, sem querer, termine despida de tudo o que leva vestido.

É uma combinação de movimentos quase perfeita. E digo quase porque a batalha é vã. Quis a vida que sempre a camiseta que vai abaixo se suba ligeiramente, escorregue e mostre um ou dois dedos da barriga nua, de cor opaca, flagrada distraída e traída pela própria dona desajeitada que não zelou pela sua privacidade .

Mas é justamente este o delito que faz com que cada fragmento de segundo investido na observação desta cena tenha valido a pena. Porque a beleza não está na ausência de falhas. As coisas mais lindas desta vida são aquelas com um, dois, três ou não importa quantos defeitos.

A perfeição,  bem da verdade, não tem graça nenhuma.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Mar da Catalunha

Olho para a marola dessa imensidão do Mar Mediterrâneo e, de uma maneira impensável, penso em você. Dedico esta vista a você. Eu não estaria aqui se não fosse por você. Olha só onde eu vim parar.

É inverno. Um vento gelado corre em direção ao sul e se choca de maneira estrondosa contra meu pescoço e deixa um assobio agudo quando passa pela minha orelha. Tenho um arrepio por toda a espinha. Parece frio, mas sei que não é. Já aprendi a diferenciar essa sensação, já sei que esse tremor mostra que você está presente. Andou pensando em mim? Por favor, não faça isso.

Respiro mais fundo, tentando captar algum vestígio teu, e meu peito esfria. Sinto raiva. Sinto raiva de você, de mim, do que aconteceu e do que está acontecendo. Essa raiva que se estende pelos meus braços e contamina minha mão gelada que insiste em correr e guiar esta caneta pelo papel.

A raiva me traz a falta da tua companhia. Tua companhia que sempre me havia feito tão bem. Que me suprimia qualquer pensamento de um dia me sentar em um banco à beira-mar em Barcelona para ver o pôr-do-sol. A tua companhia, que tornava tudo isso tão insignificante. Mar, Barcelona, Catalunha, céu, sol, barcos, turistas, gaivotas que revoam a 2 metros da minha cabeça e até este casal de namorados apaixonados ao meu lado. Éramos maiores que tudo. Éramos melhores que isso.

Agora, sim, já tenho frio. Culpa minha, não trouxe o cachecol que você insistiu que eu comprasse.

Tenho frio, tenho raiva, tenho saudade, sinto tua companhia e não a tenho. Tenho o mar da Catalunha todo para mim e não o quero. Porque olho para ele e te vejo em todas as marolas que correm de mim.

O mar da Catalunha, a partir de hoje, será você.

domingo, 10 de março de 2013

GPS


Não sei por que, estava brincando com mapas e refiz meu caminho de sempre até tua casa.

Não foi a mesma coisa. Senti falta da tua mão contra a minha.

Tua mão, apertando-se contra a minha quando já estava escuro ou quando alguém mal encarado passava pela gente.

Tua mão, me puxando para atravessar a rua se você tinha medo de passar por aquela praça.

Tua mão, que passava pelo meu rosto quando aquela banda que eu não conhecia tocava o hit mais famoso naquele show em que eu me apaixonei por você.

Tua mão, que eu nem lembro mais como é.

Mas passei minha mão sobre a tela do meu celular, refazendo o caminho do teu portão até tua casa. Esquivando-me do teu cachorro, que tentava me derrubar de tão feliz que ficava quando me via e...

Lembrei muita coisa. E decidi parar de brincar. 

sábado, 9 de março de 2013

Entenda as piadas sem sentido do Chaves: um rato estou de trabalhar aqui

Posso me queixar de algumas coisas nessa vida, mas não de trabalhar com uma série de pessoas estranhas, tanto ou mais que eu, que orientam parte da vida com Chaves. E foi assim que surgiu a discussão na noite da última sexta-feira.

“O que quer dizer a piada ‘um rato estou de trabalhar aqui’?”, me perguntou um colega, que obviamente não lê este blog – afinal, não saio divulgando por aí apenas por ser... uma pessoa... reservada? Chame do que quiser, tenho adjetivos mais fortes. Mas se lembram desse trecho?



Não precisei raciocinar muito, apenas pensei no equívoco de tradução mais básico. Rato, em espanhol, não quer em momento algum dizer aquele bichinho nojento que come queijo. Estes são ratas. Ou ratones, se for uma ratazana. Nunca rato.

Rato, em espanhol, quer dizer “momento”. En un rato me tengo que ir, eu ouvia com dor no coração, porque dali a pouco alguém iria embora. Pero en un ratito nos vemos, a pessoa mais tarde me dizia, me enchendo de esperança.

Isso nunca fez sentido lógico para mim e tive discussões sobre o tema com a pessoa que ia e voltava em um rato ou em um ratito.

Mas a piada deste episódio do restaurante não é, tecnicamente, um erro de tradução, como eu havia pensado. Inicialmente, supus que o Chaves teria dito “hace un rato que trabajo aquí”, mas não.

No áudio original, há uma gíria que não é muito usada na minha vertente do espanhol, mas sim no México. Vejam só, a partir de 15:00 (e continuem vendo, é sensacional o chilique do Chaves na sequência ao dizer que não tem biscoitos).



Ya lo maté, disse o Professor Jirafales. Al ratón?, perguntou o Chaves, referindo-se ao rato e logo percebendo a gafe diante do restaurante cheio. No, yo iba a decir: al ratón nos vemos, corrigiu, fazendo uma despedida com as mãos.

Apesar de ratón significar o rato, animal, em algum momento da linguagem coloquial é compreensível dizer nos vemos al ratón como quem diz “te vejo daqui a pouco”. Na hora lembrei como costumava responder Pero va a tardar un ratononononóóóón hasta que te vea de vuelta, sem nem perceber que colocava, naquele contexto, uma gíria estranha para o povo rio-platense.

