terça-feira, 31 de outubro de 2006
Pra ninguém me acordar
segunda-feira, 30 de outubro de 2006
O Homem Sono
Às sete da manhã, eu e o Ivonaldo acordamos com um ruído estranho, semelhante a um PT alheio. Olhamos para o lado e vimos o Bixo de JO em posição de gorfo, com sons de gorfo... mas não era nada além de um sonho de gorfo. Exatamente: o jovem sonhava que estava a vomitar. Após umas vinte contrações, o sonho cessou e voltamos a dormir. Mas o Ivonaldo com muito mais medo, já que estava ao lado do sonhador: Ele vai gorfar em mim, eu tou a menos de 2 metros dele!
O sono de todos era profundo até Marcos Mion e sua trupe invadir todas as salas acompanhado da bateria e de um megafone que tocava Titanic. E isso não deixava ninguém dormindo. Todos, menos um: Ele.
A sala era a primeira à esquerda da escada pro primeiro andar. Com a invasão do monitor marfinense, os que lá estavam tiveram seu sono interrompido com a algazarra alheia. Terminada, todos os baderneiros saíram. Os três últimos, que ainda se divertiam balançando uma barraca, olharam para o canto e viram o nosso querido herói jogado sobre sua mala, com a cabeça apoiada na lousa e sem despertar de seus sonhos. Foi o suficiente: Dormiu na lousa, dormiu na lousa!
Estavam certo. E lá ele continuou imóvel, estático... E com sono.
Acordei não muito tempo depois, por volta das 8h30min. Ivonaldo, com medo, nem dormir conseguiu. Descemos, tomamos o café da manhã e voltamos para o quarto para ver como estava o nosso amigo. Ele não jazia mais sobre as malas, estava tentando levantar. Apoiou-se, sem muito equilíbrio, em uma cadeira. Estava ajoelhado. Segurou com os dois braços nos pés da cadeira, encostou a cabeça sobre o assento... E lá ficou. Dormindo.
Rindo – e muito – colocamo-lo sentado e fomos para o corredor conversar e ver as gostosas que acordavam. Esporadicamente, íamos ver o estado daquele que dormia profundamente. Ele estava bem, estava com a cabeça apoiada nas palmas das mãos e sonhava sabe-se lá com o quê. Foi assim que o deixamos e fomos ver na lanchonete o jogo de Portugal.
Assim que o juiz apitou o fim do primeiro tempo, voltamos. E lá estava ele, sentado e dormindo. O relógio já marcava quase 11h e ele se mantinha imóvel. Colocamos nossas camisetas coloradas e fomos ao estádio ver a final do futebol de campo. Lá na arquibancada, logo no começo de jogo, qual não foi a minha surpresa ao ver algo vermelho meio cambaleante chegando. Ah, ele não tinha morrido!
Tá certo que a final não foi o melhor jogo do mundo, ainda mais com a vitória do Mack... Mas pelo fato de estar perto da bateria, pelo menos em pé a gente ficava. A gente, não ele. O garoto dormia. E muito.
Depois fomos almoçar. Mé, ele e eu. O Itiban não tava lotado, mas o que estava interessante era o Gana x República Tcheca na TV. Jogão, jogão! Todos entretidos... menos o nosso companheiro que dormia. Isso, dormia.
Aí ele voltou pro alojas. Umas 14h, mais ou menos. E capotou. Só acordou às 21h, comeu um x-salada... e só então ficou bem, só então acordou. Depois de dormir 14 horas seguidas. Depois de dormir na lousa, dormir na mala, dormir ajoelhado, dormir sentado, dormir no estádio, dormir na lanchonete, dormir no chão, ele agora é lenda. O nome dele não interessa, mas ele se tornou o mito do Alojamento ao afirmar que não ouviu bateria nenhuma entrar na sala.
Sim, ele é o mito. Ele é o Homem Sono!
______________________________________________________________
Esse texto já é velho. Mas é bom eu acabar postando tudo aqui, já que a iminência de uma cirurgia não muito eminente pode pôr tudo a perder.
sábado, 28 de outubro de 2006
Ele não precisava vender canetas
quinta-feira, 26 de outubro de 2006
Uma carta
[e me chame de pato. Ou emo. Ou trouxa]
__________________________________________________________
Esta é a última carta que vou lhe escrever
E poderá chorar ao saber que ela foi feita pra você. Só você.
É triste quando ajo mal e dizem que não vai vir
Ou quando estamos juntos e você tem que ir
Então corro pra janela e de longe poderá me ouvir chamar
Tentei ser o melhor que consegui
Mas não era o bastante porque eu menti
Como poderei chorar se nunca sorri?
