quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Outro lado

Pode não ter sido o melhor dia que você já teve.

Talvez você tenha acordado às 7 horas com o telefone tocando na sala, saído correndo do quarto pensando que poderia ser uma emergência e, ainda cambaleando de sono (afinal, fora dormir às 4 horas), bateu com o dedinho do pé esquerdo na quina rodapé. E aí você atende, fala alô três vezes e a pessoa do outro lado da linha desliga sem dar uma palavra sequer.

Quando volta para cama, o telefone volta a tocar. Você vai atender de novo e, novamente, a pessoa desliga. Nervoso, leva o aparelho e o deixa na prateleira em cima da cabeceira da cama. Pela terceira vez em menos de cinco minutos, o telefone toca e você, no afã de fazer com que aquele barulho não atrapalhasse mais o seu sono, faz um movimento brusco e o livro que também estava na prateleira cai em cima de sua cabeça.

Nervoso, grita alô e a pessoa enfim responde. “Oi, eu quero falar com o Wandeílson?”. E aí você pergunta quem quer falar. O cara diz “aqui é o Almiro!”, e você dispara: “Vai pro inferno, Almiro, e não me enche mais o saco”.

Com dor na cabeça, não consegue mais dormir. Vai tomar o café da manhã, abre a geladeira e o armário e constata que não tem mais leite. Decide, então, ir ao mercado e comprar três litros para estocar. Quando volta para casa, atravessa a avenida e uma das sacolas se rompe e uma das garrafas de leite estoura em plena via pública. Sem saber se xinga a sacola, o supermercado ou as pessoas do ônibus em volta que riem sem pensar, acaba voltando para casa.

E aí você percebe que não tem muita coisa para fazer, então fica vendo reprises de alguns programas na televisão até que dê 10 horas da manhã. Querendo apenas arranjar alguma coisa para fazer, vai ao banco pagar a conta de telefone, mas a falta de rede nos caixas eletrônicos, a fila gigante e a boa vontade dos dois caixas que se revezavam no atendimento te seguram por lá durante 1h30.

Quando enfim volta para casa, percebe que está na hora de ir para o trabalho. Depois de tomar banho, se arrumar e fazer todas as coisas de praxe, pega o metrô. Só que entre uma estação e outra, o trem pára e o condutor avisa que, por causa de uma falha técnica, a operação ficará paralisada durante 15 minutos.

Tudo volta ao normal 25 minutos depois. Contudo, no momento em que o trem chega à estação seguinte, toda a população de São Paulo se espreme dentro de um vagão e a viagem se torna terrível. Mesmo assim, chega a tempo de almoçar rapidamente em um self-service. No entanto, todos no caminho estão abarrotados de gente, então você decide ficar mesmo no restaurante do seu local de trabalho. Após comer arroz com gosto de caixa, feijão temperado com aroma de plástico e mastigar uma carne borrachuda, vai para o trabalho.

Embora trabalhe com o que mais gosta de fazer, percebe que o futebol nacional está cada dia pior [tudo isso depois de noticiar em primeira mão que o Náutico acertou a venda do craque Vanderson Amazonense ao Stal Dniprodzerzhynsk (cuidado para não inverter as letras!), da Ucrânia – o novo centro do futebol mundial].

O clima do dia não melhora quando a noite chega. Na faculdade, tem duas aulas que, certamente, não vão acrescentar nada no seu futuro. E, ao voltar para casa, a bateria de seu reprodutor de MP3 apaga na metade de uma música legal. Tudo parece conspirar para que a situação só piore.

Mas quando abre a caixinha de correio para pegar a última leva de contas do mês que você percebe que, no meio das taxas de luz, água e gás, tem um envelope escrito à mão. Com uma letra redondinha, caprichada, e com o seu nome nele.

E então, ao abrir, lembra que aquela carta que você enviou a uma amiga distante, em uma noite fria de domingo, quando estava levemente deprimido, foi respondida.

Pode não ter sido o melhor dia da sua vida. Mas, apesar de tudo o que tenha acontecido, às vezes você percebe que a vida vale a pena.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Despaixão

Eram amigos há 21 anos, mas nos últimos dois pouco se viam, mesmo sendo vizinhos de portade uma casa geminada. Ambos tiveram suas rotinas alteradas e os horários quase nunca batiam. Com sorte, conseguiam sair juntos de vez em quando, em um sábado a cada cinco ou seis. Mas com sorte.