Mas... é isso. Rápido e não muito relevante, um mistério a menos.

terça-feira, 5 de março de 2013

O dia em que fiz um gol no Marcos

Esta história eu certamente contarei aos meus filhos. E aos meus sobrinhos, aos meus netos e a todos os parentes nas reuniões familiares. Mas enquanto não atinjo essa fase da vida, compartilho com vocês, internautas, a realização de um sonho de infância. Fiz um gol no Marcos. De pênalti, é verdade, e durante o último treinamento dele para o jogo de despedida. Só que, ainda assim, um gol no Marcos.

Esse feito se torna ainda maior para mim se levarmos em consideração minha ligação com o futebol: além de jornalista esportivo, sou palmeirense. Hoje em dia, talvez, seja mais jornalista do que palmeirense (sem demagogia, não é o meu fanatismo que paga minhas contas no final do mês). Mas aprendi a gostar daquele clube de camisa listrada em verde e branco em 1993, quando mal sabia escrever. E, assistindo à Libertadores de 1999, aprendi a amar incondicionalmente. Na vitória ou na derrota, na Libertadores ou na Série B, no Palestra Itália ou no Pacaembu, com Evair ou Gioino.

De 99 para cá vibrei, torci, pulei, cantei, gritei, xinguei, me decepcionei, me iludi, sofri e já até chorei, sim, pelo Palmeiras. Até que ontem (texto original de dezembro de 2012, disponível aqui) à tarde estava escalado para acompanhar um treino do Marcos para a partida de despedida que ele vai jogar na próxima terça, no Pacaembu. E vou falar para vocês: não esperava lá grandes novidades, por conhecer a rotina de treinamentos de clubes de futebol.

Que heresia! Duvidei dos poderes daquele que, por maioria de votos, já recebeu título de santo.

No final do treinamento, o Marcos convidou os jornalistas que estavam na Academia de Futebol para cobrarem pênaltis contra ele. Vi de longe o que estava acontecendo e fui me aproximando, inicialmente, apenas para ver melhor. Em nenhum momento me havia passado pela cabeça dar também um chute, até que... quando percebi já estava na fila. O que eu estava fazendo?

Não iria voltar atrás, mas decidi também que não passaria vergonha. A primeira coisa que fiz foi amarrar o cadarço do pé esquerdo (não queria que meu tênis saísse voando e fotos minhas se tornassem virais como as do José Serra, durante a campanha para a prefeitura de São Paulo). A segunda foi já pensar em desculpas para justificar meu provável erro. E ali eu percebi que os clichês dos boleiros caem muito, mas muito bem nessas horas: “pé de apoio escorregou”, “o gramado não é dos melhores”, “a bola é leve demais”, “senti uma fisgada na coxa”, “só erra quem bate”, “só bate quem erra”...

Além disso, eu tinha muitos outros argumentos para usar: calça jeans, tênis inapropriado, não chuto uma bola de futebol há três anos, estou me recuperando de um resfriado forte... e, cá entre nós? Era contra o Marcos que eu iria cobrar um pênalti. Errar um pênalti contra ele não é motivo de vergonha para ninguém (ok, talvez o Marcelinho Carioca não pense assim). Então resolvi relaxar: escolhi o canto onde chutaria, tracei minha estratégia e esperei minha vez.

Assisti às cobranças dos colegas, e eram poucos (não se enchia uma mão) os que conseguiam vencer o Marcos, que continuava pegando quase tudo. Até que chegou minha vez. Ajeitei a bola na marca, preparei minha canhota, tomei distância e dei toda a pinta de que chutaria no canto direito do Marcos – essa era a minha estratégia, para chutar no outro lado. Só que fiz quase tudo ao contrário. Corri mal para a cobrança, peguei estranho na bola... até demorei para levantar a cabeça e ver o rumo que tinha tomado aquele pênalti desastroso.

De verdade, não sei o que aconteceu. Só vi que a bola estava lá balançando a rede e o Marcos estava lá, sorrindo, sem jeito. Também sorri, fiquei extremamente feliz. Mas, juro para vocês, não vi meu gol. Foi tudo tão rápido... ouvi depois que eu tinha cobrado direitinho. Que tinha metido no ângulo. Que tinha dado uma porrada como um zagueiro argentino. Também falaram que o Marcos já tinha cansado. Talvez seja a hipótese mais sensata.

Ainda não sei como vai ser meu gol quando eu contar a minha versão fantástica e fantasiosa para meus filhos, no melhor estilo de “Big Fish (Peixe Grande e suas histórias maravilhosas)”, aquele filme do Tim Burton, enchendo de encanto o simples relato de um pênalti mal batido que entrou. Mas isso não vem ao caso agora.

Chegando em casa, contei para o meu irmão, "quase" xará do Marcos (ele se chama Marcus, na verdade) e mais fã do goleiro do que do Palmeiras, como havia sido meu dia. Ele pareceu não dar muita bola para o meu gol. “Cara... ele fez isso por quê? Por ser legal? Olha só... por isso que o Marcos é quem ele é. Tem gente aí que não fez 10% da carreira do Marcos e é tão arrogante, se acha tão superior... e olha só como é o Marcos, tão gente boa”.

Meu irmão me fez pensar. E, de tanto pensar, acho que para os meus filhos pouco importa contar se um dia eu bati um pênalti e a bola entrou. O que eles deverão saber, e vão saber, é quem foi Marcos. Santo por maioria de votos. Padroeiro de uma torcida carente. Um exemplo muito além do mundo da bola. Um exemplo de pessoa. Um ídolo.

Não posso me deixar levar por ter acertado, na sorte, um chute dentro do gol, e esquecer quem eu sou: um palmeirense, fã daquele goleiro careca, carismático, competente e pavio-curto. Por isso, e por muito mais... Obrigado, Marcos.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Encontrei teu Facebook


E quando dei por mim estava vendo tuas fotos, querendo mergulhar na tela do computador para te dar um abraço cheio de saudade. Olhar o teu sorriso e sorrir com ele, gargalhar das histórias que você tem pra me contar.

Foi lindo ver teu rostinho sorrindo para mim, me olhando, me chamando. Sim, você estava me chamando – mesmo sabendo que foi você quem escolheu essa distância incômoda e inconveniente entre nós. Era um teste. Eu não poderia novamente tentar atrapalhadamente me aproximar de você e estragar tudo. São as regras do teu jogo, que eu aceitei jogar ainda tão pequeno sem saber que seria tão longo, complexo e agoniante.