Passei o ano inteiro a te esperar,
Me deprimi com a certeza de que não virá
E de que não nos veremos mais porque cresci...
Não há mais porque viver sem acreditar em você
É injusto o fato de não podermos estar juntos,
Mas saiba que sempre estarei esperando você me visitar
Dói-me ao ver de longe você com outro
Entre pedidos, juras, beijos e abraços...
Prefiro nem imaginar se pudesse eu estar em seus braços
Percebo que talvez não sinta mais minha falta
E que encontrou outro que te divertirá
Pois te vejo em seu carro com sua risada sempre mais alta
Poderíamos ter nos dado bem
Mas fui obrigado a te deixar
Agora vou só chorar. Só chorar
__________________________________________________________
Agora releia. Pense apenas no Papai Noel, que é pra quem isso foi escrito.
[e me chame de idiota, imbecil ou coisa que o valha]
Pois é...
Eufemismos para uma vida saudável
No entanto, eu prefiro ser sincero. E aí é que entra em jogo o eufemismo. Eu sou sincero, tal, mas a sinceridade pode ser suavizada. Segundo a Wikipedia [que vai ser, em breve, - ou que já está sendo, não sei – o maior terror de todos os professores em trabalhos escolares], essa droga toda significa uma figura de estilo que consiste em suavizar a expressão de uma ideia modesta, substituindo o termo contundente por palavras ou circunlocuções menos desagradáveis ou mais polidas.
Seja lá o que for, é o que vem fazendo parte do meu cotidiano. Eu explico. Empiricamente, com alguns exemplos do meu dia de hoje:
-x-
Situação I
Uso: Seus amigos perguntam em quem você vai votar.
Eufemismo: Ah, não sei. Tô em dúvida. Mas de uma coisa eu tenho certeza: anular eu não vou.
Tecla SAP: Então, eu vou votar no Lula. No PT, sabe? Vou acordar no domingo e vou falar 'É Lula de novo, com a força do povo!'.
Explicação Lógica: Sinceramente, não dá pra ter alguma dúvida entre Alckmin e Lula. Eles são completamente – e teoricamente – opostos!
É a mesma coisa que você dizer, por exemplo, que não sabe se vai torcer pra Palmeiras ou Corinthians, e não quer que o jogo empate. No fundo, ela tem uma preferência.
Mas tudo bem, é aceitável esse eufemismo. Já pensou se a outra pessoa é daquelas pessoas que, quando o assunto é política, se transformam em um Edir Macedo e sentam o pau em tudo do mundo? E também que, em tempos de hoje, votar no Lula não é uma decisão lá muito acertada.
Mas o eufemismo é bom. Eu faço uso dele todos os dias. Porque, sim, eu vou votar no Lulalá.
-x-
Situação II
Uso: Salas de aula, em geral.
Eufemismo: [x] (a pessoa simplesmente não fala nada)
Tecla SAP: "Tem alguma coisa errada entre a gente, tá faltando comunicação. É, eu sei. E a falha vem daí pra cá. Eu não vou falar nada pra depois ser acusado de chato, chiclé ou coisa que o valha. Mas acho que a gente tem que conversar. O mais rápido possível."
Explicação Lógica: O cara é um perfeito panaca e não pode fazer muita coisa. Além de tudo, é orgulhoso para chegar nas suas melhores amizades [que duram 15 dias, se muito] e falar que precisa de alguém para conversar. Ou que a amizade não tá tão amizade assim [seja lá os motivos relacionados], e é preciso conversar.
Mas ele é um panaca. E faz do silêncio um eufemismo. É o melhor que ele faz. Depois vão e falam que ele é um fresco e tudo mais. Coitado.
-x-
Situação III
Uso: Seu time está brigando para fugir do rebaixamento e enfrenta o seu maior rival, na mesma situação. Você tem porque tem que ver esse jogo. Para isso, tem que deixar a faculdade mais cedo, mas a presença na aula perdida é fundamental.
Eufemismo: Professor, eu tenho um compromisso inadiável. Não vai dar pra ficar na aula hoje, e eu tô meio assim nas faltas da aula do senhor. Eu queria muito, muito ver a sua aula, mas é que não vai dar mesmo. Desculpa.
Tecla SAP: O Verdão vai jogar, cara, e eu tenho que ver esse jogo. Descola a presença aí, vai, não te custa nada! Quebra essa, professor!
Explicação Lógica: Você tem que ver o jogo, porra!
