terça-feira, 31 de outubro de 2006

Pra ninguém me acordar

Pelo mundo afora, dá pra encontrar um monte de significados concretos e subjetivos, cunhos vernáculos e definições mistas pra um sonho: experiência da imaginação, REM, viagem da alma, alguma coisa que você deseja muito... e por aí vai. Isso não interessa; o empiricismo que acaba justificando o que rola à noite. Ou de dia. Ou o tempo todo, dependendo da pessoa.
Ontem, eu cheguei em casa à noite. Coloquei um dvd no computador e comecei a assistir ao filme. Era um filme legal, era sim. Mas acabei dormindo deitado [que bom!] no chão do meu quarto, logo na metade da história. Foi bem chato, porque o filme era bastante interessante. Mas acho que eu acabei dormindo porque o sonho queria porque queria sair. Depois eu acordei com o telefone tocando.
Oi, aqui é do RH da Fundação, meu nome é Daniela e eu queria falar que você foi aprovado no nosso processo seletivo. Sim, e você começa no dia 29 de dezembro. Pode ser? Ótimo. Obrigada, até logo.
No sonho, eu gritei. Um porra bem alto, decidido. Estridente. Acho que gritei tão alto no sonho que o barulho fez eu perceber que eu tava no chão do meu quarto, deitado e dormindo. Não sabia o que era real ou o que era sonho. Depois de dois minutos, quando vi que o programa de dvd ainda estava ligado, assim como o computador e o monitor, percebi que tudo era sonho. É, acontece. Mas é ruim quando você sonha que tá sonhando. Sempre acontece isso, e não é lá muito legal.
Depois, bem acordado, peguei o telefone. Do mesmo modo que ontem, liguei. 0 - 15 - 19... e antes do telefone começar a dar sinal de linha, eu já sentia aquela sensação bem desagradável que eu sentia sempre que ligava para uma garota por quem eu era apaixonado. O coração descia para o estômago. Ou o cérebro descia para o coração. Alguma coisa bem tosca assim que não tem muita explicação. O fato é que eu não sentia isso há quase um ano. Não porque cresci e aprendi a controlar a situação, mas é que não liguei para mais ninguém. Não liguei em nenhum sentido, se é que cabe justificativa.
Quando finalmente o meu ídolo de infância atendeu, aconteceu a mesma coisa que acontecia com as garotas. A voz se precipitava, eu não sabia muito o que falar. Tudo bem, semana que vem.
Segunda-feira, provavelmente. Vou realizar meu sonho de infância. Duas vezes.
E, se tudo der certo, vou começar a pôr em prática meu sonho profissional na própria segunda-feira.
E se tudo der certo na segunda-feira, meu sonho financeiro entra em ação.
E aí, se tudo der certo, vai ser uma das primeiras vezes em que algum sonho pensado antes vai dar certo. E eu aposto tanto que isso será um up na minha auto-estima que eu vou me sentir bem o bastante pra correr atrás de todos os meus sonhos pessoais.
É torcer pra dar certo. E pra ninguém me acordar.

segunda-feira, 30 de outubro de 2006

O Homem Sono

Balada do alojamento foi aquela maravilha: open bar de cerveja, Montilla, jurupinga e aquela delícia de churrasquinho. Sem contar tudo o que rolava por parte de cada um: cigarros, psicotrópicos e tudo o que for da lei – ou não. O resultado disso foi a galera aproveitando até o último instante, dançando até a última música. E, na manhã de sábado, todos se retiravam para suas barracas ou salas de aula. Todos, inclusive o garoto que estava no seu primeiro JUCA e tinha aproveitado todos os alcoólicos oferecidos, além de um bom e velho psicotrópico.

Às sete da manhã, eu e o Ivonaldo acordamos com um ruído estranho, semelhante a um PT alheio. Olhamos para o lado e vimos o Bixo de JO em posição de gorfo, com sons de gorfo... mas não era nada além de um sonho de gorfo. Exatamente: o jovem sonhava que estava a vomitar. Após umas vinte contrações, o sonho cessou e voltamos a dormir. Mas o Ivonaldo com muito mais medo, já que estava ao lado do sonhador: Ele vai gorfar em mim, eu tou a menos de 2 metros dele!

O sono de todos era profundo até Marcos Mion e sua trupe invadir todas as salas acompanhado da bateria e de um megafone que tocava Titanic. E isso não deixava ninguém dormindo. Todos, menos um: Ele.

A sala era a primeira à esquerda da escada pro primeiro andar. Com a invasão do monitor marfinense, os que lá estavam tiveram seu sono interrompido com a algazarra alheia. Terminada, todos os baderneiros saíram. Os três últimos, que ainda se divertiam balançando uma barraca, olharam para o canto e viram o nosso querido herói jogado sobre sua mala, com a cabeça apoiada na lousa e sem despertar de seus sonhos. Foi o suficiente: Dormiu na lousa, dormiu na lousa!

Estavam certo. E lá ele continuou imóvel, estático... E com sono.

Acordei não muito tempo depois, por volta das 8h30min. Ivonaldo, com medo, nem dormir conseguiu. Descemos, tomamos o café da manhã e voltamos para o quarto para ver como estava o nosso amigo. Ele não jazia mais sobre as malas, estava tentando levantar. Apoiou-se, sem muito equilíbrio, em uma cadeira. Estava ajoelhado. Segurou com os dois braços nos pés da cadeira, encostou a cabeça sobre o assento... E lá ficou. Dormindo.

Rindo – e muito – colocamo-lo sentado e fomos para o corredor conversar e ver as gostosas que acordavam. Esporadicamente, íamos ver o estado daquele que dormia profundamente. Ele estava bem, estava com a cabeça apoiada nas palmas das mãos e sonhava sabe-se lá com o quê. Foi assim que o deixamos e fomos ver na lanchonete o jogo de Portugal.

Assim que o juiz apitou o fim do primeiro tempo, voltamos. E lá estava ele, sentado e dormindo. O relógio já marcava quase 11h e ele se mantinha imóvel. Colocamos nossas camisetas coloradas e fomos ao estádio ver a final do futebol de campo. Lá na arquibancada, logo no começo de jogo, qual não foi a minha surpresa ao ver algo vermelho meio cambaleante chegando. Ah, ele não tinha morrido!

Tá certo que a final não foi o melhor jogo do mundo, ainda mais com a vitória do Mack... Mas pelo fato de estar perto da bateria, pelo menos em pé a gente ficava. A gente, não ele. O garoto dormia. E muito.

Depois fomos almoçar. Mé, ele e eu. O Itiban não tava lotado, mas o que estava interessante era o Gana x República Tcheca na TV. Jogão, jogão! Todos entretidos... menos o nosso companheiro que dormia. Isso, dormia.

Aí ele voltou pro alojas. Umas 14h, mais ou menos. E capotou. Só acordou às 21h, comeu um x-salada... e só então ficou bem, só então acordou. Depois de dormir 14 horas seguidas. Depois de dormir na lousa, dormir na mala, dormir ajoelhado, dormir sentado, dormir no estádio, dormir na lanchonete, dormir no chão, ele agora é lenda. O nome dele não interessa, mas ele se tornou o mito do Alojamento ao afirmar que não ouviu bateria nenhuma entrar na sala.

Sim, ele é o mito. Ele é o Homem Sono!
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Esse texto já é velho. Mas é bom eu acabar postando tudo aqui, já que a iminência de uma cirurgia não muito eminente pode pôr tudo a perder.

sábado, 28 de outubro de 2006

Ele não precisava vender canetas

Quarta-feira, 21 horas, um bar com telão em uma travessa da Avenida Paulista. Jovens universitários deixavam a última aula de lado para assistirem ao clássico mais clássico do futebol brasileiro. "Grande, vê uma mesa pra sete. E... e duas Itaipavas, pode ser?"
Marcelo olha em volta e logo vê a mesa à sua frente. Um casal enamorado, bastante enamorado, trocava beijos, abraços, afagos e desejos. Com uma garrafa de cerveja e dois copos vazios (por que beber se você está num bom momento com a sua pequena?) sobre a mesa. Na mesa ao lado, colada à do casal, havia outra mesa; nela, um velhinho. Um velhinho sem forças, desanimado, abatido. Um velhinho cansado com seus 80 ou 90 anos. E com uma latinha de Coca-Cola e um copo quase vazio sobre a mesa.
O universitário ficou refletindo sobre o grau de parentesco, se é que havia, entre os observados. Parou de refletir quando a garota parou de se atracar com o namorado e encheu o copo de refresco do velhinho e disse carinhosamente para ele: "Se você quiser mais, é só pedir, viu?" Foi o suficiente para o garoto ter certeza: "Ele é avô dela. Que falta de consideração, ficar assim e não dar atenção pro avô! Olha só pra ele, coitado!"
Para não ficar mais entristecido com suas definições sobre a vida do velhinho, Marcelo se entreteve com o assunto da mesa: o futebol. No entanto, ainda mantinha um rabo de olho na mesa à frente. Numa de suas olhadas, viu uma cena que o deixou extremamente sem reações. Preferiu se entreter com o assunto da mesa.
Cinco minutos depois, o velhinho pegou sua bengala, colocou seu boné e levantou com dificuldade. Esboçou alguns passos e, para o conflito de Marcelo, puxou assunto com um dos garotos da mesa. Olhou para a camisa verde e sussurrou, cheio de orgulho: "Eu também sou palmeirense!"
O olhar de Marcelo brilhou. Se o jogo não acontecesse, o garoto não se importaria. O velhinho continuou: "Eu sou muito amigo do Juninho Botelho, sabe? É, a gente se falava bastante! Eu cheguei a jogar no Palmeiras há um tempão. Faz muito tempo! E, sabe, eu era muito ágil. Eu era goleiro. Mas não cheguei a virar profissional, porque lá tinha um goleiro muito, muito bom. Eu era amigo dele. Ele era um grande goleiro, o..."
- Leão? - interrompeu um dos integrantes da mesa
"Não, mais antigo ainda! Era o Oberdan Catani! Naquela época, era diferente. Era uma... uma academia, né?"
O jogo ia começar. Um outro grupo de jovens chegava para torcer por algum dos dois times que iam jogar. Enquanto isso, o velhinho pegou sua caixinha com canetas coloridas. "Canetas coloridas por R$ 1,00". E foi embora, devagar e sozinho pela travessa da Paulista. Para a tristeza de Marcelo, que ouvia, com um sorriso estampado no rosto, as palavrras banhadas de orgulho e nostalgia do velhinho.
E guardando no bolso da calça o lenço que o velhinho usava para assoar o nariz. Na hora, o garoto lembrou-se da cena que o deixara de cabeça baixa: o velhinho, com movimentos rápidos, não conseguiu impedir que uma nódoa bem lenta de sujeira atingisse suas calças. "Ele era um bom goleiro, bastante ágil e com muitos amigos. Hoje, é sozinho, vende canetas nos bares e seus movimentos são lentos..."
O velhinho foi embora com suas canetas e seus devaneios.
Marcelo ficou no bar com sua imaginação e seus devaneios.

quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Uma carta

Leia e pense em uma garota.
[e me chame de pato. Ou emo. Ou trouxa]
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Esta é a última carta que vou lhe escrever
E poderá chorar ao saber que ela foi feita pra você. Só você.