Em um domingo de manhã, 26 dias depois de terem tomado rapidamente um café pela última vez, acabaram se cruzando por acaso na rua. Um ia a pé comprar o jornal na banca a dois quarteirões de casa, enquanto o outro ia de carro ao mercado comprar comida para o cachorro.

O que dirigia parou no meio-fio, baixou o vidro do carro e chamou o amigo. O que andava na calçada abriu a porta e entrou no banco do passageiro, deixando de lado a idéia de comprar o jornal.

Então o motorista iniciou a conversa do mesmo jeito dos últimos dois anos:

Quanto tempo, cara! disse, engatando a primeira marcha.
Verdade, né? Andei meio sumido, sabe como é... essa rotina me mata.
A minha também. Mas... mas e o que acontece do outro lado da parede da sala?
O mesmo de sempre, quase não dá tempo de fazer nada novo. E você?
Não te falei, mas acho que me apaixonei.
De novo? Digo...
Dessa vez foi sério. Foi daquelas que fazem você andar pela rua dançando I saw her standing there, ou então chegar ao escritório dando risada às segundas de manhã.
Sério mesmo?
Claro. Já tinha até imaginado o que dar para ela no nosso primeiro ano de namoro.
O quê?
Uma viagem para a Europa. Ouvi ela dizer uma vez que nunca tinha ido à Europa. Pensei em Praga, mas já vi fotos animais de Turim também.
E você tem essa grana toda?
Não, mas já tinha começado a economizar.
Foi sério mesmo, então. Quem é?
Você não conhece. É uma pequena que entrou no trabalho no começo do ano.
Bacana. E aí?
Não deu certo. Percebi que a nossa relação era estritamente profissional.
Como assim?
Ah, deixa pra lá.
Mas você ainda tá apaixonado, ou seja lá o que for?
Não.
Qual o nome dela?
Ana Maria. Viu o jogo ontem?

Continuaram conversando, falando sobre casualidades. Até que o passageiro interrompeu o assunto bruscamente:

Ana Maria! disse quando o semáforo fechou Qual a primeira imagem que veio na sua cabeça?
A festa de 50 anos da nossa empresa, semana passada respondeu o motorista, baixando levemente o olhar . Todas as filiais da cidade estavam lá. Eu tinha saído para pegar um vinho para nós dois. Quando voltei, tinha um cara da sucursal do Centro falando com ela – e lançou um sorriso amarelo.
Beijo?
Que beijo... suspirou, voltando a colocar o carro em movimento Só que não foi só ele. Depois, me falaram que um outro cara da sucursal da Zona Sul também tinha conseguido.
E você?
Tomei os dois copos de vinho.
Mas... mais nada?
Ah, um cara da minha repartição falou que eu deveria tentar alguma coisa com uma amiga dela que estava lá. Mas... mas como eu poderia dançar com outra depois disso?
E como você tá agora?
Normal, se quer saber. A única diferença é que as coisas de que eu gostava nela agora me deixam profundamente irritado. Mas daqui um mês isso passa.
Tem falado com ela?
Não.
Quer falar sobre isso?
Muito. Mas espera acabar essa música.

Foi quando começou a tocar I saw her standing there pela terceira vez seguida.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Identificação nacional

Ainda me lembro da primeira vez que me dei conta de que o Brasil tinha um hino nacional. Foi em 7 de setembro de 1993 (ou seria 1992?), quando fui a um desfile que comemorava mais um ano da independência. Na frente, tinha a bandeira do país e, atrás, a cola com a letra da canção.

Achei bem legal, e em uma semana havia decorado o hino. Isso me ajudou bastante em 1994, quando todo mundo foi obrigado a aprender a cantá-lo para a formatura da pré-escola. Durante um dos ensaios, a diretora da escolinha disse para todos que o brasileiro era o hino mais lindo do mundo. Se ela disse, tava falado.

Dois anos depois me disseram a mesma coisa. Falaram que o nosso hino tinha a melodia mais gostosa do mundo, além de que a letra era bem bonita, já que falava apenas da beleza natural brasileiro e não fazia menção alguma a guerras. Acabei adotando isso como verdade absoluta.

Mas de uns tempos para cá fui tendo contato com alguns hinos de outros países e, surpresa, muitos deles eram tão bons quanto o brasileiro. E o melhor de tudo: alguns deles tinham trechos que evocavam uma emoção tremenda em quem cantava. Passei a gostar pra caramba de ouvi-los, então.