-x-
Situação IV
Uso: Situação III. O seu time perde por 1 a 0, é ultrapassado pelo rival e, agora, beira a zona do rebaixamento. Além de tudo por que você passou para ver o jogo, a partida foi uma bosta. Seu tima não fez porra nenhuma e você perdeu duas horas de sono.
Eufemismo: Eh...
Tecla SAP: Bando de filhos da puta! Vai tomar no cu, caralho, que bando de filhos da puta! Enfia a bola no cu, arrombados de merda! Até minha avó perneta jogaria melhor do que vocês, cacete, vai tomar no cu! No cu, filho da puta! Filho da puta, filho da puta,...
Explicação Lógica: Você é um cidadão, não fica falando palavras feias assim, ao vento. Se você pelo menos estivesse frente a frente com os jogadores do time, vá lá...
-x-
Situação V
Uso: Situação IV. Ao voltar para casa, moleques de rua - e com cara de trombadinhas - te abordam no metrô e pedem algum trocado.
Eufemismo: Tô voltando pra casa, brother, valeu.
Tecla SAP: Porra, vai tomar no cu! Eu passei o dia todo fora de casa, trabalhando, e depois fui ver a merda do jogo da bosta do meu time. Tô nervoso e você ainda vem me pedir dinheiro? Vai trabalhar, vagabundo!
Explicação Lógica: Você está cansado e com dor de cabeça, não quer discutir. É melhor chegar em casa logo e dormir...
-x-
Situação VI
Uso: Situações II, III, IV e V
Eufemismo: este post
Tecla SAP: Puta que pariu, que dia de merda!
Explicação Lógica: Falta de criatividade e tudo mais.
-x-
Enfim, você percebeu a necessidade dos eufemismos na vida de um cidadão de bem. De um herói. Ele é sincero, não mente pros pedintes e muito menos para suas amizades intensas e com prazo de validade curto.
Sim, um herói. Imagine quantos conflitos não foram evitados assim! E quantos não seriam evitados se todo mundo pensasse assim?
Ah...
domingo, 22 de outubro de 2006
Tema da vitória
Assim que se lembrou de que se olhava no espelho, Felipe viu o que se passava. Embora o olhar sonhador fosse o mesmo de 13 anos atrás, a principal diferença era que, hoje, tudo era real. E a euforia se mantinha. Fato.
quarta-feira, 18 de outubro de 2006
Imaginar, sonhar.
segunda-feira, 16 de outubro de 2006
Uma vida [mais ou menos] regrada
Às 8h30, Álecs abriu seus glazis e, em seguida, empurrou para o lado a janela de seu quarto e pôde ver um sol meio tímido, que preferia se esconder atrás das nuvens. Ligou a tevê, procurou por um programa interessante. Deu graças a Bog por a chuva começar e o dia ficar mais animado. Então deixou a janela aberta, ficou vendo a água cair solta e colocou algumas músicas para tocar. As músicas da velha banda a rigor que serve de trilha sonora no fim de ano.
Álecs fez a barba, tomou banho, reacertou a barba, deitou em sua cama e voltou a ler o livro. Foi para a faculdade mais cedo - decidiu enfim chegar no horário. Pegou o metrô mais lotado e leu o livro. Chegou na sala vazia e leu o livro. Começou a aula maçante e leu mais o livro.
Quando finalmente voltou para casa, viu que estava na página 174 e o livro já estava no final. Depois de um dia sem muito o que fazer - as mesmas decepções de sempre, ó, druguis -, sentou-se e se pôs a escrever.
Pensou, observou, analisou, concluiu. Quando foi escrever; ar ar ar.
Repensou, reobservou, reanalisou, reconcluiu. Ar ar ar.
Ar ar ar.
Ar, ar, ar.
Nada.
domingo, 15 de outubro de 2006
Pita, o eremita
"Jaz aqui Pedro Veroveraar, o Eremita. Alguém que tentou se isolar e, para isso, se interiorizou. Encontrou coisas muito importantes sobre si mesmo e reconheceu quem era. Viveu sozinho, entendeu e descobriu o mundo. Mas nunca se descobriu e muito menos se entendeu. Nunca soube seus dons e nem o que lhe era valioso. Nunca soube quem era. Morreu sozinho, recluso em seu paraíso niilista. Era dono de sua imaginação, que fazia com que tivesse um nome diferente a cada dia e a cada relato."
quinta-feira, 12 de outubro de 2006
Era você!