É triste quando ajo mal e dizem que não vai vir
Ou quando estamos juntos e você tem que ir
Então corro pra janela e de longe poderá me ouvir chamar

Tentei ser o melhor que consegui
Mas não era o bastante porque eu menti
Como poderei chorar se nunca sorri?
Passei o ano inteiro a te esperar,
Me deprimi com a certeza de que não virá
E de que não nos veremos mais porque cresci...

Não há mais porque viver sem acreditar em você
É injusto o fato de não podermos estar juntos,
Mas saiba que sempre estarei esperando você me visitar

Dói-me ao ver de longe você com outro
Entre pedidos, juras, beijos e abraços...
Prefiro nem imaginar se pudesse eu estar em seus braços

Percebo que talvez não sinta mais minha falta
E que encontrou outro que te divertirá
Pois te vejo em seu carro com sua risada sempre mais alta

Poderíamos ter nos dado bem
Mas fui obrigado a te deixar
Agora vou só chorar. Só chorar
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Agora releia. Pense apenas no Papai Noel, que é pra quem isso foi escrito.
[e me chame de idiota, imbecil ou coisa que o valha]


Pois é...

Eufemismos para uma vida saudável

A coisa que mais vem enchendo o saco em todas as coisas de auto-ajuda ou qualquer discussão de relacionamento é a sinceridade. Todo mundo quer que o outro seja sincero. E, cá entre nós, isso é impossível. Quer dizer, ou você é sincero ao quadrado ou você evita uma guerra civil por dia. Ou duas.

No entanto, eu prefiro ser sincero. E aí é que entra em jogo o eufemismo. Eu sou sincero, tal, mas a sinceridade pode ser suavizada. Segundo a Wikipedia [que vai ser, em breve, - ou que já está sendo, não sei – o maior terror de todos os professores em trabalhos escolares], essa droga toda significa uma figura de estilo que consiste em suavizar a expressão de uma ideia modesta, substituindo o termo contundente por palavras ou circunlocuções menos desagradáveis ou mais polidas.

Seja lá o que for, é o que vem fazendo parte do meu cotidiano. Eu explico. Empiricamente, com alguns exemplos do meu dia de hoje:
-x-

Situação I

Uso: Seus amigos perguntam em quem você vai votar.

Eufemismo: Ah, não sei. Tô em dúvida. Mas de uma coisa eu tenho certeza: anular eu não vou.

Tecla SAP: Então, eu vou votar no Lula. No PT, sabe? Vou acordar no domingo e vou falar 'É Lula de novo, com a força do povo!'.

Explicação Lógica: Sinceramente, não dá pra ter alguma dúvida entre Alckmin e Lula. Eles são completamente – e teoricamente – opostos!

É a mesma coisa que você dizer, por exemplo, que não sabe se vai torcer pra Palmeiras ou Corinthians, e não quer que o jogo empate. No fundo, ela tem uma preferência.

Mas tudo bem, é aceitável esse eufemismo. Já pensou se a outra pessoa é daquelas pessoas que, quando o assunto é política, se transformam em um Edir Macedo e sentam o pau em tudo do mundo? E também que, em tempos de hoje, votar no Lula não é uma decisão lá muito acertada.

Mas o eufemismo é bom. Eu faço uso dele todos os dias. Porque, sim, eu vou votar no Lulalá.
-x-

Situação II

Uso: Salas de aula, em geral.

Eufemismo: [x] (a pessoa simplesmente não fala nada)

Tecla SAP: "Tem alguma coisa errada entre a gente, tá faltando comunicação. É, eu sei. E a falha vem daí pra cá. Eu não vou falar nada pra depois ser acusado de chato, chiclé ou coisa que o valha. Mas acho que a gente tem que conversar. O mais rápido possível."

Explicação Lógica: O cara é um perfeito panaca e não pode fazer muita coisa. Além de tudo, é orgulhoso para chegar nas suas melhores amizades [que duram 15 dias, se muito] e falar que precisa de alguém para conversar. Ou que a amizade não tá tão amizade assim [seja lá os motivos relacionados], e é preciso conversar.

Mas ele é um panaca. E faz do silêncio um eufemismo. É o melhor que ele faz. Depois vão e falam que ele é um fresco e tudo mais. Coitado.

-x-

Situação III

Uso: Seu time está brigando para fugir do rebaixamento e enfrenta o seu maior rival, na mesma situação. Você tem porque tem que ver esse jogo. Para isso, tem que deixar a faculdade mais cedo, mas a presença na aula perdida é fundamental.

Eufemismo: Professor, eu tenho um compromisso inadiável. Não vai dar pra ficar na aula hoje, e eu tô meio assim nas faltas da aula do senhor. Eu queria muito, muito ver a sua aula, mas é que não vai dar mesmo. Desculpa.

Tecla SAP: O Verdão vai jogar, cara, e eu tenho que ver esse jogo. Descola a presença aí, vai, não te custa nada! Quebra essa, professor!

Explicação Lógica: Você tem que ver o jogo, porra!

-x-

Situação IV

Uso: Situação III. O seu time perde por 1 a 0, é ultrapassado pelo rival e, agora, beira a zona do rebaixamento. Além de tudo por que você passou para ver o jogo, a partida foi uma bosta. Seu tima não fez porra nenhuma e você perdeu duas horas de sono.

Eufemismo: Eh...

Tecla SAP: Bando de filhos da puta! Vai tomar no cu, caralho, que bando de filhos da puta! Enfia a bola no cu, arrombados de merda! Até minha avó perneta jogaria melhor do que vocês, cacete, vai tomar no cu! No cu, filho da puta! Filho da puta, filho da puta,...

Explicação Lógica: Você é um cidadão, não fica falando palavras feias assim, ao vento. Se você pelo menos estivesse frente a frente com os jogadores do time, vá lá...

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Situação V

Uso: Situação IV. Ao voltar para casa, moleques de rua - e com cara de trombadinhas - te abordam no metrô e pedem algum trocado.

Eufemismo: Tô voltando pra casa, brother, valeu.

Tecla SAP: Porra, vai tomar no cu! Eu passei o dia todo fora de casa, trabalhando, e depois fui ver a merda do jogo da bosta do meu time. Tô nervoso e você ainda vem me pedir dinheiro? Vai trabalhar, vagabundo!

Explicação Lógica: Você está cansado e com dor de cabeça, não quer discutir. É melhor chegar em casa logo e dormir...

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Situação VI

Uso: Situações II, III, IV e V

Eufemismo: este post

Tecla SAP: Puta que pariu, que dia de merda!

Explicação Lógica: Falta de criatividade e tudo mais.

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Enfim, você percebeu a necessidade dos eufemismos na vida de um cidadão de bem. De um herói. Ele é sincero, não mente pros pedintes e muito menos para suas amizades intensas e com prazo de validade curto.

Sim, um herói. Imagine quantos conflitos não foram evitados assim! E quantos não seriam evitados se todo mundo pensasse assim?

Ah...