Uma coisa é bem verdade: várias canções nacionais falam de guerra. Tudo em decorrência das guerras por que passaram antes de proclamarem sua independência, para se unificarem ou para vencerem os invasores ao longo da história. E isso faz com que muitas evoquem uma unificação muito grande quando cantados.

Talvez eu não tenha ouvido mais do que 50 hinos diferentes. Mesmo assim, seis deles dificilmente mudarão o meu conceito se, porventura, um dia eu não tiver nada para fazer e decida escutar todos os hinos do mundo. São eles:

5º) Qassaman: A melodia parece alguma cena inicial de um filme de 1930. Mas a Argélia talvez tenha um dos hinos mais brutos que existem, dados os seguintes versos: “Quando falamos, ninguém nos ouviu. Então, tomamos o som da pólvora como nosso ritmo e o som dos canhões como nossa melodia”. Mesmo assim, é legal a mensagem que é dada em uma estrofe extra, às vezes cantada: a vingança que, cedo ou tarde, virá. Colonizados por franceses entre 1830 e 1962, os argelinos deixam um recado aos ex-ocupadores. “França, a era da repressão está acabada, e fechamos esse período assim como se fecha um livro. França, este é o dia da vingança. Então se prepare para receber a nossa resposta”.

4º) A Portuguesa: O hino de Portugal é bacana, e os versos das duas últimas estrofes são muito legais. Tem o “E teu braço vencedor/Deu ao mundo novos mundos”, mas os melhores mesmo são os “Raios dessa aurora forte/São como beijos de mãe/Que nos guardam, nos sustêm/Contra as injúrias da sorte”. No entanto, os tradicionais “Às armas, às armas/Contra os canhões marchar, marchar” são os responsáveis por eu gostar tanto assim.

3º) Inno di Mameli: Famoso por tocar quase todos os domingos nos pódios das corridas de Fórmula 1, o hino italiano é cativante. A melodia lembra bem uma música italiana, o jeito que os atletas cantam, abraçados, lembra a cultura italiana. Outra peculiaridade é que os versos curtos foram escritos em 1847 por Goffredo Mameli, que na época tinha apenas 20 anos, como a maioria de nós. E, mesmo assim, é um hino mais do que cativante ao ser ouvido.

2º) Hino da Independência: A parte mais famosa deste hino é o seu primeiro verso, infelizmente. O “Já podeis da pátria filho” se tornou o famigerado “Japonês tem quatro filhos”. A melodia foi composta por um sujeito com um nome muito simples: Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, mas o que chama mais atenção, pelo menos para mim, é a segunda estrofe. “Houve mão mais poderosa/Houve mão mais poderosa/Zombou deles o Brasil”. Uma pena não ser o hino oficial. Para mim, é uma canção muito mais intensa do que a cantada pifiamente por aí.

1º) La Marsellaise: Aux armes, citoyens! Formez vos bataillons. Marchons, marchons! Qu'un sang impur abreuve nos sillons! E qualquer coisa que eu escrevesse além disso seria apenas para encher lingüiça.

Um site legal para alguém que estranhamente tiver esse mesmo interesse por hinos nacionais como eu tenho é este aqui. O único ruim é que, assim como em quase toda a internet, as versões do hino são em formato Midi, como se tivessem sido compostas do Guitar Player. E, claro, a letra não é cantada. Uma pena.

Goleada contra: Está redondamente enganado aquele que pensa que apenas o nosso hino nacional é vítima de uma bizarrice como esta. Já ouvi várias vezes que boa parte da população norte-americana não sabe cantar o hino dos Estados Unidos. O pior de tudo não é isso, mas sim quando o intérprete simplesmente se esquece da letra, como neste caso.

Outra coisa que pode acontecer é alguém não muito indicado cantar o hino publicamente. No Pan, o Brasil passou por isso com a Elza Soares cantando uma versão assustadora da nossa canção nacional na cerimônia de abertura dos Jogos. Os EUA não ficaram muito atrás também.

Mas nada se compara a isso, uma jóia rara do acervo do Youtube.

domingo, 26 de agosto de 2007

Mês do desgosto

Há certas coisas que são impossíveis de serem explicadas utilizando palavras. Essa sensação aumenta, pelo menos para mim, nos meses finais do ano. Só consigo perceber que a temporada está chegando ao fim captando alguns sinais que ficam no ar.