Guilherme sabia que o livro com a capa cor-de-rosa, por mais desagradável (a história de machismo no mudo das cores. Ele não está errado sozinho, a sociedade inteira está) que pudesse parecer, seria interessante. Mais interessante do que o livro que Guilherme comprara no mesmo dia e que tratava sobre a adolescência. As queer as a clockwork orange, anunciava o prefácio. No entanto, o jovem de 18 anos optou pelas crônicas, sabia que seriam mais interessantes. Em menos de 12 horas, leu todas os 34 contos que recheavam as 132 páginas do livro.
À noite, Guilherme saiu. Recebera um convite interessante, rever a amizade que norteara seu final de 2005 em meio a tantos transtornos e que o ajudara para o mundo universitário que o ocupa suas noites todos os dias. Saiu, e sabia que o jantar seria engraçado. Sabia que faria de sua vida um livro aberto, sabia que daria risadas e também sabia que não queria que o jantar tivesse fim.
Guilherme, quando saiu de casa e passou pelo metrô, lembrou-se de que há mais ou menos um ano, encontrara, naquela curva que faz entrada para a estação, encontrara seu amigo jogado, bêbado e sozinho. Quando virou, procurou e não achou ninguém. Embarcou, foi até muito longe, jantou, contou histórias, divertiu-se e viu o jantar terminar.
Na volta, nada de muito especial. Ih, será? É, nada muito especial que valha caracteres por aqui. Quando saiu da estação, pela mesma porta por onde entrara, lembrou-se melhor: "foi mais ou menos a essa hora que eu tinha encontrado o César", pensou com os botões. Assim que saiu das escadas rolantes, viu o espaço onde as pessoas se encontram completamente vazio. "É, acho que eu me enganei. Tudo bem. Se eu acertasse de novo, teria que ir correndo jogar na Sena", brincou o garoto.
[brincar não é bem a palavra exata. Vivendo a nostalgia que o açoita nos últimos meses, ele sente vontade de brincar. Foi sozinho ao zoológico recentemente a fim de reviver os oito anos de idade e não conseguiu. Isso foi só um adendo, voltemos]
"Hoje é feriado, né? Ele não estaria jogado por aqui de novo. Hoje é dia de levar vodca pra casa e encher a cara lá, depois assistir a um filme, dar assas à imaginação e tudo mais. É, não é muito essa vida que eu quero levar", finalizou. Andou pela rua escura, perdido em alguns pensamentos que sempre recheiam sua cabeça enquanto anda pela civilização.
[Ah, agora eu lembrei de um detalhe da volta pra casa, enquanto estava no metrô. Achou ter visto um garoto de boné - com o mesmo boné de César - alguns bancos adiante. Olhou melhor, não era. Voltemos. De novo]
Andou pela rua escura, perdido em alguns pensamentos que sempre recheiam sua cabeça enquanto anda pela civilização. Foi quando viu, andando pelo meio da rua, o garoto de boné preto e branco, bermuda longa e moletom azul. E que foi para a calçada quando viu o amigo indo na direção oposta. Guilherme fingiu não ver, fingiu estar absorto em pensamentos - como sempre faz quando vê algum conhecido de longe - e só levantou a cabeça quando César lhe estendeu a mão.
- E aê, arrombado! - disse o amigo.
- Opa! - cumprimentou Guilehrme.
- Tô indo pra casa.
- É, eu também.
- Tá morando por aqui, agora?
- Não. Tô na casa da minha mãe... - pausa - ... é o final de semana que eu passo com ela.
- E onde você tava? - perguntou César
- Ah, tipo... eh... ah, eu tinha saído. Tinha ido jantar. Eh... ah, é, eu tinha ido jantar, tava num rodízio de sushi. Eh... - Guilherme tinha tanta coisa para falar ao amigo que não via há quase um ano. Ao melhor amigo de dois anos atrás, ao amigo que, com mais dois meses de convivência, seria chamado de irmão. Não contou porque supôs que suas palavras não teriam importância para o ouvinte. E também porque aprendeu a ter um orgulho idiota. Só contaria algo se fosse indagado.
- Você gosta de sushi? - supreendeu-se César
- Eh... gosto. - afirmou Guilherme. Na hora, lembrou-se de um convite que o amigo lhe fizera, dois anos atrás, para ir a um rodízio de sushi. E também se decepcionou pela desmemória de César.
- É... bom, tô indo pra casa. Amanhã eu trabalho. - finalizou o amigo
- Então... falou.
Guilherme até pensou em balbuciar um "a gente se vê", mas preferiu ser sincero com o conhecido. Ia voltar para casa, enfim, até que se lembrou de um combinado.