domingo, 22 de outubro de 2006

Tema da vitória

Domingo sempre foi o dia mais chato da semana. Digo isso não por mim, mas por Felipe. Para ele, tudo de pior acontece aos domingos. E, claro, é quando o tédio atinge o apogeu. Digo isso não só por mim, mas por toda a população mundial.
Após uma noite muito, muito longa - e perfeita -, o garoto acordou às nove da manhã e ligou a televisão, como faz todos os dias. No entanto, não teve vontade de mudar de canal, como faz todos os dias, e ficou vendo o programa de esportes. Era tudo uma cobertura maçante sobre a corrida de Fórmula 1. Não é lá muito fã de corridas e muito menos de carros. Não sabe dirigir e nunca se importou muito com isso. Só assistiu a todos os detalhes da programação porque era uma data especial. Quer dizer, era o que o apresentador anunciava a todo instante. Na verdade, Felipe se manteve na frente da telinha porque, desde pequeno, só gostava das corridas de Fórmula 1 e não sabia muito a razão disso.
*
Domingo sempre foi o dia mais importante da semana. Digo isso não por mim, mas por Felipe. Para ele, tudo acontece aos domingos. E, claro, é quando ele é visto como a maior promessa de todo um país. Digo isso não só por mim, mas por todos que entendem do assunto.
Após uma noite muito, muito longa - e mal dormida -, o jovem acordou cedo e se preparou psicologicamente para o resto do dia. No entanto, não teve problemas em controlar o cansaço que o abatia pela noite em claro que passou; apenas viveu tudo de acordo com o que era previsto: treinos, cálculos, estratégias, minutos, segundos, cobranças... Isso porque toda a imprensa de um país que se orgulha apenas de seu esporte fazia comparações, e tudo isso o cansava. Era uma tremenda chatice a cobertura feita em cima de uma corrida. Tá certo que era a última do ano, a última do amigo e seria em sua terra natal; mas, na verdade - e essencial para Felipe -, o mais importante disso tudo era o momento. Era viver o sonho desde quando pequeno, desde que se apaixonou por carros, aceleradores, marchas e ultrapassagens. Era a razão de viver.
*
Quando a corrida começou, Felipe estava deitado em sua cama. A transmissão, por mais chata que fosse por causa do narrador ufanista, servia como exterminadora do tédio. Domingo, o dia do tédio. Sempre foi assim, desde quando era pequeno. Algo deveria mudar, e o garoto sabia bem o que seria. A realização de um sonho seria tudo o que tiraria o ar entediante dos domingos.
Viu, torceu, acompanhou tempos de paradas nos boxes, analisava ultrapassagens, freadas, fazia projeções sobre pilotos. Felipe sempre gostou de corridas de Fórmula 1, e apenas de corridas de Fórmula 1. Aos poucos, entendia a razão por essa paixão: quando pequeno, adorava acordar às nove da manhã para ver as corridas. Não exatamente para ver as corridas, mas para ver a vitória de Senna. Para ver as vitórias de ponta a ponta do piloto brasileiro. Para ver o hino nacional, o pódio, o estourar dos champanhes... para ter orgulho de ser brasileiro, embora não entendesse muito disso aos cinco anos de idade. E era por isso que se mantinha vidrado na frente da televisão enquanto a corrida acontecia.
*
Quando a corrida começou, Felipe estava concentradíssimo dentro do cockpit. O autódromo estava apinhado de torcedores ufanistas que davam alguns cavalos de potência a mais para o seu carro. Domingo, o dia da adrenalina. Sempre foi assim, desde quando era pequeno. Nada deveria mudar; se pudesse, congelaria o momento. Tudo isso significava um sonho realizado.
Freou, acelerou, parou nos boxes, arriscou. Felipe sempre gostou de corridas automobilísticas, não necessariamente da Fórmula 1. Aos poucos, entendia toda essa paixão: desde pequeno, adorava correr nas pistas de kart e sonhava em chegar à principal competição da categoria. Em ganhar de ponta a ponta, em subir ao pódio, em ouvir o hino nacional sendo tocado para ele, em participar da festa do champanhe. E era isso que o mantinha nessa empreitada, nesse sonho.
*
Quando a corrida terminou, Felipe ouviu gritos e estouros de fogos de artifício ao redor. Não ouvia isso desde a Copa do Mundo, uma celebração pela vitória do Brasil. Entretanto, os sons da rua não eram as coisas que mais empolgavam Felipe, e sim a música que tocava na televisão. O garoto pôde se lembrar de quando tinha cinco anos e comemorava a cada vitória do Brasil na Fórmula 1. Era demais. Na época, sentia orgulho de ser brasileiro, e não entendia muito o porquê. Hoje, o sorriso que era arrancado pelo momento ia além dos motivos que Felipe supostamente teria para dá-lo.
Depois, o pódio. Ao fim da transmissão, olhou-se no espelho, e achava que iria ver uma criança de cinco anos que se deleitava ao ver uma vitória de Senna da Fórmula 1. Achava que, agora, o vencedor da corrida de hoje fará o garoto voltar a acordar às nove da manhã para assistir às corridas.
Assim que se lembrou de que se olhava no espelho, Felipe viu o que se passava. Embora o olhar esperançoso fosse o mesmo de 13 anos atrás, a barba hirsuta era a principal evidência de que os tempos agora eram outros. Mas a esperança de torcer se mantinha. Fato.
*
Quando a corrida terminou, Felipe não ouviu mais nada. Sabia que ouvia gritos e estouros de fogos de artifício ao redor, e que a música, o tema da vitória, tocava na televisão. Contudo, o que mais o empolgava era imaginar as milhões de pessoas comemorando o seu fato. O jovem provavelmente não se lembrou de quando tinha cinco anos e comemorava a cada vitória do Brasil na Fórmula 1. Hoje, sente orgulho de ser brasileiro, e passava a entender o motivo ao olhar para cima e ver as arquibancadas em festa. O sorriso que era arrancado pelo momento ia além dos seus sonhos.
Depois, o pódio. Ao fim de todo o praxe, olhou-se no espelho, e achava que iria ver um homem acima das nuvens de tanto prazer. Achava que, agora, fará milhões de pessoas acordar às nove da manhã para assistir às corridas.

Assim que se lembrou de que se olhava no espelho, Felipe viu o que se passava. Embora o olhar sonhador fosse o mesmo de 13 anos atrás, a principal diferença era que, hoje, tudo era real. E a euforia se mantinha. Fato.
*
Domingos não são tão ruins assim se você souber aproveitá-los.

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Imaginar, sonhar.

Doug acordou quase na hora do almoço, ligou a tevê e ela estava passando os mesmos programas de sempre. Do alto de seus 18 anos, já estava cansado disso. Era como se acordasse todos os dias no domingo. Era tudo sempre igual, as mesmas coisas... as mesmas manchetes dos noticiários esportivos, os mesmos programas repetidos nos seriados de depois do almoço...
O garoto se sentia estranho. Melhor do que o dia anterior, mas estranho, ainda assim. Era como se seu lado direito fosse o avesso de todos. Ou como se o seu dentro fosse o fora coletivo. Era estranho. Era como se sonhasse com alguma coisa, fizesse de tudo para alcançar seu objetivo e soubesse que nunca o conseguiria. No entanto, era bom. Quer dizer, era bom ele pôr a cabeça no travesseiro, olhar para cima e imaginar. Imaginar, sonhar, viajar. Imaginar os sonhos que teria, imaginar as viagens que faria... sonhar com as imagens com que se depararia [o Expressionismo viraria o mais sutil do Impressionismo], sonhar com todos os detalhes das viagens que ele faria... viajar pros lugares que nunca imaginou, viajar pros lugares com que nunca sonhou.
Queria acordar numa segunda-feira, deixar o marasmo de lado. Queria se sentir útil, queria ser o que ele sempre sonhou em ser.
Para isso, ligou a tevê a fim de saber as notícias do Brasil e do Mundo. Para isso, saiu de casa mais cedo para aprender novos idiomas, enriquecer culturalmente e se diferenciar da multidão. Para isso, foi pra faculdade no horário correto. Para isso, voltou pra casa sem beber, fumar ou qualquer outra coisa - se um dia você quer ser alguém, só o conseguirá com a cabeça no lugar -. Para isso, teve vontade de dormir no horário certo.
Doug não dormiu no horário ideal. Já passam de 2 da manhã e ele está acordado, sentado na frente de seu computador, digitando uma carta para sua mãe. Para surpreendê-la. Porque hoje foi Dia do Médico e ele não pensou em nada melhor para dar-lhe de presente.
Doug não dormiu no horário ideal porque viveu o dia. Porque foi utópico. Porque percebeu que percebeu as pessoas. Porque entendeu que nem sempre há um sorriso quando se precisa de um. Quer dizer, Doug é um garoto que gosta de surpreender. E que gosta de ser surpreendido. Ou pelo menos espera gostar de ser surpreendido. Porque nunca fora, e Doug odeia o marasmo. Muitas vezes, ele se aproxima da pessoa porque ela parece ter capacidade de surpreendê-lo. E se afasta por perceber que a pessoa é como a programação dominical de televisão. Doug odeia domingos.
Doug não dormiu no horário ideal porque está deitado em sua cama. Está pensando. Pensando na vida, sendo realista. Está entendendo que não conseguirá alcançar sua meta. Ultimamente, Doug vinha tentando escrever para alcançá-la.
Doug, enfim, dormiu. Bem tarde. Amanhã, vai acordar tarde. Vai ligar a tevê e vai ver os mesmos programas de sempre. As mesmas manchetes nos noticiários esportivos. A mesma esperança vã. Doug vai acordar em mais um domingo, esperando se segunda-feira chegar.
Amanhã, Doug vai ter mais um plano. Depois de amanhã, mais um.
Boa noite, Doug.
Bons sonhos.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

Uma vida [mais ou menos] regrada

Pela primeira vez em muito tempo, Álecs acordou cedo. Por livre e espontânea vontade. Sempre gostara disso, de curtir o dia por inteiro em vez de acordar ao meio-dia e viver desnorteado.

Às 8h30, Álecs abriu seus glazis e, em seguida, empurrou para o lado a janela de seu quarto e pôde ver um sol meio tímido, que preferia se esconder atrás das nuvens. Ligou a tevê, procurou por um programa interessante. Deu graças a Bog por a chuva começar e o dia ficar mais animado. Então deixou a janela aberta, ficou vendo a água cair solta e colocou algumas músicas para tocar. As músicas da velha banda a rigor que serve de trilha sonora no fim de ano.

Álecs fez a barba, tomou banho, reacertou a barba, deitou em sua cama e voltou a ler o livro. Foi para a faculdade mais cedo - decidiu enfim chegar no horário. Pegou o metrô mais lotado e leu o livro. Chegou na sala vazia e leu o livro. Começou a aula maçante e leu mais o livro.

Quando finalmente voltou para casa, viu que estava na página 174 e o livro já estava no final. Depois de um dia sem muito o que fazer - as mesmas decepções de sempre, ó, druguis -, sentou-se e se pôs a escrever.

Pensou, observou, analisou, concluiu. Quando foi escrever; ar ar ar.
Repensou, reobservou, reanalisou, reconcluiu. Ar ar ar.

Ar ar ar.
Ar, ar, ar.