Quando acordar, por exemplo, é fácil perceber que os raios de sol que penetram pela primeira fresta a ser aberta pela janela são mais horizontais e dourados do que o comum. É uma coisa legal de perceber, embora praticamente imperceptível.

O segundo fenômeno que melhor caracteriza os últimos meses do ano acontece depois das 18 horas. As noites são mais quentes, ligeiramente abafadas, e em rápidos momentos passa uma brisa agradável pela atmosfera. É o final do ano.

No entanto, o período só era ratificado, pelo menos para mim, ouvindo certas músicas. É verdade. Apenas quando ouvia Beatles e sentia qualquer um dos outros dois sinais de final de ano que eu de fato percebia que o fim estava próximo. Estranho, eu sei, mas são coisas meio inexplicáveis. Assim como ouvir o tema da vitória em uma manhã de domingo na Rede Globo me remete às melhores sensações de infância. Não faz muito sentido, mas é isso.

Só que toda essa salada sensitiva tinha hora para acontecer: nunca antes da segunda quinzena de setembro. Nunca antes. Mas as coisas têm sido diferentes nos últimos anos.

Nos meus cinco primeiros anos de vida, já tinha algo contra agosto. Era o primeiro mês depois das férias de julho, tinha 31 dias e não havia a parada de algum feriado estratégico. Era terrível. Isso sem falar que era o mês mais propício para sediar um acontecimento negativo.

Mas é bem verdade que muita coisa vem mudando de 12 anos para cá, e com agosto não foi diferente. Ontem de manhã, por exemplo, atravessei uma alamedazinha e tive a sensação de que o ano estava mesmo acabando. Achei estranho, já que estávamos em agosto – um mês antes do normal. Fiz o teste correndo: coloquei uma música dos Beatles e ela soou como soaria em setembro, outubro ou novembro.

Estava, assim, constatado: aquele ano, que começou não faz muito tempo, chegava na sua reta final. E mais cedo do que o normal. Muito estranho. Tentei entender por que essa diferença em relação ao tradicional e a única justificativa mais ou menos plausível foi o aquecimento global. Já que quase tudo de bizarro no mundo é culpa dele, dessa vez não deve ser diferente.

No fundo, até que achei legal que a tradição estava sendo quebrada. Pela primeira vez em 19 anos, o final do ano chegara ates. Além disso, agosto havia passado muito rapidamente, praticamente imperceptível como um mês de maio, por exemplo. E o melhor: nenhum acontecimento negativo.

Só que tem coisas que nunca mudam, e agosto sempre vai ser o mês do desgosto, como ouvi minhaavó dizer durante curtos 11 anos. Mesmo que aos 35 minutos do segundo tempo.

Sempre me ensinaram para não comemorar antes do tempo.

sábado, 25 de agosto de 2007

Reencontro

Seu relógio quebrou há alguns meses e ainda não teve tempo de consertá-lo. Talvez por isso não saiba que horas eram quando você chegou ao ponto de ônibus na Brigadeiro Luís Antônio, em frente ao Extra, aquele em que sempre fica para voltar para casa. Deveriam ser 17h30.

Mas assim que você chega ao ponto esquece o horário porque reconhece uma pessoa. Embora estivesse com o cabelo muito mais curto do que o normal e tingido de laranja, lá estava aquela sua ex-namorada com quem você terminou tempos atrás e nunca mais viu desde então. E, pelo menos nos últimos meses, teve vontade de encontrá-la para se explicar e pedir desculpas por tudo. E bem onde você menos esperava, lá estava ela.

Só que a garota não estava sozinha. Estava com muitas pessoas ao seu redor. Logo você reconheceu que eram pessoas da sala dela na faculdade. Aliás, ela não sabia que você sabia que ela fazia faculdade: já haviam se separado quando ela fora aprovada no vestibular, mas mesmo assim você fez questão de acordar cedinho quando divulgaram a primeira lista da Usp e viu que o nome dela estava lá.

Você vai falar com ela, que vira a cara e responde friamente um oi. Ela estava acompanhada com o novo namorado. Você dá os parabéns ao cara e aperta a sua mão. E nesse exato momento o ônibus dele chega e ele vai embora: restam apenas você e a sua ex.