Somos personagens de um livro, você e eu. Minha amada de sotaque exótico, passados obscuros e histórias desencontradas, que sempre procurou o garoto inocente e romântico nos momentos mais improváveis. Que lhe ensinou o quão lindo pode ser o toque de uma mão feminina. Um abraço apertado. Um andar de mão dadas que parou o trânsito.

Reluto e refuto acreditar que apenas o acaso me tem traído. As cartas que nunca foram respondidas. A minha saída de casa no único dia em que eu deveria ter ficado para receber tua visita surpresa. O teu falso endereço que nunca esteve errado – e a falha imperdoável da minha memória. A tua ligação inesperada, ouvir a tua voz e ver que a linha havia caído.

Por você aprendi a falar tua língua. Vivi no teu país, morei na tua cidade, achei que te veria a qualquer momento e pensava que todos ali te conheciam e poderiam me ajudar a te encontrar. Amei alguém pensando que era você. Dei a ela o apelido que era teu, sem nem me dar conta – você vai me matar se souber que um dia te chamei, para mim mesmo, de cucarachita.  

Olhei novamente tuas fotos. Lembrei das minhas fotos. Aquelas que você tirou só para mim dizendo que me amava quando não sabíamos o que era o amor. Quando você me ensinou o que era se sentir amado. 

Já faz dez anos. Acho que eu posso aguentar mais dez se um dia souber que vou te ver de novo.

Olhei mais uma vez tuas fotos.

Decidi quebrar as tuas regras e te procurei. Prometo que vai ser a última vez. 

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Mais além do horário de verão


Duas datas no ano me fascinavam quando eu era pequeno: as vésperas do começo e do fim do horário de verão. Eram dias tão especiais para mim como o Natal, meu aniversário e o Dia das Crianças.

Mal terminava de almoçar, saía pela casa da minha avó e pela minha casa adiantando ou atrasando os relógios, meticulosamente em uma hora. Ali me aclimatava para o novo fuso – um dia era tempo demais para eu me acostumar. Só deixava um relógio, o meu despertador, no horário antigo. Gostava de acordar ainda zonzo, ter a sensação de que havia dormido demais e só depois me dava conta da hora verdadeira.

É mais do que sabido que a vida naquela época era mais fácil. Mais linda. Mais suave e mais divertida. Era uma puta duma vida. E eu sabia disso.

Naquela época eu sabia aproveitar da melhor maneira as pequenas felicidades da vida. Não era raro eu colocar o despertador para tocar às 3 da manhã, me levantar no susto, olhar o horário e virar para o lado extasiado. Mais três horas para dormir. Aquilo sim era o paraíso.

Houve momentos difíceis, também. Lembro quando havia caído no sono um dia de dezembro no sofá da sala e o telefone de casa tocou por volta das duas da manhã. Ouvi meu pai receber a notícia que eu já sabia. Ele desligou o telefone, e eu continuei ali fingindo que dormia. Fingi tão bem que em dado momento acreditei em mim mesmo e só acordei no dia seguinte.

Meu pai, então, me contou que minha avó havia morrido. Era a pessoa de quem eu era mais próximo naquele 1999 esquisito. Não chorei, não de cara. Eu já estava preparado. Não foi doloroso. Foi uma transição fácil, para falar a verdade. Apesar da saudade, da tristeza, da oração, do adeus que nunca nos dissemos. Eu sobrevivi.

Fico imaginando hoje, como seria minha reação. Eu, tão vulnerável que perco o sono por coisas tão menores. Acho que passaria uma noite inteira sem dormir. Acenderia um cigarro e depois outro cigarro e depois mais um cigarro. Sentiria um vazio no estômago, no peito, no cérebro, na alma, na vida, no mundo. Talvez levasse meses, um ano, quem sabe, para me recompor.

Eu já fui mais forte.

Sei disso porque ainda não ajustei meu relógio para o novo horário – ele continua no fuso do verão.

Talvez seja eu quem não queira enfrentar os problemas de frente. Ainda queira, de uma forma ou de outra, viver no passado. E empurrar minhas angústias para debaixo do tapete me dá essa impressão, de que vivo uma vida amena e tranquila. E ainda tenho tempo para ser nostálgico.  

Acho que isso me corrói. 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Desembarque

Não tinha expectativa alguma quando soube pela primeira vez sobre você. Minhas exigências eram baixíssimas, a bem da verdade, mas a primeira impressão foi péssima. Não fazia meu tipo, não me enchia os olhos, não me chamava a ponto de parar minhas atividades para te ver.

Falavam que eu estava me fazendo de difícil. Que não custaria nada te dar um voto de confiança, acreditar que as coisas desta vez seriam diferentes – diferentes de todos os fracassos de tempos atrás, com pessoas cujo nome hoje sequer me lembro. Não era isso. Nada contra você, repito.

Até para provar para mim mesmo que não era você quem eu queria, aceitei te conhecer melhor. Saber um pouco mais de onde você era, o que havia feito até então... e confesso, acabei gostando um tantinho de você. Já conhecia um pouco da tua cidade, das tuas manias, dos teus costumes, da tua cultura, do teu sotaque. Poderíamos ser bons amigos, nos dar bem até onde o tempo permitisse. Por que não?

Mas com o passar do tempo, oh! Dia após dia você foi me conquistando. Gostava de te ver, gostava da tua roupa, que combinava perfeitamente com você dia após dia. Gostava da tua simpatia, dos teus gestos, das tuas artes, dos teus êxitos, do teu humor peculiar, da maneira que você me entendia quando eu te falava. E, eu sei, eu era quem melhor te entendia. Deixei que isso preenchesse todos os vazios da minha vida.

Acompanhei de perto a tua escalada, a tua evolução. Você, uma pessoa totalmente desconhecida quando chegou, desbravou terras para conquistar teu espaço. Venceu, me encheu de orgulho. E que orgulho eu tinha de saber que havia uma parte de mim em todos os teus triunfos. Sei que o mundo já não me aguentava mais falando única e exclusivamente de você.