Nada.

domingo, 15 de outubro de 2006

Pita, o eremita

Feriado é pra ser comemorado com churrasco. E churrasco tem que ter cerveja (muita cerveja), pão e, essencialmente, muitas pessoas - velhos amigos, de preferência - conversando, rindo e jogando o tempo fora. Ultimamente, também há alguns churrascos que têm carne, mas são poucos. E são bons os churrascos com carne, pois combina com a cerveja.
Com Pedro não foi diferente. O convite era para que passassem os cinco dias [cinco pra eles, dez para ele] de folga no sítio numa cidade do interior, mas que fica bem perto da capital. Por gostar muito da minha casa, preferiu inventar uma desculpa e convencer os velhos amigos de que o melhor a fazer era uma confraternização - ou churrasco - no final de semana e pronto, ponto.
Foi o que foi feito, com muita correria. Porta-malas lotado de isopores lotados de cervejas lotadas de diversão embebida em gelo transformado em água bastante gelada. E, nos assentos revestidos de couro, os viajantes deixavam a cidade em um clima de viagem animada (os viajantes, os carros nas ruas, as ruas que desaguavam nas estradas, as estradas que atravessavam cidades e as cidades por onde passavam os viajantes ficavam magicamente alegres), e a cerveja que tomavam às dez da manhã do sábado somente acalmava os ânimos dos quatro que riam, conversavam, relembravam, riam, faziam piadas e riam mais ainda. E, enquanto falavam sobre faculdade, música, exatas, humanas, cursinho, carro e garotas, o carro passava as placas de quilometragem na rodovia e Pedro descobria que se você viaja num dia de manhã e essa manhã está ensolarada, a viagem será boa.
Adriano dirigia, Augusto fingia indicar o caminho, Igor puxava os assuntos, Pedro olhava a paisagem e os quatro riam do carro que os seguia. Em meio a uma conversa, o co-piloto e dono do sítio disse que seu primo já estava lá com os amigos e, por isso, não precisaríamos se preocupar com muita coisa. Nem com o churrasco. "O último churrasco que eu preparei, nem o gato quis comer. Mas não tem problema, meu tio mora lá no sítio. Ele toma conta de tudo, se a gente precisar", tranqüilizou. Augusto também disse mais alguma coisa que nenhum dos outros pareceu ouvir.
Depois de passarem por rodovias pavimentadas e lisas, estradas um pouco pavimentadas e uma estrada nem um pouco pavimentada e completamente esburacada, chegaram ao sítio. Descarregaram o carro, abasteceram a geladeira e encarvoaram a churrasqueira. Tudo era alegria, tudo era diversão. Até que os que já estavam na casa de campo acordaram, os velhos colegas de classe de Pedro na sétima série. Conversas e piadas não faltavam. E, enquanto abriam uma, duas e vinte cervejas, os dez meses de distância eram contados em um círculo.
Pouco depois, tudo ficou mais quente. O sol saiu e a churrasqueira foi ligada. Ninguém percebera por quem, até que se viraram e viram um sexagenário de cabelos compridos, amarrados em rabo de cavalo e cobertos pro um boné azul. "Ah, esse é o tio do Augusto", Pedro imaginou. "E... ah, é melhor ele cuidar do churrasco, mesmo".
Depois que tudo tinha ficado pronto, o homem das carnes se retirou. Sem nenhuma palavra, assim como quando chegou. Ninguém pareceu perceber ou se importar. Porque tudo era alegria: o sol, o mato, o calor, a conversa, a cerveja, o pebolim, a música sertaneja que puseram pra tocar, o futebol que jogaram, as vespas e os marimbondos que voavam ao lado de todos, as conversas em volta da piscina, as pessoas do outro carro que passaram a tarde dormindo por conta das coisas esquisitas que fumaram ao longo do dia. Tudo. Inclusive o pica-pau que apareceu por lá, pousou sobre a proteção de alumínio da lâmpada e se pôs a bicar sem se cansar, fazendo um barulho engraçado e tomando a atenção de todo mundo.
Até que chegou a aurora e os surpreendeu.
Os que foram confraternizar o sábado trocavam de roupa, colocavam os tênis e preparavam-se para a volta. Entravam no carro, tomavam as últimas cervejas e reclamavam cansaço. Logo depois, saíam do carro para arrumar a casa que estavam deixando.
- Sobrou um pouco de coração cru.
- Leva pro tio Pita.
- E com o açúcar que queriam fazer caipirinha?
- Leva pro tio Pita.
- Aqui tem um saco de limão que...
- Tio Pita.
- Vai levar essa garrafa de álcool?
- Leva lá pro meu tio.
- As grelhas são suas?
- Não, eu vou devolver pro meu tio.
- Qual o nome do seu tio?
- Epitáfio.
Quando tudo estava pronto e todos estavam no carro, o tio Pita saiu de sua casa (sua casa ficava do outro lado do sítio, longe do lugar onde todos ficavam e se divertiam) e ficou observando o carro em que Pedro estava. O garoto se sentiu inquieto e, então, resolveu puxar assunto com Adriano e Igor, que estavam já prontos para voltar a São Paulo.
(não gosto do jeito literário e repetitivo de relatar uma conversa. Então fica esse, mais simples, em que temos o P de Pedro, A de Adriano e I de Igor)
P: O tio do Augusto não falou nada o tempo todo, só ficou dentro de casa, né?
A: É por isso que o Guto disse que ele não gostava de gente.
I: Ele disse isso?
A: Disse. Quando a gente tava vindo, não lembra?
P: Aham. Mas sabe como é o Agusto, né? Mas mesmo assim, eu pensei que ele morava com a mulher dele aqui.
I: Não, ele mora sozinho. Já pensou?
P: Sozinho?
I: Aham.
A: É... já pensou ficar aqui o tempo todo, sozinho, sem falar com ninguém?
I: Ah, ele deve conhecer alguém por aqui. Deve pegar o carro e ir pra cidade tomar um rabo de galo e falar sobre qualquer coisa.
P: Não parece. Ele deve ficar aqui o tempo todo.
A: Já pensou? Eu não faria isso.
P: Nem eu.
I: Eu também não, mas... na idade dele, deve ser a melhor coisa.
A: Nem tanto.
P: Eu também não concordo. Quer dizer, se eu morasse com a minha mulher aqui, só nós dois, tudo bem. Eu faria companhia pra ela e ela pra mim. Mas sozinho...
E todos param a conversa para imaginar como seria morar sozinho em uma cidade pequena, longe de tudo e de todos. Tiveram o pensamento interrompido com um sinal do tio Pita para que abaixassem o vidro do carro. Todos se surpreenderam com a tentativa de comunicação por parte do solitário.
- Vocês sabem voltar?
- Não. A genta ia fazer o caminho que a gente pegou pra vir pra cá, mas ao contrário.
- Melhor não. Tem outro caminho que é mais fácil. Saindo daqui, vocês viram à esquerda, vão até o final, depois viram à direita. Vão reto, até acabar a estrada de terra. Aí vai ter o cruzamento entre duas estradas, e aí é perigoso. Pára, olha pros dois lados, vê se não vem ninguém e só aí você segue. Não corre, é muito perigoso (e sinalizava os cruzamentos com os dedos do meio). Muita gente não olha, acha que é não tem perigo e aí, ó (e fez o sinal de "se fodem". Todo mundo aqui deve saber como é, então não tem por que explicar).
Os amigos saíram, viraram à esquerda, depois à direita. Adriano correu, tentou ultrapassar uma moto na curva. Conseguiu, mas chegou ao cruzamento e quase bateu com outro carro cujo motorista não prestara atenção. O Eremita avisou. E aí Pedro passou o resto do dia pensando.
Pensando em como seria viver sozinho, sem mais ninguém no mundo. Pedro era um garoto sozinho, que gostava de observar o mundo e tirar as suas conclusões - quase sempre acertadas. Pedro, sim, era um garoto sozinho, mas que não conseguia viver sem mais ninguém. Precisava falar uma palavra a cada três horas, que fosse. Imaginou como seria viver sozinho, sem nenhuma garota. Sem nenhuma garota e sem pai, mãe, irmão, amigos e cachorros mais amigos do que os amigos. Ficou com medo. E ficou com medo de observar o mundo e ter vondade de viver sozinho em uma chácara.
Pedro chegou em casa, deitou na cama e dormiu por estar cansado. E sonhou com o seu epitáfio.
"Jaz aqui Pedro Veroveraar, o Eremita. Alguém que tentou se isolar e, para isso, se interiorizou. Encontrou coisas muito importantes sobre si mesmo e reconheceu quem era. Viveu sozinho, entendeu e descobriu o mundo. Mas nunca se descobriu e muito menos se entendeu. Nunca soube seus dons e nem o que lhe era valioso. Nunca soube quem era. Morreu sozinho, recluso em seu paraíso niilista. Era dono de sua imaginação, que fazia com que tivesse um nome diferente a cada dia e a cada relato."
-x-
As personagens realmente existem. No entanto, algumas tiveram seus nomes alterados pelo motivo chamado minha vontade. Mas os nomes foram modificados de acordo com um critério que eu determinei e já esqueci.

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

Era você!

Guilherme terminara de ler o livro best-seller que ocupava as suas viagens pelo metrô. A disposição de ler voltava, passados alguns meses de profundas trevas literárias. Após ler tragédias gregas, reentender o complexo de Édipo e tudo mais, decidiu ler um livro de crônicas.

Guilherme sabia que o livro com a capa cor-de-rosa, por mais desagradável (a história de machismo no mudo das cores. Ele não está errado sozinho, a sociedade inteira está) que pudesse parecer, seria interessante. Mais interessante do que o livro que Guilherme comprara no mesmo dia e que tratava sobre a adolescência. As queer as a clockwork orange, anunciava o prefácio. No entanto, o jovem de 18 anos optou pelas crônicas, sabia que seriam mais interessantes. Em menos de 12 horas, leu todas os 34 contos que recheavam as 132 páginas do livro.

À noite, Guilherme saiu. Recebera um convite interessante, rever a amizade que norteara seu final de 2005 em meio a tantos transtornos e que o ajudara para o mundo universitário que o ocupa suas noites todos os dias. Saiu, e sabia que o jantar seria engraçado. Sabia que faria de sua vida um livro aberto, sabia que daria risadas e também sabia que não queria que o jantar tivesse fim.

Guilherme, quando saiu de casa e passou pelo metrô, lembrou-se de que há mais ou menos um ano, encontrara, naquela curva que faz entrada para a estação, encontrara seu amigo jogado, bêbado e sozinho. Quando virou, procurou e não achou ninguém. Embarcou, foi até muito longe, jantou, contou histórias, divertiu-se e viu o jantar terminar.