Ela começa a descer a rua com os amigos de faculdade e você vai junto. Surpreendentemente, vocês começam a conversar. Só que ela pára no meio do caminho para falar com uma outra amiga, e você logo escuta ela dizer “acabei de terminar com o Adolfo, ele era um chato. Não tava mais agüentando”. Você finge não dar atenção, e continua andando, mas diminui o ritmo das passadas e permite que ela logo te alcance. É quando você percebe que não está mais na Brigadeiro Luís Antônio, mas naquela rua perto da casa dela, na Saúde.

Os amigos dela decidem fazer uma roda para conversar melhor. Você senta em um extremo e ela, no outro. Separados pro um diâmetro, ela te chama para sentar perto dela. Você senta na frente dela, ela passa o braço em volta do seu pescoço e você sente uma agradável sensação de conforto. Você olha para o rosto dela e percebe que o cabelo dela está lindo como era antes, longo e em um tom ruivo que reluzia ao sol. Quando percebem, estão sozinhos no lugar em que costumavam passar as tardes trocando juras de amor. Então você começa:

“Quanto tempo, né? Então... f-faz tempo que eu q-queria t-te-te falar isso. Nossa, estive ensaiando isso durante tanto tempo, mas agora não consigo começar a falar. É difícil, mas... mas eu vou tentar. S-Sabe, acho que não estava preparado para um relacionamento sério com você naquela época. É. Andei pensando nisso faz um tempo, mas só agora tudo isso pareceu ter sentido. Queria muito te falar isso. Olha, me desc...”

“Não fala nada”, ela pede, colocando um dedo em seu lábio e aproximando o rosto dela ao seu. Ela fecha os olhos, você também.

E aí passa um carro na rua e dispara uma buzina longa e estridente. Você abre os olhos e percebe que não há carro, não há rua perto da casa dela e muito menos garota. A única coisa que você percebe é que está em seu quarto, deitado em sua cama, e que a garota não está com você.

"Cara, eu sonhei tudo isso? Não pode ser", pergunta para si mesmo.

"Claro. Você não volta de ônibus pra casa, lembra?", responde uma voz dentro de sua cabeça. "Bom dia".

E o pior de tudo é que nem deu tempo de você se desculpar.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Viradas de mesa

Confesso que meu maior medo quando entrei na GE.Net era cair na obscuridade da editoria de outros esportes. Embora eu sempre tivesse gostado de acompanhar NBA, F1, os torneios de tênis e algumas coisas como natação durante as Olimpíadas, não me imaginava escrevendo notícias que não fossem sobre futebol.

Nas minhas primeiras semanas, ficava encarregado de fazer as notícias de futebol internacional. Sempre tinha alguma coisa legal, além de eu poder treinar inglês e aprender um pouco mais de espanhol. Era demais ter que fazer futebol, e ficava imaginando como deveria ser chato ser o Mané, cuja pauta continha tudo menos futebol.

Aos poucos, comecei a fazer algumas notícias sobre NBA e outras sobre a F1. Era legal. Semanas depois, comecei a cobrir os torneios de tênis. E passei a gostar para caramba. Meses depois, percebi que estava começando a fazer mais outros esportes do que futebol. E, por um momento, confesso que fiquei assustado.

Mas aos poucos fui percebendo que não era tão ruim ficar com a editoria de outros esportes. Se no começo eu achava que era a coisa mais chata que poderia existir, passei a ver que era a chance para se aprender sobre muita coisa. Além de fugir da pressão do final de semana, por exemplo, com as rodadas dos estaduais ou então dos campeonatos nacionais.

Mesmo assim, estava um pouco inseguro – algo que passou quando eu percebi que era possível fazer uma nota de duas páginas sobre modalidades antes obscuras, como levantamento de peso, esgrima, softbol e caratê. Notei que a falta de confiança sumiu quando falei com o presidente da Federação Brasileira de Esqui Aquático (esporte que eu sequer sabia da existência).

E era engraçado quando algum amigo me perguntava a minha função na redação. “Corinthians? Palmeiras? São Paulo? Ou você só faz times de Minas, Rio Grande do Sul? Espanhol, Italiano, Inglês??”. Respondia “Não, eu só faço outros esportes. Tudo, menos futebol”. E uma expressão de “Puxa, que chato. Tenho dó de você, cara. Mas ó, se precisar desabafar, posso te recomendar um psicólogo” surgia no rosto da pessoa acompanhado de um “Ah, legal”. Por mais que eu tentasse argumentar que um jogo de tênis entre Ana Ivanovic e Nicole Vaidisova ou então um de basquete entre Dallas Mavericks e Phoenix Suns, por exemplo, fossem mais emocionantes do que um Palmeiras x São Paulo, ninguém acreditava.