Hoje é difícil especificar um momento, mas sei que foi rápido que comecei a... te amar? Sim, foi isso. A palavra era forte, mas eu não tinha dúvida disso. Era real o que eu sentia. E tive total certeza disso quando você também disse, para que todos ouvissem, que você também amou.

Reconheço que, apesar de tudo, aquele não era o meu melhor momento. Não sei por que, fui menos do que poderia. Mas me escorava em você, naquele momento difícil, para me manter em pé. Você não sabe o quanto isso foi importante. E o quanto você foi importante.

Temi meu primeiro tombo. Achei que fosse te perder – naquele momento, você já era muito mais do que eu. Tudo conspirava para que você me deixasse. E eu entenderia, não guardaria mágoas. Mas você foi diferente. Jurou fidelidade, jurou lealdade. “Estamos juntos”, você dizia. Ah, quanta esperança isso me dava! Você me havia ganhado.

Por mais que aquele tombo me houvesse ferido, consegui começar a me reerguer, pouco a pouco. E te ver ali, no lugar de sempre, com as mesmas atitudes de sempre, me revigorava. Renovava meus ânimos. Sabia que, nos piores momentos, estaríamos juntos. E nos recuperaríamos para nunca mais esquecermos um do outro.

Até que me falaram. Não quis acreditar a princípio, preferi manter um mínimo de esperança de ouvir da tua boca que tudo aquilo era mentira. Não sei por que, você preferiu não dizer. Quero pensar que o fizeste porque também sofrias, e não por covardia. Mas ler tuas palavras me feriu como se um gancho me rasgasse o peito, abrindo um corte de fora a fora que jamais seria cicatrizado. Você disse que amou. Me desculpa, você nunca amou. Reconheço minhas falhas, mas nunca vou abrir mão das minhas crenças: quem ama não abandona. E você me estava abandonando.

Ainda incrédulo, te vi partir. Crente de que te arrependeria ao passar da primeira hora. Mas você se foi. E horas depois te vi com outro. Com fotos, e gestos, e promessas iguaizinhas às que, eu pensei, fossem apenas para mim.

Tenho vergonha em dizer que às vezes torço pelo teu fracasso e maldigo teu sotaque, tua cultura, tua terra. Liga não, é apenas a dor da perda. Se te odeio é porque esse amor mal correspondido dói. Se não te amasse, não ligaria para você. Não veria tuas novas mensagens de amor, tuas publicações embebidas de esperança e insegurança, vivendo esse suposto novo amor que acabou de começar.

Um dia passa, como já passou outras vezes, e eu talvez perceba que tenha apenas te supervalorizado. E lembre com carinho de você, vibre com tuas futuras vitórias. 

Ah, Hernán Barcos. Você não tinha esse direito de deixar o Palmeiras.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Entenda as piadas sem sentido do Chaves: Quico não comia em aparelhos sanitários


Que o Quico é almofadinha, todo mundo já sabe – no mundo atual, talvez fosse um coxinha (na real, nunca entendi essa de coxinha; talvez eu também seja um coxinha, você também, todos nós). Só que não precisava jogar na cara do Chaves e da Chiquinha que ele só come em pratos refinados, não é?

Seja lá como for, é difícil entender por que o Chaves se diverte tanto quando o Quico diz que não poderia brincar de comidinha em pratos de papel porque só comia em aparelhos de porcelana. Mas sempre há uma explicação, como veremos aqui nesta elucidação express sobre essa piada mais ou menos sem sentido. Vejam só, em 14:30:


Difícil como ele associa imediatamente o termo “aparelhos de porcelana” a “aparelhos sanitários”. Por mais que não me seja totalmente estranha essa ligação (talvez minha avó tenha falado alguma coisa assim no começo da longínqua década de 1990), a piada original não se perde no tempo. Pelo menos, não no México.

Na versão original, é quase imperceptível essa piada. Vale citar que, nos episódios em espanhol, a dicção do Quico é algo bem mais difícil, já que o Carlos Villagran tinha que falar com as bochechas infladas. E por isso a confusão do Chaves tem lá seu sentido.

Acontece que o Chaves não entende porcelana, mas sim borcelana. E no México, sim, borcelana é uma gíria comum para privada, vaso sanitário ou seja lá como vocês chamam.

Ah, mas então. Ainda assim, o Quico fica meio constrangido e tenta explicar que os aparelhos de porcelana não eram a privada, mas sim baixelas – ou seja, pratos, travessas, molheiras e afins. Na continuação, ele associa “baixela” à Chiquinha, baixinha. Tem lá seu sentido, convenhamos.

Em espanhol, porém, a associação “baixela” e “baixinha” é mais lógica. As palavras, por mais que se escrevam de uma maneira diferente, têm a mesma sonoridade. Eu explico.

Baixela, em espanhol, seria vajilla (leiamos "barrija"). E a Chiquinha, no caso, seria... baja? Bajita? Sim, pode ser. Mas também... bajilla (leiamos... "barrija"!). Isso porque os diminutivos em espanhol podem ser criados de duas maneiras: com o sufixo –ito(a), para chiquito, ou com o sufixo –illo(a), para Felipillo, o amigo da Mafalda. Pelo menos para mim, o –illo é menos usual, mas mais carinhoso. 

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Entenda as piadas sem sentido do Chaves: você comeu a que eu gosto e eu comi a que ela gosta (lagosta)

Muito embora o Chaves tivesse visto o mar apenas pela televisão até ir a Acapulco/Guarujá e mal tivesse o que tomar de café da manhã, é totalmente plausível que ele já tivesse comido lagosta. E ele mesmo admite isso, de uma maneira tortuosa, no episódio Peixe cru faz bem para a memória.

Olhem só:



Ok, vamos concordar: baita trocadilhozinho fraco esse, né? Por mais que eu seja eterno defensor das dublagens a série, a explicação de que Chaves e Chiquinha tinham duas tortas, ela comeu a que ele gosta e ela comeu a que ela gosta é... ruinzinho.