Na volta, nada de muito especial. Ih, será? É, nada muito especial que valha caracteres por aqui. Quando saiu da estação, pela mesma porta por onde entrara, lembrou-se melhor: "foi mais ou menos a essa hora que eu tinha encontrado o César", pensou com os botões. Assim que saiu das escadas rolantes, viu o espaço onde as pessoas se encontram completamente vazio. "É, acho que eu me enganei. Tudo bem. Se eu acertasse de novo, teria que ir correndo jogar na Sena", brincou o garoto.

[brincar não é bem a palavra exata. Vivendo a nostalgia que o açoita nos últimos meses, ele sente vontade de brincar. Foi sozinho ao zoológico recentemente a fim de reviver os oito anos de idade e não conseguiu. Isso foi só um adendo, voltemos]

"Hoje é feriado, né? Ele não estaria jogado por aqui de novo. Hoje é dia de levar vodca pra casa e encher a cara lá, depois assistir a um filme, dar assas à imaginação e tudo mais. É, não é muito essa vida que eu quero levar", finalizou. Andou pela rua escura, perdido em alguns pensamentos que sempre recheiam sua cabeça enquanto anda pela civilização.

[Ah, agora eu lembrei de um detalhe da volta pra casa, enquanto estava no metrô. Achou ter visto um garoto de boné - com o mesmo boné de César - alguns bancos adiante. Olhou melhor, não era. Voltemos. De novo]

Andou pela rua escura, perdido em alguns pensamentos que sempre recheiam sua cabeça enquanto anda pela civilização. Foi quando viu, andando pelo meio da rua, o garoto de boné preto e branco, bermuda longa e moletom azul. E que foi para a calçada quando viu o amigo indo na direção oposta. Guilherme fingiu não ver, fingiu estar absorto em pensamentos - como sempre faz quando vê algum conhecido de longe - e só levantou a cabeça quando César lhe estendeu a mão.

- E aê, arrombado! - disse o amigo.
- Opa! - cumprimentou Guilehrme.
- Tô indo pra casa.
- É, eu também.
- Tá morando por aqui, agora?
- Não. Tô na casa da minha mãe... - pausa - ... é o final de semana que eu passo com ela.
- E onde você tava? - perguntou César
- Ah, tipo... eh... ah, eu tinha saído. Tinha ido jantar. Eh... ah, é, eu tinha ido jantar, tava num rodízio de sushi. Eh... - Guilherme tinha tanta coisa para falar ao amigo que não via há quase um ano. Ao melhor amigo de dois anos atrás, ao amigo que, com mais dois meses de convivência, seria chamado de irmão. Não contou porque supôs que suas palavras não teriam importância para o ouvinte. E também porque aprendeu a ter um orgulho idiota. Só contaria algo se fosse indagado.
- Você gosta de sushi? - supreendeu-se César
- Eh... gosto. - afirmou Guilherme. Na hora, lembrou-se de um convite que o amigo lhe fizera, dois anos atrás, para ir a um rodízio de sushi. E também se decepcionou pela desmemória de César.
- Ah, não sabia. Eu fui domingo a um rodízio. Era em Moema.
- Qual o nome?
- Nem lembro. Por quê?
- Ah, é porque... o que eu fui hoje era Matsuya, Matsunami, alguma coisa assim. E eu li que tinha uma filial em Moema.
- Não, o que eu fui era Shyn não sei o quê.
- Ah, não era o mesmo.
- Não. Mas é que lá em Moema tem um monte desses rodízios.
- É, lá tem bastantes restaurantes, normal ter muitos japoneses.
- É... bom, tô indo pra casa. Amanhã eu trabalho. - finalizou o amigo
- Então... falou.

Guilherme até pensou em balbuciar um "a gente se vê", mas preferiu ser sincero com o conhecido. Ia voltar para casa, enfim, até que se lembrou de um combinado.

- Êi, você não respondeu meu e-mail!
- No hot?
- Quê?
- Você me mandou no hotmail?
- Isso.
- Não, não chegou. Manda de novo.
- Recebeu sim, tanto é que eu te mandei três.
- Quê?
- Eu te mandei, você respondeu. Depois mandei mais um, e você também respondeu. Aí eu mandei mais um e você não respondeu. - e virou as costas.
- Aaaaaaaaaaaaahhh! Era você?


Guilherme estava certo. Certo de que encontraria o amigo, certo de que ele não saberia quem era o ser estranho que lhe mandava e-mails, certo de que suas dicas não foram entendidas. Guilherme sabia que isso era um pouco excêntrico de sua parte, mas queria brincar com César. Brincar de adivinhações. "Ele não fala holandês, como saberia como é 'herói' nessa língua? Quer dizer, ele podia usar o Altavista, mas... é, eu sabia que ele não iria atrás. Mas eu queria ter me enganado", lamentou.

Guilherme voltou pra casa, sabendo que daria risada do que acontecera. Pelo caminho escuro - de 600 metros - que separava sua casa do lugar do encontro inusitado, voltou rindo. Riu mais ainda quando viu uma mulher passando, com um decote enorme, e um homem atrás carregava o filho no colo. E sussurrou no ouvido da criança de quatro anos: "Olha, que mulher gostoooosa!". Sua risada foi um pouco mais intensa quando passou na frente do antro - do puteiro, porra! - da rua e viu um homem descendo de um caminhão e entrando na casa luminousa. Isso não era engraçado, mas foi engraçado quando o jovem de 18 anos passou na frente do caminhão e viu que havia um garoto de uns 10 anos de idade dentro do veículo. E o moleque tava com uma cara de entediado!

Guilherme sabia também que o porteiro estaria dormindo e demoraria para abrir a porta do prédio. Sabia que o elevador estaria em um dos últimos andares, sabia que a família estaria dormindo e também sabia que seria recebido com festa pelo cachorro.

Guilherme parou na frente do prédio e teve que tocar o interfone para acordar o porteiro. Quando passou pelo hall, viu que o elevador estava no oitavo andar e subiu de escadas [Guilherme, não o elevador]. Teve dificuldades para abrir a porta de casa (a fechadura tem emperrado muito), então fez barulho com a chave, acordando o cachorro. Assim que o gartoo abriu a porta, o cachorro latiu, balançou o cotoco de rabo, pediu carinho e lambeu sua mão. Foi para o seu quarto, e percebeu que sua mãe e seu irmão já dormiam.

Guilherme, então, decidiu registrar seu dom. Guilherme sabe que tem um dom de saber as coisas, embora também saiba que a sua cabeça não se dá muito bem com o coração. A relação dos dois não é das melhores, então Guilherme não sabe o que se passa em sua vida afetiva.

Ligou o computador e a televisão e abriu um livro. Começou a escrever sobre seu dia e suas aventuras, enquanto procurava por um poema que ilustrasse algum dos acontecimentos recentes e ligou a tevê para fazer barulho no quarto.

Achou uma poesia, Estrada, e gostou dos últimos versos:

"E quanta gente vem e vai!
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar:
Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um bodezinho manhoso.
Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz dos símbolos,
Que a vida passa! que a vida passa!
E a mocidade vai acabar."


Enquanto isso, o telejornal noticiava: "O dia das crianças animou os lojistas". Guilherme se lembrou de que o dia que terminava era o dia das crianças. E lembrou-se de quando recebia presentes e da expectativa que vivia nos dias antes e o prazer que tinha quando desembrulhava os embrulhos...

Guilherme passou o dia sem lembrar da importância da data, embora tenha discutido com um outro amigo sobre o dia de Nossa Senhora. Não se lembrou de que hoje era o Dia das Crianças, ninguém o havia congratulado por isso. Guilherme, então, entendeu que a mocidade acabou.

E Guilherme se chateou enquanto escrevia, porque se lembrou de outra coisa: "É, o César também esqueceu quando o pai dele me chamou para almoçar num restaurante japonês e eu disse que adorava sushis. Hmmm, eh... "

Guilherme se aborreceu. Mas foi porque não sabe que é feliz. E não sabe que aquela sensação boa que ele sente quando olha para os seus pulsos e vê que suas mãos estão sempre lá é felicidade. A única coisa que Guilherme sabe é que seu nome não é Guilherme.

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

A vida pneumotoraxiana

A data não é muito importante. Mas, se despertar interesse, foi logo após a eliminação do Brasil para a França na Copa do Mundo. O que realmente importa é onde tudo aconteceu: a estação Jabaquara do Metrô. Até hoje, quando passo por lá, espero que algo semelhante (ou igual) aconteça. Talvez não seja muito difícil, já que, por ser terminal também rodoviário (da EMTU, CMTC e dos que vão para o litoral sul), o Jabaquara reúne uma série de pessoas diferentes. Só que nunca aconteceu de novo, por mais que eu tente.

Na estação, parei em frente à banca de jornal para ver as manchetes do dia. As manchetes esportivas, claro. Apalpei os bolsos em busca de algumas moedas ou algo que valesse R$ 1,25. Nada. Então virei as costas, fui em direção ao embarque, mas um velhinho (daqueles que parecem passar a manhã de domingo no bar jogando dominó) barrigudinho, com uma roupa de velhinho - calça cinza escuro, malha (porque velhinhos falam ‘malha’) vinho e um boné do Palmeiras dirigiu-se a mim com uma cara atônita e uma pergunta meio idiota.