E foi então que os Jogos Pan-americanos do Rio de Janeiro chegaram. Foram 16 dias de um ritmo estonteante, com uma avalanche de qualquer modalidade que tivesse um brasileiro em ação. O que poderia ser o bastante para uma pessoa surtar passou a ser, pelo menos para mim, o melhor momento na redação. Foi quando acompanhei jogos de esgrima e regatas de remo e canoagem por telefone para não ficar na mesmice dos números finais de resultado.

No último dia do Pan, eu estava de folga. Enquanto meu irmão via o último jogo televisionado e falava “Ainda bem que acabou, agora você quase não vai ter o que fazer no trabalho e vai poder descansar”, eu imaginava o que aconteceria nos dias seguintes. Os outros esportes iriam cair no esquecimento e quase não haveria coisas para fazer. Talvez fosse entediante. Uma pena.

Duas semanas depois, percebi que voltaria para a editoria de futebol (e confesso que fiquei chateado por deixar os outros esportes). O primeiro dia até que foi divertido, apenas com futebol internacional (coisa que eu sempre gostei de acompanhar). Fácil, rápido e divertido. Mas no segundo dia, quando os noticiários de Juventude, América de Natal, Náutico e Sport precisavam da minha ajuda, senti saudade das regatas de remo, com o skiff duplo, e de canoagem, com o K4 1000m .

O futebol havia perdido a graça. Pelo menos o nacional, que passa por um momento terrível em que qualquer cabeça-de-bagre é titular de um time da primeira divisão, que joga com três zagueiros, dois laterais, quatro volantes, um meia (recuado, claro) e um goleiro. Não tinha mais graça. Era mais bacana cobrir judô, basquete nacional, handebol, natação...

Até que fui convocado para estrear nos estádios de futebol: segunda partida da primeira fase da Copa da Sul-americana, com São Paulo x Figueirense, no Morumbi, ontem à noite.

Por mais que os jogos não sejam nem sombra do que eram tempos atrás (sem querer ser saudosista: basta qualquer jogo de 1999, por exemplo) e o futebol nacional esteja em uma situação vexaminosa, não é tão ruim assim.

Atualizado: Depois de escrever tudo isso, saí pela rua tantando me lembrar da partida de futebol mais emocionante que eu já vi na vida. Nada de final de Campeonato Brasileiro, Libertadores, Mundial ou Copa do Mundo. Não, nenhum jogo de Copa do Mundo.

O mais emocionante que eu já vi aconteceu em uma sexta-feira, justamente em 1999. Depois de perder no Maracanã por 1 a 0 a partida de ida, o Palmeiras precisava vencer o Flamengo por 2 gols de diferença para se classificar para a semifinal da Copa do Brasil daquele ano.

Achei esse vídeo, que ilustra bem a partida. Tem alguns erros no texto, então talvez os tempos não estejam relogiosamente corretos. Além disso, eles não passam uma bola que o Flamengo meteu na trave aos 49 minutos do segundo tempo. Mesmo assim, vale conferir clicando aqui.

Mas, claro, também seria uma injustiça não citar este. Lembro que não consegui dormir depois dessa noite, de tão eufórico. Destaques do vídeo: a entrevista do torcedor corintiano logo no começo, o golaço do Alex, a consagração de Galeano (que virou um dos meus ídolos a partir de então) e a cara do apresentador do programa na última cena.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Final (nem sempre) feliz

Chegar ao final de um livro muito bom é algo triste. É quando você sente um enorme vazio no peito (que, tomadas as devidas proporções, até lembra a sensação de ter que se 'desapaixonar' por alguma garota). Assim que a última página é virada, você percebe que gastou talvez centenas de horas em uma leitura muito boa e que as páginas foram devoradas irracionalmente. Em momento algum você pensou que a história, um dia, chegaria ao seu fim e que aquele assunto estaria esgotado.

Ler livros sensacionais causa um trauma muito difícil de ser superado. É complicado manter o mesmo ritmo de leitura em um livro novo, e o pior: tudo o que for lido a partir de então vai parecer ser mais fraco. E, talvez, chegue um momento em que você sinta raiva do novo livro por ele não ser tão bom como o antigo. E, dependendo do caso, pode acontecer de você ficar meses sem conseguir terminar um livro.