- Êi, você não respondeu meu e-mail!
- No hot?
- Quê?
- Você me mandou no hotmail?
- Isso.
- Não, não chegou. Manda de novo.
- Recebeu sim, tanto é que eu te mandei três.
- Quê?
- Eu te mandei, você respondeu. Depois mandei mais um, e você também respondeu. Aí eu mandei mais um e você não respondeu. - e virou as costas.
- Aaaaaaaaaaaaahhh! Era você?
Guilherme estava certo. Certo de que encontraria o amigo, certo de que ele não saberia quem era o ser estranho que lhe mandava e-mails, certo de que suas dicas não foram entendidas. Guilherme sabia que isso era um pouco excêntrico de sua parte, mas queria brincar com César. Brincar de adivinhações. "Ele não fala holandês, como saberia como é 'herói' nessa língua? Quer dizer, ele podia usar o Altavista, mas... é, eu sabia que ele não iria atrás. Mas eu queria ter me enganado", lamentou.
Guilherme voltou pra casa, sabendo que daria risada do que acontecera. Pelo caminho escuro - de 600 metros - que separava sua casa do lugar do encontro inusitado, voltou rindo. Riu mais ainda quando viu uma mulher passando, com um decote enorme, e um homem atrás carregava o filho no colo. E sussurrou no ouvido da criança de quatro anos: "Olha, que mulher gostoooosa!". Sua risada foi um pouco mais intensa quando passou na frente do antro - do puteiro, porra! - da rua e viu um homem descendo de um caminhão e entrando na casa luminousa. Isso não era engraçado, mas foi engraçado quando o jovem de 18 anos passou na frente do caminhão e viu que havia um garoto de uns 10 anos de idade dentro do veículo. E o moleque tava com uma cara de entediado!
Guilherme sabia também que o porteiro estaria dormindo e demoraria para abrir a porta do prédio. Sabia que o elevador estaria em um dos últimos andares, sabia que a família estaria dormindo e também sabia que seria recebido com festa pelo cachorro.
Guilherme parou na frente do prédio e teve que tocar o interfone para acordar o porteiro. Quando passou pelo hall, viu que o elevador estava no oitavo andar e subiu de escadas [Guilherme, não o elevador]. Teve dificuldades para abrir a porta de casa (a fechadura tem emperrado muito), então fez barulho com a chave, acordando o cachorro. Assim que o gartoo abriu a porta, o cachorro latiu, balançou o cotoco de rabo, pediu carinho e lambeu sua mão. Foi para o seu quarto, e percebeu que sua mãe e seu irmão já dormiam.
Guilherme, então, decidiu registrar seu dom. Guilherme sabe que tem um dom de saber as coisas, embora também saiba que a sua cabeça não se dá muito bem com o coração. A relação dos dois não é das melhores, então Guilherme não sabe o que se passa em sua vida afetiva.
Ligou o computador e a televisão e abriu um livro. Começou a escrever sobre seu dia e suas aventuras, enquanto procurava por um poema que ilustrasse algum dos acontecimentos recentes e ligou a tevê para fazer barulho no quarto.
Achou uma poesia, Estrada, e gostou dos últimos versos:
"E quanta gente vem e vai!
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar:
Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um bodezinho manhoso.
Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz dos símbolos,
Que a vida passa! que a vida passa!
E a mocidade vai acabar."
Enquanto isso, o telejornal noticiava: "O dia das crianças animou os lojistas". Guilherme se lembrou de que o dia que terminava era o dia das crianças. E lembrou-se de quando recebia presentes e da expectativa que vivia nos dias antes e o prazer que tinha quando desembrulhava os embrulhos...
Guilherme passou o dia sem lembrar da importância da data, embora tenha discutido com um outro amigo sobre o dia de Nossa Senhora. Não se lembrou de que hoje era o Dia das Crianças, ninguém o havia congratulado por isso. Guilherme, então, entendeu que a mocidade acabou.