Se ele fosse outra pessoa, quase certeza de que eu não daria importância; simplesmente ajeitaria o fone de ouvidos e passaria reto. Mas a dúvida do velhinho realmente me tocou:

- Onde eu compro passagem do Metrô?
- Atrás de você, senhor, tem uma fila. Tá vendo onde tem aquele monte de gente parada? Só entrar atrás de algum deles que o senhor vai cair no guichê.
- E depois pra pegar o trem?
- Só virar na primeira esquerda, senhor. Tá vendo onde tem aquela plaquinha de embarque e a setinha pra esquerda? Então, lá já tem as catracas. Aí o senhor pode ir pra qualquer um dos lados, porque todos vão sentido Tucuruvi.
- Tá, mas é aqui que eu compro?
- Isso, onde tem esse monte de gente.
- É que faz tanto tempo que eu não venho aqui, a gente esquece!
- Ah, é normal (e um riso simpático).
- É que faz tanto tempo! Que nem, agora eu tô com 88...
- Nossa, não parece! Juro, o senhor está super bem! (e era verdade)
- É, então... eu quase não saio. Não tenho ninguém pra sair comigo... (Fiquei sem reações, não consegui comentar mais nada) É, não tenho ninguém pra sair comigo. E é ruim sair sozinho, né?
- Ah, com certeza!
- Mas é ali que eu compro, né?
- Ah, eu tô indo embarcar também, a gente vai junto até a fila! (Fomos)
- Pronto, senhor, é só ficar atrás desse cara com a camisa da França. É duro, né, ter que agüentar isso. Não basta o nosso Palmeiras, também ter que agüentar a Seleção...
- Palmeiras? (e deu uma olhada pra aba verde do boné) Ah, nem fala! Agora é só esperar aqui?
- Isso. Ah, por mim o senhor até poderia passar direto. É que sabe como o pessoal tem bom senso, né? O certo seria que o senhor passasse direto!
- Ah, tudo bem. É normal, mesmo. E aí depois é só pegar o trem?
- Isso. Só virar aqui, logo depois do guichê.
- Tá, brigadão, viu?
- Ah, magina, senhor. Bom dia, bom passeio!
- Bom dia! (e dei-lhe um pequenino abraço. Foi um misto de felicidade e tristeza. Porque eu sentia que a gente nunca mais se encontraria. E mais mórbido ainda, que ele logo mais... enfim)
Logo que passei das catracas, achei que deveria ter voltado. Agora é impossível a gente se encontrar de novo, eu sei, só que seria fantástico!

É, eu me senti como se fôssemos avô e neto. E aí ele não teria como falar que não tem com quem sair, porque, todo domingo, nós pegaríamos o metrô no Jabaquara (com mais algumas dezenas de palmeirenses que usam o mesmo transporte coletivo) e iríamos ao jogo. Ficaríamos nas cadeiras, no melhor lugar do estádio. Comendo pipoca, amendoim... como ele fazia comigo quando eu era pequenino e ia todo uniformizado pro estádio...
Como ninguém fez comigo quando eu tinha 6 anos de idade.
Iríamos a uma série de lugares. A todos aonde o metrô nos levasse, já que a estação Jabaquara é só o começo de uma rota interminável pela cidade.

Seria uma vida. Uma vida que não foi. Uma vida inteira que podia ter sido e que não foi.

O trem chega, abre as portas. Eu entro, penso em voltar para a fila da bilheteria. Soa o sinal e as portas se fecham.

A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

terça-feira, 10 de outubro de 2006

A necessidade do esclarecimento

Pra falar a verdade, eu passei o dia em dúvida sobre esse título. Pensei em um Do without, Faça você mesmo ou O Cavaleiro com Solitária vai ao Zoológico. O que eu acabei escolhendo é o mais esnobe possível, mas... mas ah, o princípio tem que ser o começo [aaaah, esses clichês de merda, viu!?].
Pois bem. Como previamente planejado, tirei o dia para ir ao Jardim Zoológico. Como não faço nada da vida, era uma oportunidade de acordar cedo, aproveitar o sol da manhã [caralho, que coisa de velho!], praticar caminhadas, estar no meio da natureza [dentro do possível] e brincar de nostalgia. Sim, porque lá era o melhor passeio que eu fazia aos oito anos de idade. Em 96, lembro de ter ido lá umas sete ou nove vezes, não lembro direito. Era demais. Eu sabia tudo de lá, não me perdia, traçava os caminhos e rezava pra não chover no dia do passeio. Às vezes chovia, mas mesmo assim. Era tudo mágico, desde a hora da entrada até a hora de fazer o caminho de volta. O caminho de volta era chato, eu sentia todo o cansaço e toda a vontade de voltar.
Eu sempre ia com a minha mãe ou com o meu pai. Nunca com os dois juntos. Essa coisa de que família que não é pra dar certo, não vai nem ao zoológico junta. E pensar que a diáspora se daria só 2 anos depois. Enfim, ou era com a minha mãe ou com o meu pai. Com a minha mãe sempre foi mais legal, porque ela falava mais e demonstrava mais quando se divertia vendo os bichos. Meu pai, bom... meu pai nunca fala nada. Mas era legal ir com ele, porque eram mais vezes. E porque ele nunca se importava em fazer as coisas. Quer dizer, pelo menos não falava.
Mas o fato é que hoje eu fui sozinho. Pela primeira vez, só eu, minha mochila e um livro. Peguei o ônibus que deixava lá dentro e entrei. Só que a droga do ônibus deixava na entrada errada, tipo, não na principal. Isso quase acabou com o meu dia. Por mais frescura que possa parecer, se é um passeio nostálgico, tem que ser igual a antes. Uma mudança, por menor que seja, ferra tudo. Então eu fui tentando me lembrar do caminho pra entrada principal. Passava em frente às jaulas sem olhar pra nada, pra não perder a graça depois. Fui ao começo e só então comecei a aproveitar.
E tudo era mágico. Muito. Parar na frente da mureta vendo o pelicano cor-de-rosa, os macacos e tudo mais. E o quati se equilibrando em cima de uma pedra pra poder beber água sem cair no lago. Era tudo demais. Só que nada é como era no passado. As placas informativas mudaram. Essa coisa da globalização. Antes, tinha mapinha pra mostrar o habitat, quanto tempo ele vive e tudo mais. Hoje, tem só o nome, nome científico, peso e o nome dos países onde o bicho vive. E bem ao lado, um logotipo da Coca-Cola. Pelo menos não é só o Jornalismo que se vendeu...
[era tanta coisa pra escrever. Eu até ensaiei puxar o bloquinho e anotar tudo, tudo, mas... achei que me lembraria. Ah!]
Eu continuei andando. Tentava não dar atenção às milhões de criancinhas que iam ao Zoo pela primeira vez e gritavam no meu ouvido. Eu achei que perderia a paciência com elas, do alto de seus sete anos de idade [a pior idade, fato], gritando para o macaco olhar pra elas. Sei lá, sempre achei bem tosco isso. Nunca fantasiei que o macaco olharia pra mim se eu gritasse macaco. Sei lá, acho que eu imaginava que ele não entenderia o que a gente fala. Ou então que ele deve ter outro nome, e não só macaco. Quando eu tinha sete anos, não fazia isso. Não sei se pela timidez ou por um pequeno esclarecimento. E por mais nostálgico que eu possa ser, não tenho vontade de fazer isso.
Continuei andando e fui dar nos hipopótamos. Como era de manhã e o sol não tava tão quente, eles tavam fora da água, bem perto do murinho. Eu fiquei vendo os dois, fiquei imaginando e tudo mais. Pensei em como seria ter um hipopótamo em casa. Seria engraçado. Fiquei uns cinco minutos por lá, vendo os cavalos do rio e pensando na vida. Fiquei lá até chegar mais um grupo de escola, com moleques pentelhos gritando agudo e alto. Andei mais um pouco, fui ver a ema que era engraçada, parecia ter um cabelo esquisito. Eu deixei escapar um sorriso quando vi as penas que pareciam peruca.
Continuei explorando as alamedas do Jardim Zoológico e acabei parando no acesso ao espaço do leão e dos tigres. O chato é que não dava pra ficar sozinho por lá, sempre tinha alguma menina chata de uns 12 anos de alguma escola pública que ficava falando imbecilidades pras amigas. Ou gritando, o que me deixava mais puto. Eu até tava com o MP3 na mochila, mas ouvir seria sem graça. Quer dizer, qual a graça de ir ao zoo e ficar ouvindo música? É legal ouvir os macacos gritando e as aves piando. Foi o que eu fiz.
Como sempre, nada é como antes. Quando eu era pequeno, parecia que eu ficava a uma distância incivelmente grande dos tigres. Nem era tanto assim. E o espaço deles também nem é tão grande. Acho que era porque eu era pequeno e achava tudo muito grande. Enfim. Parei pra ver o tigre. Como só tinha um garoto tirando fotos [com uma Nikon profissional, vale lembrar] bem feitas do felino, fiquei lendo as informações sobre o bicho. Ele nasceu em 2003, na França. Essas coisas. Aí chegou a trupe das garotas de 12 anos. Devia ser excursão das escolas públicas, eu deduzi. De todas as mais burras da cidade. Ainda mais porque uma das garotas virou pra outra: "Olha, o bicho parou, ele tá olhando a árvore. Deve tá viajando, ó!". Fiquei tão puto que saí de lá. Ou isso ou eu falava "Tigre não flana, porra!". Saí.
Continuei observando as imbecilidades de todo mundo por lá. Eram poucos os que não cometiam gafes crassas. Pouquíssimos. Sabe, deveria ter uma jaula nova lá: Seru Mano. E deixar lá três ou quatro jãos. Talvez as pessoas entendam um pouco mais as coisas.
Andando mais um pouco e pensando um tanto mais, entendi porque clichês são lugares-comuns. Talvez isso tenha vindo do zoológico. Porque os bichos mais clichês - leão, girafa, elefante, etc. - são os mais visitados, sempre empesteados de pestes. As pessoas vão para o mesmo lugar. Acho que é isso. Não deve ser, e essa deve ter sido a explicação mais imbecil que alguém já deu.
Claro, ainda tive que ouvir uma série de pataquadas. Tinha a galera do bigodinho de office-boy, que andava toda cheia de gingado, jows e tudo mais. E mais pataquadas. Foi duro quando eu ouvi, sei lá, talvez a mais engraçada do dia. A professora de uma das escolas tava toda metida de guia turística ou bióloga do lugar. Até que a fila passou em frente ao viveiro de um pássaro esquisito, preto, com um bico enorme e tudo mais. Alguém pergutou: "Professora, esse é o tucano?". Cheia de si, a mestra inspirou o ar e se inspirou pra responder. "Claro que não", ela disse, "esse não é o tucano. Essa é outra ave, que é da África [meio óbvio, porque aquele era o Bosque das Aves Africanas]. Mas tem um nome diferente, não é o tucano. O nome é em inglês, eu vou ler pra vocês". E foi até a plaquinha informativa. Começou a ler: "O nome dele é inglês, ó: É calau-de-cara-prateada". O rosto dela ruborizou, mas só eu percebi a gafe.
A galera não maneirava nas imbecilidades. Na sala preta, fechada e abafada, com uma série de aquários com um monte de animais ectotérmicos. Eu entrei e comecei a ver os animais. Mas tive uma vontade de sair quando passou uma imbecil que só olhava o terrário, achava o bicho e seguia o caminho. Falava, também orgulhosa do conhecimento obtido sabe-se lá como, ao mesmo tempo que apontava para os animais: esse tem duas cabeças. Esse, esse e esse também. Quase todos aqui têm duas duas cabeças. Idiota. Na hora, deveria ter colocado o fone nos ouvidos. Pra falar a verdade, até saquei o MP3. Mas desisti quando eu vi a música que iria tocar logo mais. Seria bater no bom senso, eu teria vontade de fazer a aspirante a bióloga ouvir.
Tem uma que é tensa
Tem uma que pensa
Tem uma que é louca
Uma é careta
Tem uma que puxa
Tem uma que empurra
Tem uma que é grande
Tem uma que é burra
Uma enche o saco e a outra esvazia
[Ah, essa droga de banda sempre nos momentos mais inusitados. Mas isso é um ultraje!]
Tinha mais uma série de críticas pra pôr aqui, mas já esqueci. Droga. A única coisa que eu não esqueci foi que uma hora, o leopardo tava do outro lado da jaula. Para ver, eu tinha que subir na muretinha como todas as crianças. Não via problema nisso, tal, mas... sei lá. Fui subir quando todo o grupo que enchia o saco do bicho foi embora. Quando eu me apoiei pra subir, um molequinho de uns seis anos tentava subir, mas tinha vergonha de fazê-lo sozinho. Quando me viu colocando os pés no muro, subiu junto. Olhou pra mim e disse, todo orgulhoso: "E aí, tio, tudo bom? Agora dá pra gente ver, né?"
Eu só tenho 18 anos, não me acostumei com essa idéia de ser chamado de tio. Tá certo que, sei lá, a droga da barba hirsuta faz com que eu tenha cara de acabado, mas... mas sei lá, eu achei engraçado essa do molequinho. Bastante.
Outras coisas fizeram o dia valer. Sei lá, ver o olhar de algumas criancinhas quando viam os animais. As crianças ainda inocentes, com menos de quatro anos e tudo mais. As criancinhas que não tentavam se passar por nada pra ninguém. As criancinhas que são criancinhas, afinal, são o melhor tipo de pessoa. Criancinhas inocentes e velhinhos cansados. Era legal porque, com os olhares vidrados, elas não conseguiam falar nada, não conseguiam expressar toda a felicidade que tinham. Melhor do que os outros, que tentavam mostrar pros outros amiguinhos a surpresa: "nossa, meu, caraaaaaalho". Ah, vai se foder! Eu não gosto dessa coisa de ter que evitar palavrão e tudo mais, e nem impedir as pessoas de falar isso nas situações adequadas para tal, mas... mas porra, crianças falando isso, assim, só por falar, é bem idiota. Não consigo e nem sei explicar, mas a real é essa. Quer dizer, palavrões são necessários e fundamentais, mas... mas tem limites, porra!
Quanto mais eu andava, mais eu me chateava com a maioria das pessoas. Até a hora de ir embora. Daí o título do post. Não que todo mundo deve ser metido a cultzinho e tudo mais, mas... porra, será que as pessoas podem ser menos ignorantes? Era cada besteira que eu ouvia, era cada coisa que me deixava puto de verdade! Aí eu comecei a pré-conceituar o que eu via. Tava imaginando o futuro de toda aquela gente. Quer dizer... alguns vão virar motoboys, outros vão virar qualquer outra coisa que não exige muito conhecimento teórico e tal. Alguns vão virar rappers, e outros vão ouvir rap e achar que são esclarecidos. Alguns vão entrar na faculdade, outros vão parar de estudar na oitava série. Alguns vão comprar um livro do Paulo Coelho, ler e achar que são os mais eruditos do mundo, e outros vão ler Machado de Assis no primeiro colegial e achar que o cara era um imbecil que não escrevia nada com nada. Alguns vão ouvir falar alguém falando alguma coisa sobre García Márquez e vão esquecer no dia seguinte, e outros vão comprar o jornal na banca e ler a parte de esportes. Alguns vão ler um livro por ano e acharão que é o suficiente, e outros vão ler meus textos em algum jornal de esportes e acharão que o repórter é um idiota que não sabe de nada.
Em tese, o problema não tem a ver com as eleições. Quem quer que seja o próximo a entrar naquele circo, não vai mudar o que acontece. O problema é que as pessoas são ignorantes, alienadas e todos os adjetivos possíveis. O problema é o Brasil, de ignorância gigante pela própria natureza. De novo, não que todo mundo deva ser esclarecido, ler Balzác, García Márquez, Kafka, Nietzsche ou o raio que o parta, mas... porra, bem que poderiam pensar um pouco menos no funk e um bocado mais na vida. Utópico, não?
Ah, sabe de uma coisa? Pára o mundo, vai, eu quero descer. Não quero mais brincar. :(
Concluindo:
1. O passeio foi fenomenal. Ir ao zoológico é sempre bom, mas é uma pena que as coisas não são mais como 10 anos atrás. Pena naquelas, vai de cada um. Pra mim, uma droga.
2. Enquanto estava lá, pensei que, se um dia eu for rico de verdade, vou querer voltar lá e pagar pro parque ser fechado só pra eu ver. Depois mudei de idéia. Não seria interessante, e seria deprimente fazer uma coisa sozinho ao quadrado. Já não basta ir sozinho pra lá, seria pior ainda fazer o passeio mais sozinho ainda.
3. De novo, não vi a droga do lobo-guará. Ele tava dormindo, aquele imbecil. Mas eu entendo o coitado. Quer dizer, não basta viver sozinho, trancafiado em uma jaula, também tem que agüentar diariamente milhares de pessoas apontando, gritando "Ô Lobo-Guará, acorda, vagabundo!" e tudo mais. Eu não sei o que é pior, se o cativeiro ou a platéia. Se eu pudesse escolher, ficaria com a primeira opção.
Post arrogante. Muito.
Não era pra ser assim. Eu tinha uma série de idéias, mas esqueci todas elas.