Não que essa seja uma piada extremamente engraçada na versão em espanhol do Chaves, mas pelo menos o trocadilho é mais bem feito. Vamos ver se vocês entendem, assistindo o vídeo a seguir (preferencialmente a partir de 14:30):



Notaram aí alguma diferença básica para o trocadilho? Em espanhol, lagosta se diz langosta. Nada lá muito diferente da palavra no nosso idioma, né? Mas esse N vai fazer toda a diferença no decorrer da piada. Vamos lá:

Segundo o Chaves, havia duas tortas (que eram de feijão, diga-se). A Chiquinha comeu a mais ancha... ou seja, a que era mais grossa, a mais recheada. E o que restou para o chaves? La angosta! L’angosta! Langosta!

E o que é angosta, minha gente? Não temos essa palavra em português e me atrevo a dizer que não há um termo assim... perfeitamente traduzível para isso. Apenas quem já andou por calles angostistas no interior argentino pode entender melhor o que é angosto, como a minha saudosa e querida Caseros, na Manzana Jesuítica, no centro de Córdoba.



Mentira, apenas estou sendo nostálgico e matando a saudade de um passado que não volta mais.

Agora falando sério: a torta angosta seria... a torta mais estreitinha, mais fininha.

Coitado do Chaves, né? Depois não sabem por que ele fica comendo os peixinhos dourados da Chiquinha...

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Às vezes não penso em você


E é quando vivo meus melhores momentos. Quando amo o mundo e sorrio para o futuro. Quando tenho aqueles ataques gostosos de ansiedade. Quando minha mão tremelica na hora de anotar um número novo na minha agenda. Quando me arrepio por sentir o toque de outra pele contra a minha. Quando fantasio a perder de vista meus próximos dias, meses, anos... 

Não pensar em você é o grande avanço que eu consegui para a minha vida nos últimos tempos. Acho que já até cheguei a passar dias inteiros sem lembrar que você existia. Foram dias alegres, de plena felicidade. Não te odiei por nenhum segundo, não senti falta da tua companhia e nem do teu olhar que brilhava por mim a qualquer hora do dia. Não me senti só. Pensar em você me traz solidão. É estranho. 

Não ter você dentro da minha cabeça me traz muitas coisas boas, sabe?

De verdade. Eu consigo ter sensações que havia muito não tinha, posso ouvir aquelas músicas divertidas que eram minhas e que eu deixei que fossem nossas e não tenho vontade de vomitar escutando aquelas mesmas notas, repetindo aqueles versos desgastados. E posso até ouvir as tuas músicas, que eu peguei emprestadas para mim, e achá-las bonitas por mim mesmo.

Deixar você fora da minha cabeça me traz tranquilidade, me dá a certeza serena de que você não virá me procurar. Não virá me seduzir com a tua doçura, me fazer rir com teu humor único, não transformará minha paz artificial em uma angústia sem fim. É bom fingir que você foi só um sonho, como vários outros que eu já tive e com os quais eu nunca mais sonhei.
  
Não recordar, por um mínimo instante que seja, que você existe... me faz ser um novo personagem. Mais seguro, mais desapegado, mais centrado, mais... evoluído e maduro? Pode ser.

Não pensar em você me faz uma pessoa diferente.

E quando eu percebo que estou mudando demais e perdendo a mão quanto a isso, dou um jeito de pensar em você. De lembrar do teu rosto perfeitamente assimétrico, do toque carinhoso da tua mão, do amor do teu beijo, do tom suave da tua voz, da tua risada de criança inocente. 

Não quero ser ninguém diferente.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Entenda as piadas sem sentido do Chaves: o que vale mais? 1 gol contra ou um oitavo? Uma corrida ou um terço?


São poucas as falas do Chaves mais nonsense que as questões que o Seu Madruga resolve fazer para as crianças da escolinha quando o Professor Jirafales vai dar uns pegas na Dona Florinda, né? Por muito tempo quebrei minha cabeça (mentira, só desistia quando não encontrava respostas) até resolver ir mais a fundo. Maravilha um dia de 25 horas com o fim do horário de verão, né?

O que vale mais? 1 kg de tomate ou 1 kg de cebola? Um gol contra ou um oitavo? Uma corrida ou um terço? – e menção honorável para a réplica do Godines, que deixa o Seu Madruga totalmente desconcertado: ao ar livre ou em quadra?



Meus caros, não adianta quebrar a cabeça para tentar encontrar algum sentido lógico nessas piadas em português. É preciso abrir nosso cérebro para o portunhol e tentar ouvir uma, duas, quantas vezes forem necessárias o mesmo diálogo na série em espanhol, no vídeo abaixo a partir do instante 5:00. Ou ter paciência e ler esse texto até o final J.



Acontece o seguinte... primeiro, o Seu Madruga pergunta para a Pópis: qué vale más? 1 kilo de jitomates (calma, isso ainda é tomate, em português ou em espanhol... mas os mexicanos gostam de conservar a origem do nome asteca da fruta: xitomatl) o 1 kilo de cebollas? Nada novo até aí, ok? O tomate tá bem mais caro que a cebola. Então todos aprovados, vamos para a próxima.

Ñono, qué vale más? Un gol de campo o un... doischown? Pois então… inicialmente pensei em um gol de campo, mas... não faz sentido marcar um gol de fora do campo, correto? Mas... lembram que o Seu Madruga era o coach de futebol americano que cocheava o Quico? É isso, meus caros! 

Gol de campo...  nada mais é que um field goal, a jogada em que a galera resolve chutar a bola oval no naquele gol estranhão do futebol americano! Logo, aquela coisa impronunciável que o Seu Madruga pronuncia nada mais é que um... touchdown! (Não julguemos o Seu Madruga, a pronúncia dele em inglês não é tão boa assim, como já vimos aqui antes). E um touchdown vale mais que um field goal, apenas para esclarecimento. Vamos supor que todos aprovaram, certo?

Então chegamos à pergunta final, a mais intrigante do seriado. Godines, qué vale más? Una corrida o una tercia? E então o Godines prontamente questiona: en abierto o en cerrado?