E Guilherme se chateou enquanto escrevia, porque se lembrou de outra coisa: "É, o César também esqueceu quando o pai dele me chamou para almoçar num restaurante japonês e eu disse que adorava sushis. Hmmm, eh... "
Guilherme se aborreceu. Mas foi porque não sabe que é feliz. E não sabe que aquela sensação boa que ele sente quando olha para os seus pulsos e vê que suas mãos estão sempre lá é felicidade. A única coisa que Guilherme sabe é que seu nome não é Guilherme.
quarta-feira, 11 de outubro de 2006
A vida pneumotoraxiana
Na estação, parei em frente à banca de jornal para ver as manchetes do dia. As manchetes esportivas, claro. Apalpei os bolsos em busca de algumas moedas ou algo que valesse R$ 1,25. Nada. Então virei as costas, fui em direção ao embarque, mas um velhinho (daqueles que parecem passar a manhã de domingo no bar jogando dominó) barrigudinho, com uma roupa de velhinho - calça cinza escuro, malha (porque velhinhos falam ‘malha’) vinho e um boné do Palmeiras dirigiu-se a mim com uma cara atônita e uma pergunta meio idiota.
Se ele fosse outra pessoa, quase certeza de que eu não daria importância; simplesmente ajeitaria o fone de ouvidos e passaria reto. Mas a dúvida do velhinho realmente me tocou:
- Onde eu compro passagem do Metrô?
- Atrás de você, senhor, tem uma fila. Tá vendo onde tem aquele monte de gente parada? Só entrar atrás de algum deles que o senhor vai cair no guichê.
- E depois pra pegar o trem?
- Só virar na primeira esquerda, senhor. Tá vendo onde tem aquela plaquinha de embarque e a setinha pra esquerda? Então, lá já tem as catracas. Aí o senhor pode ir pra qualquer um dos lados, porque todos vão sentido Tucuruvi.
- Tá, mas é aqui que eu compro?
- Isso, onde tem esse monte de gente.
- É que faz tanto tempo que eu não venho aqui, a gente esquece!
- Ah, é normal (e um riso simpático).
- É que faz tanto tempo! Que nem, agora eu tô com 88...
- Nossa, não parece! Juro, o senhor está super bem! (e era verdade)
- É, então... eu quase não saio. Não tenho ninguém pra sair comigo... (Fiquei sem reações, não consegui comentar mais nada) É, não tenho ninguém pra sair comigo. E é ruim sair sozinho, né?
- Ah, com certeza!
- Mas é ali que eu compro, né?
- Ah, eu tô indo embarcar também, a gente vai junto até a fila! (Fomos)
- Pronto, senhor, é só ficar atrás desse cara com a camisa da França. É duro, né, ter que agüentar isso. Não basta o nosso Palmeiras, também ter que agüentar a Seleção...
- Palmeiras? (e deu uma olhada pra aba verde do boné) Ah, nem fala! Agora é só esperar aqui?
- Isso. Ah, por mim o senhor até poderia passar direto. É que sabe como o pessoal tem bom senso, né? O certo seria que o senhor passasse direto!
- Ah, tudo bem. É normal, mesmo. E aí depois é só pegar o trem?
- Isso. Só virar aqui, logo depois do guichê.
- Tá, brigadão, viu?
- Ah, magina, senhor. Bom dia, bom passeio!
- Bom dia! (e dei-lhe um pequenino abraço. Foi um misto de felicidade e tristeza. Porque eu sentia que a gente nunca mais se encontraria. E mais mórbido ainda, que ele logo mais... enfim)
É, eu me senti como se fôssemos avô e neto. E aí ele não teria como falar que não tem com quem sair, porque, todo domingo, nós pegaríamos o metrô no Jabaquara (com mais algumas dezenas de palmeirenses que usam o mesmo transporte coletivo) e iríamos ao jogo. Ficaríamos nas cadeiras, no melhor lugar do estádio. Comendo pipoca, amendoim... como ele fazia comigo quando eu era pequenino e ia todo uniformizado pro estádio...
Seria uma vida. Uma vida que não foi. Uma vida inteira que podia ter sido e que não foi.
O trem chega, abre as portas. Eu entro, penso em voltar para a fila da bilheteria. Soa o sinal e as portas se fecham.
A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
terça-feira, 10 de outubro de 2006
A necessidade do esclarecimento
Tem uma que é tensaTem uma que pensaTem uma que é loucaUma é caretaTem uma que puxaTem uma que empurraTem uma que é grandeTem uma que é burraUma enche o saco e a outra esvazia
sábado, 7 de outubro de 2006
Os clichês de sempre. E o clichê às avessas.