sábado, 7 de outubro de 2006

Os clichês de sempre. E o clichê às avessas.

Vai parecer apelação, e não deixará de ser. Só que em vão, claro [clichê #1], assim como tudo o que é escrito ultimamente. Se as palavras mudassem o mundo, o dicionário seria a Bíblia Sagrada. Ou coisas assim, se quer saber. A verdade é que não mudam, e são poucas - pouquíssimas - as coisas que o conseguem. O que é, não vem ao caso. Não vem ao caso porque eu nem sei direito o que é, além de isso ser subjetivo ao quadrado.

O que acontece é que, poxa, são sempre as mesmas coisas. Momentos contentes, momentos fabulosos... e, do nada, momentos tempestu-osos [clichê #2]. Nos últimos dois dias [tem ligação sim com o fato de que foram dois dias de imaginações, confirmações imaginárias das imaginações e coisas a mais. Coisas bestas, claro], tudo parecia fenomenal. Sei lá, o ano já estava com cara de final de ano; e isso é tão bom! Porque o final do ano é a melhor fase de tudo. Desde pequeno eu gosto disso, do jeito abafado e de ventos suaves que acontecem nas manhãs de outubro, novembro e dezembro... E acho que eu sempre vou gostar, se quer saber. Pois bem. Tudo tava legal, até a vida pneumotoraxiana se mostrou algo aproveitável nesse mundo e tal. Pelo menos me deu auto-estima, se é que isso é possível.

Além disso, os e-mails mais vantajosos para uma vida profissional. Segunda. Segunda, segunda, segunda. Segunda vai ser o dia da segunda fase. Segunda.

Coisas boas, coisas ruins. Tava pensando em tirar o feriado pra flanar a nostalgia. Sei lá, ir ao zoológico sozinho, ir aonde eu quiser, ver o que eu quiser e por quanto tempo eu quiser. O meu maior trauma de criança era ir lá e não ver o lobo-guará. Aquele filho da puta sempre dormia. Agora eu vou, e não saio de lá enquanto aquele arrombado não der as caras. Dito. Só que eu não sei quando vou; não sei nem SE vou. Ah, essa vida corrida... !


E aí, não demora muito, uma porrada de besteiras que enchem o saco mesmo. Sexta-feira chuvosa, que não deixa o futebol e a cerveja acontecerem. Sexta-feira à noite, quando as pessoas ficam nas cadeiras das plataformas dos metrôs com seus pares românticos. Todos tinham seu par, até o japonês panaca que sofria bullying na escola. Todos. Eu tinha meu livro. Bela companhia, porque me trás cultura, melhora minha escrita, aguça minha imaginação... pff! [clichê #3]

Não só isso. Há coisas em todo esse meio, se quer saber. Talvez porque o segredo está em observar tudo, tudo o que acontece à volta. Tudo. E isso faz com que tudo fique previsível, até o modo de falar. Eu tenho certeza, bem como tenho a certeza de que não me enganei. 'Em relação a isso, acho que nunca me enganei. Só uma vez, quando achei estar enganado' [clichê #4]. Pff. Pff!

Mas tudo tem um lado bom, né? [clichê #5]. Assim como dizem praqueles viciados inveterados, que passam o dia em frente ao caça-níqueis e não ganha um puto sequer. "Azar no jogo, sorte no amor", né? [clichê #6]

Quanto a isso, nenhum problema.

Quer saber, vou começar a fazer uma fezinha no carteado. Porque só sai manilha na minha mão. Até no escuro, o coração e a arvorezinha caem aqui. Sorte no jogo. Muita sorte no jogo. Muita, muita, muita sorte no jogo. O certo é apostar algumas pratas nisso tudo. Pra eu ganhar a vida nisso sem precisar trabalhar. Aí eu aprendo a beber, deixo o cabelo crescer, aprendo a fumar e deixo a barba desgrenhar. Escrevo, jogo, ganho, sobrevivo. Sorte no jogo! [às avessas]

God, you've got a strange sense of humor!
[clichê #7, pra terminar com estilo. Estiiiilo!]

terça-feira, 3 de outubro de 2006

O negrito resume

- É o fim da história? - perguntei
- É isso aí - disse Max. - Orgulho, estupidez, seja lá o que for.