Foi difícil entender isso, mas basta partirmos do seguinte pressuposto da questão anterior: os mexicanos, sabe-se lá por que, traduzem alguns termos ingleses de uns esportes. Como o próprio field goal. Percebi isso vendo o último Super Bowl em uma web telegato com transmissão em castelhano: jogavam os Cuervos de Baltimore (aka Baltimore Ravens) contra Los Cuarenta y Nueve de San Francisco (San Francisco 49ers).

E aí o que temos? Pôquer! Uma tercia, em espanhol, seria o que conhecemos como uma trinca (three of a kind), a sétima combinação mais alta do carteado. E a sexta combinação mais alta é a... corrida! Ou a sequência (straight)!

Daí já sabemos que uma corrida vale mais que uma tercia, certo? Mas o que isso tem a ver com o “en abierto” ou “en cerrado”? Acontece que o pôquer possui uma série de variações, dentre elas a aberta e a fechada – ou seja, todos os jogadores vêem as cartas dos demais.

Honestamente, me limito a saber malemale jogar o estilo Texas Hold’em, por isso não posso sair falando bobagem se a trinca vale mais ou menos no pôquer aberto ou no fechado. Mas... parece que o Seu Madruga também não sabe, por isso aprova o Godines (e se algum especialista souber informar isso, à vontade, por favor).

Ok, entendemos que, na versão original, as perguntas do Seu Madruga têm lá seu sentido, né? Mas então por que diabos a versão em português usou termos tão sem sentido na dublagem?

Simples: Chaves chegou ao Brasil na década de 1980, quando não havia internet para pesquisar, futebol americano e pôquer eram esportes praticamente desconhecidos por aqui e não tínhamos a ESPN para transmitir essas modalidades.

Estamos entendidos?

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Fortaleza de cartas


Vejo minha vida como um pequeno castelo de cartas, construído por uma criança que não consegue manter a calma nos momentos de tensão e se estabana na hora de equilibrar duas paredes finas e suaves sobre o piso mole e escorregadio das costas do baralho.

Por muito tempo meu palacete esteve lá, firme, imóvel, soberano, exposto orgulhoso para quem quisesse vê-lo e admirá-lo. Mas, querida, ele veio abaixo em uma noite na qual a criança que o havia construído estava dormindo feliz, sonhando coisas lindas. Não foi fácil quando ela abriu os olhos, se errou pela sala e viu que tudo havia ruído.

Ela não se achava capaz de refazê-lo. Não sabia como reconstruí-lo, nem se lembrava direito como havia erguido semelhante fortaleza com cartas tão debiluchas de um baralho que encontrou sem querer por aí.

"Você consegue", alguém lhe disse. E isso era a pior coisa que poderia ouvir. Não queria conseguir de novo. Queria fechar os olhos naquela noite, abri-los na manhã seguinte e ver tudo ali novamente em pé como antes. Era impossível refazer tudo.

Esperou por muitas noites que seu palacete fosse reerguido. Não tocou nenhuma carta, mas elas tampouco fizeram muito esforço para se remontarem uma sobre a outra, naquela mesma ordem que ele sabia quase de cor. Seguiram ali, impassíveis.

Até que, em uma tarde de tédio, decidiu se empenhar naquela aventura. Precisava - e queria - um pouco de emoção.

Criou bases sólidas, com as cartas de 2 e 10 que encontrou. Errou, se atrapalhou todo. Demorou a achar o ponto de equilíbrio para estabelecer as primeiras unidades.

Até hoje, me falaram, pouco avançou. Ainda comete os mesmos erros ao empolgar-se demais quando conclui um andar e parte desastradamente para o outro. A própria respiração ansiosa, os próprios dedinhos incertos e instáveis, trêmulos, lhe colocam tudo a perder. E se deprime a cada implosão de cartas.

Respira fundo. Recomeça e recomeça e recomeça. De novo, de novo e de novo.

A dama e o rei de copas não aguentam mais esperar, separados de todo o resto do baralho, para voltarem ao topo de seu império destruído. E a criança vai dormir, e às vezes sonha com o castelinho tão lindo e gigante e quase perfeito que havia construído e que já não existe mais.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Realidade melhorada

Esqueça tudo o que eu já disse antes.

Esqueça a dor do mundo.

Esqueça as injustiças.

Esqueça que a vida não vale a pena.

Esqueça quem não vale a pena.

Esqueça tudo o que te faz mal.

Esqueça quem te faz mal.

Esqueça as dores físicas.

Esqueça as dores da alma.

Esqueça as angústias que te tiram o sono.

Esqueça as tuas preocupações.

Esqueça as preocupações do mundo.

Esqueça, ainda que por um instante, a fome na África.

Fique bêbado, ao menos uma vez na vida.

E veja como a vida é linda.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Mar de desgosto, ondas de lembranças


Um dia me tranquei no meu quarto, fechei as janelas e me pus a pensar apenas sob a luz das brasas dos cigarros que eu devorava com uma voracidade semelhante à de uma criança com sede tomando um copo de refrigerante gelado.

Precisava achar uma resposta para a pergunta que me atormentava a tranqüilidade. Como eu falhei? Onde, em que momento, com qual palavra, em que instante de segundo?

Respirava fundo, o mais fundo que podia, para tentar captar no ar algum despojo teu. Eles ainda estavam por lá e me traziam incontáveis memórias do teu carinho.

Da tua mão no meu rosto quando me sorrias e dizias “bo...ni...to”, assim suavemente, quase sem completar o som das consoantes – "bvoñito", "uboíto",eu escutava.

De quando eu supervalorizava meus resfriados e repousava a cabeça no teu peito para sentir teus dedinhos despenteando meu cabelo.

De quando terminavas de me beijar, ficavas nas pontinhas dos pés e me asfixiavas com um abraço de saudade. Me enforcavas, eu não podia respirar. Era como se eu morresse e voltasse à vida, mil vezes, sempre do teu lado.

Suspiro. Olho para o lado e vejo o pinguim de pelúcia com cara de mau que você me deu um dia. E que eu sempre levava quando ia dormir natua casa para que ele pudesse encontrar os amiguinhos, teu cachorrinho e tua porquinha, e passassem horas confabulando.