O que acontece é que, poxa, são sempre as mesmas coisas. Momentos contentes, momentos fabulosos... e, do nada, momentos tempestu-osos [clichê #2]. Nos últimos dois dias [tem ligação sim com o fato de que foram dois dias de imaginações, confirmações imaginárias das imaginações e coisas a mais. Coisas bestas, claro], tudo parecia fenomenal. Sei lá, o ano já estava com cara de final de ano; e isso é tão bom! Porque o final do ano é a melhor fase de tudo. Desde pequeno eu gosto disso, do jeito abafado e de ventos suaves que acontecem nas manhãs de outubro, novembro e dezembro... E acho que eu sempre vou gostar, se quer saber. Pois bem. Tudo tava legal, até a vida pneumotoraxiana se mostrou algo aproveitável nesse mundo e tal. Pelo menos me deu auto-estima, se é que isso é possível.
Além disso, os e-mails mais vantajosos para uma vida profissional. Segunda. Segunda, segunda, segunda. Segunda vai ser o dia da segunda fase. Segunda.
Coisas boas, coisas ruins. Tava pensando em tirar o feriado pra flanar a nostalgia. Sei lá, ir ao zoológico sozinho, ir aonde eu quiser, ver o que eu quiser e por quanto tempo eu quiser. O meu maior trauma de criança era ir lá e não ver o lobo-guará. Aquele filho da puta sempre dormia. Agora eu vou, e não saio de lá enquanto aquele arrombado não der as caras. Dito. Só que eu não sei quando vou; não sei nem SE vou. Ah, essa vida corrida... !
E aí, não demora muito, uma porrada de besteiras que enchem o saco mesmo. Sexta-feira chuvosa, que não deixa o futebol e a cerveja acontecerem. Sexta-feira à noite, quando as pessoas ficam nas cadeiras das plataformas dos metrôs com seus pares românticos. Todos tinham seu par, até o japonês panaca que sofria bullying na escola. Todos. Eu tinha meu livro. Bela companhia, porque me trás cultura, melhora minha escrita, aguça minha imaginação... pff! [clichê #3]
Não só isso. Há coisas em todo esse meio, se quer saber. Talvez porque o segredo está em observar tudo, tudo o que acontece à volta. Tudo. E isso faz com que tudo fique previsível, até o modo de falar. Eu tenho certeza, bem como tenho a certeza de que não me enganei. 'Em relação a isso, acho que nunca me enganei. Só uma vez, quando achei estar enganado' [clichê #4]. Pff. Pff!
Mas tudo tem um lado bom, né? [clichê #5]. Assim como dizem praqueles viciados inveterados, que passam o dia em frente ao caça-níqueis e não ganha um puto sequer. "Azar no jogo, sorte no amor", né? [clichê #6]
Quanto a isso, nenhum problema.
Quer saber, vou começar a fazer uma fezinha no carteado. Porque só sai manilha na minha mão. Até no escuro, o coração e a arvorezinha caem aqui. Sorte no jogo. Muita sorte no jogo. Muita, muita, muita sorte no jogo. O certo é apostar algumas pratas nisso tudo. Pra eu ganhar a vida nisso sem precisar trabalhar. Aí eu aprendo a beber, deixo o cabelo crescer, aprendo a fumar e deixo a barba desgrenhar. Escrevo, jogo, ganho, sobrevivo. Sorte no jogo! [às avessas]
God, you've got a strange sense of humor!
terça-feira, 3 de outubro de 2006
O negrito resume
- É isso aí - disse Max. - Orgulho, estupidez, seja lá o que for.
- Você é um bom escritor, Max, mas não é um sedutor.
- Você acha que um bom sedutor teria dado um jeito?
- Claro. Sabe, cada jogada dela deve ser respondida com a resposta certa. Cada resposta certa leva o papo numa outra direção, até que o sedutor tem a mulher acuada num canto, ou, mais adequadamente, estendida.
- Como posso entender?
- Não tem aprendizado. É um instinto. Você tem de saber o que a mulher está dizendo de fato quando diz outra coisa. Não se pode ensinar.
- Que foi que ela disse mesmo?
- Queria você, mas você não soube como chegar a ela. Não soube construir uma ponte. Fracassou, Max.
- Mas ela leu todos os meus livros. Achava que eu sabia alguma coisa.
- Agora ela sabe alguma coisa.
- O quê?
- Que você é um asno burro, Max.
- Sou?
- Todos os escritores são. É por isso que escrevem.
- Que negócio é esse de "é por isso que escrevem"?
- Quero dizer que eles escrevem essas coisas porque não entendem.
- Eu escrevo muitas coisas - disse Max, triste.
- Me lembro de que, quando era menino, li um livro de Hemingway. Um cara vivia indo pra cama com uma mulher e nõa conseguia, porque amava a mulher e ela o amava. Deus do céu, eu pensei, que livro sensacional. Todos esses séculos, e ninguém escreveu sobre esse aspecto da coisa. Achava que o cara era simplesmente um burro feliz demais pra conseguir. Mais adiante, li no livro que ele tinha perdido os órgãos genitais na guerra. Que decepção.