- Você é um bom escritor, Max, mas não é um sedutor.
- Você acha que um bom sedutor teria dado um jeito?

- Claro. Sabe, cada jogada dela deve ser respondida com a resposta certa. Cada resposta certa leva o papo numa outra direção, até que o sedutor tem a mulher acuada num canto, ou, mais adequadamente, estendida.
- Como posso entender?

- Não tem aprendizado. É um instinto. Você tem de saber o que a mulher está dizendo de fato quando diz outra coisa. Não se pode ensinar.
- Que foi que ela disse mesmo?

- Queria você, mas você não soube como chegar a ela. Não soube construir uma ponte. Fracassou, Max.
- Mas ela leu todos os meus livros. Achava que eu sabia alguma coisa.

- Agora ela sabe alguma coisa.
- O quê?

- Que você é um asno burro, Max.
- Sou?

- Todos os escritores são. É por isso que escrevem.
- Que negócio é esse de "é por isso que escrevem"?

- Quero dizer que eles escrevem essas coisas porque não entendem.
- Eu escrevo muitas coisas - disse Max, triste.

- Me lembro de que, quando era menino, li um livro de Hemingway. Um cara vivia indo pra cama com uma mulher e nõa conseguia, porque amava a mulher e ela o amava. Deus do céu, eu pensei, que livro sensacional. Todos esses séculos, e ninguém escreveu sobre esse aspecto da coisa. Achava que o cara era simplesmente um burro feliz demais pra conseguir. Mais adiante, li no livro que ele tinha perdido os órgãos genitais na guerra. Que decepção.
- Você acha que essa garota vai voltar? - me perguntou Max. - Você devia ter visto aquele corpo, aquele rosto, aqueles olhos.

- Não vai voltar - eu disse, me levantando.
- Mas que faço eu? - perguntou Max.

- Simplesmente continue escrevendo seus pobres poemas, contos e romances...

Numa fria - pp. 163 - 164

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

Nariz de palhaço

Desde que me dou por gente, odeio sair de casa aos domingos. Domingo é dia de ficar em casa, fazer o balanço da semana toda que passou e traçar alguns planos para a semana que se inicia. Não é dia de sair. Sair aos domingos estraga os seis próximos dias, e isso é fato.

Todo mundo pensa assim. Quer dizer, pelo menos eu suponho. Porque são pouquíssimas as que se aventuram por aí em pleno dia do descanso. E num domingo frio e chuvoso, então? Ah, então... então não é pra se sair jamais!

Só que sempre tem quem consiga. E não é difícil, se quer saber.
E o fato é que hoje conseguiram.

Hoje foi dia de festa. Eu peguei o metrô para ir pra festa e aquela droga tava realmente lotada. Eu nunca tinha visto isso às 16 horas de um domingo. Tava tudo lotado mesmo, todo mundo correndo e com pressa de chegar a tempo. Também tinha quem voltasse da festa, com a sensação de estômago satisfeito e tudo mais. Outra assim, só daqui dois anos, eles diziam com seus olhares.

Cheguei à festa [chegar a algum lugar, ensina o MRE. Eu já sabia disso, só achava que ficava muito metido. Em todo caso, aposentemos o 'cheguei na'] sem o convite, tinha esquecido em casa. Mas eu tinha minha licensa para matar em mãos, e ela já valia como prova de que eu sou eu.

Calma, deixa eu voltar atrás e reexplicar. Odeio essas minhas mudanças de assunto.

Voltando...

Só que sempre tem quem consiga. E não é difícil, se quer saber.
E o fato é que hoje conseguiram.
Como? Dê uma festa pra todo mundo e diga a eles que a participação nessa festa pode mudar o rumo do país! Diga que o povo tem poder, que o povo tem a decisão de escolher o seu próprio destino.

Hoje foi dia de festa. A festa da democracia.
Todo mundo saía de casa para votar, para decidir o futuro do Brasil. Doce ilusão.

Hoje eu saí de casa para votar. Votar é importante, eu posso mudar o rumo do país! É por isso que eu decidi tirar meu título de eleitor o quanto antes e já votar. E hoje foi a minha terceira eleição.

Enfim, hoje eu saí de casa para mudar o Brasil. Cheguei lá na creche sem meu título, mas a carteira de motorista tb era válida. Cheguei e não tinha fila nenhuma para votar. Mesmo assim, esperei 10 minutos até ir pra urna. Porque tinha uma tia que não sabia votar, preferia as cédulas e blablablá.

O foda é que até votar me dá nostalgia. Ah, eu preciso procurar um especialista, poxa!

Eu tinha que escolher o deputado federal. Apertei o 5 e o 6. Uma coisa que eu sempre quis fazer, sempre tive a curiosidade de ver a foto do Enéas na urna. Tanto é que hoje eu apertei, vi a fotinho, deixei escapar um sorriso e confirmei. Não votei nele porque ele era engraçado pra mim quando eu era pequeno, mas porque eu quis. E ponto. O fato é que... nostalgia, oras!

De resto, tudo correu bem. Quer dizer, tirando que meus candidatos para presidente, governador e deputado estadual não chegaram nem perto da vaga. Tudo bem, nenhum dos meus candidatos tinha sido primeiro colocado em nenhuma eleição anterior, mesmo. Só o Supla e o Enéas que ganharam.

Depois eu voltei pra casa. E assim meu dia estava pronto para acabar.

Eu decidi mudar meu caminho. Tava lendo, quase terminando meu livro. Então preferi o caminho alternativo, na rua onde os carros não passam e a leitura flui. Aí, quando eu vi, eu tava na frente do nosso canto. Daquela casa. Pensei em sentar lá e terminar o conto. Depois pensei em só passar reto e não me sentar lá jamais.

Sentei. Sentei, li duas palavras. Aí eu vi que o nosso cantinho não é mais tão nosso. Porque, logo ao lado, tinha um montão de lixo. Nosso cantinho vai virar entulho.

Aí eu me levantei e fui embora.
Fui embora e pensei: Legal, um monte de idéias para um post. Não posso esquecer de nada. Nem vou esquecer de nada, não dá pra esquecer!

Esqueci.

domingo, 1 de outubro de 2006

Mil pontos para rirmos que nem loucos! Nós ganhamos!

Buon Giorno, Principessa!
Pff... Buona notte, princepessa!
Finais de semana em vão são uma droga. Só são bons para flanar [essa merda de expressão vai pegar, quer ver? Vai estar presente nos próximos 50 posts] e tal. 'Em time que tá ganhando, não se mexe'. Ok.
Antes, as considerações negativas:
1. Filho da puta! Entra na sua casa, se apresenta com um 'Beleza, brother?', abre a sua geladeira e detona com a sua cerveja! A cerveja que você comprou com o see dinheiro. A porra da Budweiser que eu comprei com o meu dinheiro. Merda. E eu vou falar o quê? Ele é convidado. Porra.
2. Vi seus nicks. É, acho que você se fodeu. E sabe o que eu penso disso tudo? Não penso nada. Porque... oh, o ferreiro se esqueceu de me dar um coração.
- Seeeeem coração?
- Sem coração.
Na verdade, eu tenho coração. Mas vou deixar ele descansar. Acordar tarde todos os dias, essas coisas. Talvez você não mereça.
Enfim...
[odeio esses enfins jogados no texto. Enfim...]
Hoje eu passei de carro na frente daquela casa. Daquela casa onde a gente ficou naquele sábado. A gente nem sabia quem eram os donos da casa, mas nós dois ficamos sentados lá na frente. Conversando e tudo mais. A cor local era tipo a de hoje: tava frio, era uma tarde de sábado, era nessa época do ano, o céu tava nublado...
A gente ficou lá. Eu não lembro do que a gente falava enquanto o tempo passava. A gente nem precisava se falar, nossos gestos significavam muito mais. Foi lá que eu peguei chuva pela primeira vez por uma garota. Pela primeira vez. Lá a gente ficou, lá a gente começou a namorar. Talvez a gente devesse casar lá, naquela casa, um dia. Ou morar lá depois que nos casássemos. Fazer o começo do fim das nossas vidas lá. Se a gente se casasse, a gente deveria morar lá. Se a gente desse certo, o nosso lar tinha que ser aquele.
Mas a gente não deu certo. A gente aproveitou o nosso cantinho por algumas semanas. Semanas boas, se você quer saber... o cantinho não era nosso, quer dizer... não nos pertencia, mas era nosso. Era a nossa cara. Então o cantinho não era de mais ninguém senão nosso.
Até hoje eu passo lá. Uma vez, alguns meses depois de a gente ter terminado, eu até me sentei lá com outra garota, eu queria ver se lá rolava aquela mística nossa, sabe? Não rolou. E a sua praga [foi praga, né?] deu certo. Quer dizer, aquele cantinho talvez seja nosso pra sempre. Mas só nas lembranças boas que eu tenho. E talvez seja só aquele cantinho nas más lembranças que você deve ter de mim.
Sabe, eu não sei se me arrependo. O fato é que eu te devo um pedido de desculpas. A gente deveria ter feito tudo parecer como algo que foi infinito enquanto durou [clichê poético, eu precisava disso]. Só que... só que não, né? No princípio do nosso fim, eu tinha raiva e você tinha arrependimento. Hoje as coisas se inverteram, né?
A gente não se fala desde então. Eu nem lembro quando foi a última vez em que fizemos o nosso cantinho ser nosso. Eu só lembro que as lembranças que eu tenho dele são boas. Muito, muito boas, se quer saber. Não quero voltar atrás, não. Mas talvez a gente deveria ter aproveitado melhor algo que arrendamos.
Não [foi] exatamente Bernadette.
Antes fosse.
Como não foi, estaca zero.
Agora? Bem, agora...
Mille punti per ridere come pazzesco!
Em março eu consegui 5 pontos. Quando eu tirei o Siso. Um dia eu chego lá.
Espero.