Agora ele me mira, com a cara ainda mais maldosa. Franze as sobrancelhas e afina o bico. Tenho medo dele, mas o trago mais pra perto. Tento encontrar nele algum vestígio dos teus perfumes. 

Sinto o cheiro da tua casa e ouço ao fundo aquele country que você pôs para tocar quando estávamos na tua cama. Repito e repito e repito na minha cabeça a lembrança de quando eu te disse "ei", e você me respondeu "hey, I'm Johnny Cash". 

Relembro dias e mais dias em que estiveste por aqui e eu por aí. Uma força me comprime o peito e me vibra a garganta.

Respiro fundo, aos solavancos, tembladamente (isso existe?).

Talvez eu tenha simplesmente te perdido.

Era mais fácil pensar que eu havia falhado.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

O abraço induzido

Há milhões de tipos de abraços na vida: o partido, o vazio, o falso, o bem intencionado, o mal intencionado, o de bêbado, o de amor, o de consolo, o de apoio, o de saudade, o de reencontro, o de tchau com uma sensação de adeus (e esses doem demais, confiem em mim)... Todos eles merecem uma análise, mas são poucos os que me empolgam tanto quanto o abraço induzido.

Vamos falar sobre paixões. Passageiras, efêmeras, ansiosas, platônicas (ah, as platônicas!), duradouras, empolgantes, fulminantes, inesquecíveis, inventadas... não importa qual, todas elas alcançam um novo patamar no primeiro abraço. Que é um abraço induzido, pode acreditar - ou ao menos se você for uma pessoa extremamente atrapalhada lidando com novas paixões.

Na verdade, não sei muito como explicar essa situação, então... vamos inventar uma história que pode ser que tecnicamente eu tenha vivenciado.

Havia uma garota. Linda. Quase inatingível, até que você é flagrado olhando de longe para ela. E ela responde. E há uma troca de olhares. E isso se repete várias vezes, até que você faz uma ligeira mudança na tua rotina para poder trocar olhares com ela algumas vezes. Aí um dia ela te sorri. E no outro muda o caminho para te ver. E vocês começam a conversar.

Essas conversas se repetem, várias vezes, durante algumas semanas. Um dia vocês se dão um beijo no rosto; no outro, toca as costas dela. Depois ela te toca o ombro, e você retribui espalmando a mão sobre a bisteca (termo técnico: região lombar, meio palmo abaixo da última costela) dela. O terreno está pronto para o primeiro abraço.

Mas ainda assim há uma insegurança, agonizantemente gostosa. Até o momento em que os corpos clamam por se aproximarem, se tocarem, se sentirem. Só que algum comando faz com que os músculos, dos dois corpos, titubeiem. Tremem incertos. Ameaçam refugar. Quase refugam. Mas se tocam, em algum ponto se tocam, sabe-se lá como. E aquilo, aos poucos, se torna um abraço.

O que era incerto a princípio se torna a primeira chance de testemunhar que aquele coração bate única e exclusivamente para você naquele instante, contra teu peito que igualmente lateja ao ritmo da mais pesada música de trash metal que você jamais ouviu. De aspirar profundamente aquele perfume, de absorver aquele aroma que te inebria mais do que um lança-perfume. De sentir um calor em cada milímetro das tuas costas acariciadas por aquelas mãos suaves. E de realizar, por dois ou três segundos que seja, que a vida é boa quando os seios, suaves, dela se espremem contra o teu peito.

A eternidade desse curtíssimo abraço faz tudo até ali ter valido a pena.  

Não interessa o que virá depois.

Não interessa o que veio depois. 

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Entenda as piadas sem sentido do Chaves: Quero ver outra vez teus olhinhos de noite serena

Antes que tudo, não sejamos injustos. O que vem a seguir não tratará de uma piada sem sentido do Chaves, mas apenas uma informação de cultura inútil. Afinal, quem nunca quis ouvir a versão completa da música tão doce que o Seu Madruga toca quando tenta ensinar o menino do 8 a tocar violão?

Hoje em dia é muito fácil encontrar a serenata Quiero ver, do Tata Nacho: é só colocar no YouTube. Mas né? Vou ser meio repetitivo aqui, afinal... quem sabe não atraio alguns leitores mais para a série das piadas sem sentido do Chaves.

Se você se atem basicamente ao Chaves, nunca ouviu mais do que dois ou três versos da serenata. Contudo, há um episódio de Chapolin em que metade (ou uma estrofe de duas) da música é cantada: o do ventríloquo do boneco Sinforoso.

Seja lá como for, eis abaixo a canção original. Uma doçura que apenas quem já viveu uma dor de corno poderia entender (a letra, em tradução livre, segue abaixo):



Quero ver outra vez
Teus olhinhos de noite serena
Quero ouvir outra vez
Tuas palavras acalmando minha dor
Quero ser outra vez
O que inquieta a paz dos teus sohos
Com a voz amorosa
De um carinho embriagado de ilusões

E queria, sobretudo,
Um pouquinho de esperança
Você ficou muito áspera,
Muito dada à desconfiança
Não há razão, minha querida
De que me trate como a um estranho
Ainda sou o mesmo que sempre fui
Não me pague com uma traição
Veja bem, menina, 
Você me machucaria muito

Linda, né? Espero que não sintam na alma o que a música quer dizer.

E aproveitando o espaço, continuemos. Quiero ver não é a canção mais importante do Tata Nacho (Ignacio Fernández, que viveu de 1892 a 1968) - mas, por causa do Chaves, talvez seja a música dele que foi mais difundida pela América Latina.

Uma música do Tata Nacho que fez mais sucesso no próprio México foi Adiós mi chaparrita, também já utilizada em um episódio da série. Na primeira filmagem da festa da vizinhança, a Chiquinha pega o violão e toca tal serenata enquanto é constantemente atrapalhada pela tentativa frustrada do Chaves de completar o poema O cão arrependido.

E ainda mais: sabem a batida rancheira? Aquela com limão e vodca? - seria a versão antiga e sem glamour da caipiroska? Pois então. Apenas para que todos saibamos:

Na versão em espanhol, quando o Seu Madruga pergunta se o Chaves conhece a batida rancheira, a resposta é: “con la mano del metate?” (ou "com a mão de metate?"). Pois então. Metate... eu não sei o que é. Quer dizer... é uma espécie de pilãozinho de pedra, com formato de pepino, para moer milho.