- Você acha que essa garota vai voltar? - me perguntou Max. - Você devia ter visto aquele corpo, aquele rosto, aqueles olhos.
- Não vai voltar - eu disse, me levantando.
- Mas que faço eu? - perguntou Max.
- Simplesmente continue escrevendo seus pobres poemas, contos e romances...
Numa fria - pp. 163 - 164
segunda-feira, 2 de outubro de 2006
Nariz de palhaço
Todo mundo pensa assim. Quer dizer, pelo menos eu suponho. Porque são pouquíssimas as que se aventuram por aí em pleno dia do descanso. E num domingo frio e chuvoso, então? Ah, então... então não é pra se sair jamais!
Só que sempre tem quem consiga. E não é difícil, se quer saber.
E o fato é que hoje conseguiram.
Hoje foi dia de festa. Eu peguei o metrô para ir pra festa e aquela droga tava realmente lotada. Eu nunca tinha visto isso às 16 horas de um domingo. Tava tudo lotado mesmo, todo mundo correndo e com pressa de chegar a tempo. Também tinha quem voltasse da festa, com a sensação de estômago satisfeito e tudo mais. Outra assim, só daqui dois anos, eles diziam com seus olhares.
Cheguei à festa [chegar a algum lugar, ensina o MRE. Eu já sabia disso, só achava que ficava muito metido. Em todo caso, aposentemos o 'cheguei na'] sem o convite, tinha esquecido em casa. Mas eu tinha minha licensa para matar em mãos, e ela já valia como prova de que eu sou eu.
Calma, deixa eu voltar atrás e reexplicar. Odeio essas minhas mudanças de assunto.
Voltando...
Só que sempre tem quem consiga. E não é difícil, se quer saber.
E o fato é que hoje conseguiram.
Como? Dê uma festa pra todo mundo e diga a eles que a participação nessa festa pode mudar o rumo do país! Diga que o povo tem poder, que o povo tem a decisão de escolher o seu próprio destino.
Hoje foi dia de festa. A festa da democracia.
Todo mundo saía de casa para votar, para decidir o futuro do Brasil. Doce ilusão.
Hoje eu saí de casa para votar. Votar é importante, eu posso mudar o rumo do país! É por isso que eu decidi tirar meu título de eleitor o quanto antes e já votar. E hoje foi a minha terceira eleição.
Enfim, hoje eu saí de casa para mudar o Brasil. Cheguei lá na creche sem meu título, mas a carteira de motorista tb era válida. Cheguei e não tinha fila nenhuma para votar. Mesmo assim, esperei 10 minutos até ir pra urna. Porque tinha uma tia que não sabia votar, preferia as cédulas e blablablá.
O foda é que até votar me dá nostalgia. Ah, eu preciso procurar um especialista, poxa!
Eu tinha que escolher o deputado federal. Apertei o 5 e o 6. Uma coisa que eu sempre quis fazer, sempre tive a curiosidade de ver a foto do Enéas na urna. Tanto é que hoje eu apertei, vi a fotinho, deixei escapar um sorriso e confirmei. Não votei nele porque ele era engraçado pra mim quando eu era pequeno, mas porque eu quis. E ponto. O fato é que... nostalgia, oras!
De resto, tudo correu bem. Quer dizer, tirando que meus candidatos para presidente, governador e deputado estadual não chegaram nem perto da vaga. Tudo bem, nenhum dos meus candidatos tinha sido primeiro colocado em nenhuma eleição anterior, mesmo. Só o Supla e o Enéas que ganharam.
Depois eu voltei pra casa. E assim meu dia estava pronto para acabar.
Eu decidi mudar meu caminho. Tava lendo, quase terminando meu livro. Então preferi o caminho alternativo, na rua onde os carros não passam e a leitura flui. Aí, quando eu vi, eu tava na frente do nosso canto. Daquela casa. Pensei em sentar lá e terminar o conto. Depois pensei em só passar reto e não me sentar lá jamais.
Sentei. Sentei, li duas palavras. Aí eu vi que o nosso cantinho não é mais tão nosso. Porque, logo ao lado, tinha um montão de lixo. Nosso cantinho vai virar entulho.
Aí eu me levantei e fui embora.
Fui embora e pensei: Legal, um monte de idéias para um post. Não posso esquecer de nada. Nem vou esquecer de nada, não dá pra esquecer!
Esqueci.