Eis o metate. Não parece ser tão legal quanto uma batida rancheira com limão e vodca.



quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Entenda as piadas sem sentido do Chaves: Pede Mais Um, Perry Mason e o cachorro bobo

Aos que entram aqui com certa frequência e não encontram novas atualizações sobre esta série de elucidações sobre piadas mal traduzidas do Chaves e só encontram textos dramáticos e sentimentalóides, minhas desculpas. Reconheço que deveria ser mais atencioso com as traduções, mas... é a triste realidade: a vida adulta me decepciona e, além disso, me impede de ver televisão e ter novas ideias.

Mas aproveitemos que estamos aqui e dar andamento, ainda que fugaz e bem rápido, à série - que ainda sobrevive (e prometo um dia encontrar resposta para todas as perguntas que são deixadas nos comentários. Juro que leio, juro que penso em ir atrás ao final do expediente. E juro que esqueço, mas não por maldade).

Sabem quando o Chaves atropela o animal do Quico e o Professor Jirafales sugere que o menino do 8 seja julgado pela morte do pobre e indefeso gatinho? Pois então. Ali temos um episódio que, pelo menos para o Seu Madruga, lembra muito aquele famoso detetive da TV, o Pede Mais Um.

Pede Mais Um? Tá aí um bom nome pra algum programa do Silvio Santos. Ou então para um novo show do tipo gincana como o SuperMarket (lembram disso?).

Na real, o Professor Jirafales trata de corrigir a besteira do Seu Madruga (afinal, quem nunca se confundiu e escutou alhos em vez de bugalhos?) e explica que o tal investigador não é o Pede Mais Um, mas o Perry Mason. Sim, Perry Mason. E ele existiu de verdade – ok, de verdade no mundo da ficção.

Perry Mason foi um personagem central das novelas policiais do Erle Stanley Gardner. Chegaram até a fazer uma série de TV, chamada... tcharam, Perry Mason! E, dizem, bombou na década de 1980 (eu não estava lá pra confirmar). Seu Madruga, pelo visto, assistia. E o Ozzy Osbourne também – não é coincidência que ele tenha uma música chamada Perry Mason (Calling Peeeeeeeeeeeerryyyyyyy Maaaaaasooon aaagaaaaaiiin)!

Acontece que, na versão original, o Seu Madruga não via o Perry Mason. Ao que parece, ele via algo muito mais divertido que o Pede Mais Um. E que... também tem uma sonoridade ainda mais parecida com o nome do tal detetive. Olhem só, no instante 20:00:


Viram? Não era o Perry Mason, mas o Perro Menso. E o que isso quer dizer? Perro = cachorro; menso = gíria bastante comum no México pra dizer... bobo! Sim, cachorro bobo! Na versão original, não havia o Pede Mais Um (afinal, não teria semelhança alguma... seria algo como pide uno más).

Falando em cachorro bobo, não consigo pensar em outra coisa senão naquele desenho idiota da Hanna-Barbera, Os Dois Cachorros Bobos.



Ah, como eram bons os desenhos!

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

... era uma vez?


Queria contar uma história.

Feliz, quase sem percalços, que começa bem e continua bem.

Mas que tenha desafios, seja ousada e que sublinhe a superação do próprio ser.

Repleta de risadas, descobertas, coincidências. 

Que passe em um cenário de tons sutis da minha cor favorita.

Com aquele enredo que me faça fantasiar até enquanto escovo os dentes antes de dormir e que me arranque sorrisos espontâneos ao me olhar no espelho.

Que ressalte como o sol das manhãs e dos finais de tarde me energiza, como a chuva purifica e renova o humor, como uma chuva com sol é um milagre sutil.

Queria muito juntar tudo isso em uma boa história. 

Inspiradora, criativa, gostosa de ler e divertida de reler. 

Só que não queria parecer brega.

Fica pra próxima.

A felicidade é brega demais. 

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A raposa, o judeu italiano e os filmes embaralhados


(acho que já escrevi algo parecido anos atrás)

Não exijo de você a responsabilidade por me haver conquistado. Tenho também importante parcela de culpa por ter me deixado acreditar alegre, cega e inconsequentemente no que ali vinha se construindo.

Acontece que ainda não aprendi a aceitar que você tenha simplesmente ido. Ido buscar tuas rosas, teus sonhos, tuas verdades, teus rumos, tuas estradas que vão na contramão da aceitação do acaso.

Mas quem sabe um dia? Quem sabe um dia eu olhe para o céu e te veja ali, sorrindo para mim? Sei que um dia nossos olhares se cruzarão em algum ponto desta imensidão sem tamanho.

Hoje... hoje ainda não. Olhei o céu esta noite, acabei de olhar. E por um breve instante, que deve ter durado quase uns 2 mil pores-do-sol, eu quis estar ali. Voando, com os pés longe do chão, com a cabeça nas nuvens, como sempre, indo me encontrar com você.

Acho que ainda sou pequeno demais para aceitar isso, uma despedida. Ainda não sei lidar com esse aperto que estrangula o órgão que comanda a minha circulação sanguínea, que biologicamente imita o coração que aqui ficava (aliás, tem cuidado dele?).

Sempre achei que foste minha raposa, mas me confundi. E só me dei conta disso agora, quando me lembrei de mim sentado, com o coração acelerado, dócil e adestrado, já enamorado, no mesmo horário marcado, dos mesmos dias da semana, no mesmo degrau da escada da mesma praça esperando você chegar para podermos brincar. Vencia quem fazia mil pontos, e ríamos que nem loucos.

Agora miro ao meu redor e não vejo nada além de uma imensidão de ramos de trigo.

Pensando bem, acho que eu sempre soube.

Não era à toa que sempre te via pequenina, indefesa. E te olhava todas as manhãs com um sorriso mais ensolarado que uma manhã de janeiro querendo te dizer “bom dia, princesa”.