Você simplesmente perde o rumo durante algumas semanas. Quando não tiver nada para fazer, não adianta recorrer àquele livro que você tinha acabado de ler, porque ele não vai estar mais ali. Quando andar de metrô, não adianta revirar a mochila, porque o livro ficou guardado na estante, ao lado de muitos outros que você já terminou e não tem vontade de reler. Por mais que alguns detalhes sejam entendidos em uma releitura, é sempre divertido em em busca de um novo desafio. O problema é quando ele não vem.

Digo isso por experiência própria. Quando tinha oito anos, descobri que o Walt Disney fazia almanaques de 300 páginas de gibis pelo mesmo preço que uma revistinha normal da Turma da Mônica, que, com muita sorte, atingiam as 40 páginas. Minha mãe, que financiava minha leitura naquela época, achou ótima a descoberta e passou a patrocinar também as minhas leituras do Pato Donald.

Naquela época, porém, sentia algo esquisito quando terminava, por exemplo, um especial 1996 do Natal do Pato Donald. Não era a mesma coisa pegar para ler um apanhado de histórias do Mickey, por exemplo. Era sempre algo diferente, cuja adaptação demorava um bocado para acontecer. Mas sempre acontecia.

Aos poucos, fui crescendo e trocando as histórias em quadrinhos por alguns livros. E a mesma sensação de vazio quando virara a última página de uma história legal continuava. No final do último ano, a coisa continuou. Comecei a ler Olhai os lírios do campo, do Veríssimo-pai, e em poucos dias acabei a sensacional história. Foi triste não saber o que ler em seguida, algo que pudesse manter o nível da trama de Eugênio, Olívia e Anamaria. Nem mesmo as crônicas do Veríssimo-filho, sempre geniais, me despertavam tanta vontade de ler.

Até que um dia me indicaram um livro do Marcelo Rubens Paiva. Li e achei bem legal. No mesmo dia que acabei de terminar, fui a um sebo e comprei outros dois escritos por ele. E assim foi até chegar ao Malu de bicicleta, talvez o melhor que ele já escreveu. Quando a história se encerrou, também percebi que havia lido todos os livros do MRP em menos de seis semanas. Foi difícil encontrar alguma coisa tão boa quanto. Li uns três ou quatro muito bons logo em seguida, mas que perderam um pouco de sua essência por não serem iguais à série do Paiva.

Minha sede pela leitura voltou em junho, quando tirei dois ou três livros do fundo da estante improvisada. Retomado o ritmo frenético de leitura, tomei coragem para comprar o último capítulo de Harry Potter, com exatas 759 páginas. Saí da Fnac com a sensação de que tinha jogado dinheiro fora, porque não estava preparado para encarar algo daquele tamanho – e muito menos em inglês. Ledo engano: em sete dias, tudo chegou ao fim depois de um ritmo alucinante de leitura que me surpreendeu de verdade.

Senti, então, que estava pronto para ler muitos livros nas semanas seguintes. E pela segunda vez me enganei a respeito do assunto. Peguei um na biblioteca da faculdade e li as primeiras páginas no metrô. O assunto da história é muito bom, mas a tradução feita é muito ruim. Terrível, se for o caso.

Ainda assim, venho tentando aos poucos terminar de ler essas 170 páginas. Não sei por que, mas sinto que não vou conseguir. Mesmo tendo renovado há instantes o empréstimo para mais uma semana (a terceira no total). Não é a mesma coisa. Nunca é.

domingo, 19 de agosto de 2007

Blackbird

Já pensou em fazer compras no supermercado e não ter que encontrar aquela fila quilométrica mesmo que no caixa rápido?

E que tal dirigir tranqüilamente por qualquer travessa, alameda, rua, avenida ou via expressa de uma megalópole sem ficar preso em engarrafamentos monstruosos? Ou então fazer alguma tarefa importante, como ler um livro, sem ser importunado por intempéries que tiram a concentração de qualquer um... ?

Tudo isso parece impossível, ao menos nos primeiros anos do século 21. Pelo menos é, para as pessoas normais que vão se deitar logo após a Grande Família para acordarem minutos antes de Bom dia, São Paulo. Para alguns outros esquisitos, existe o período em que o mundo comum dorme profundamente, entre meia-noite e sete da manhã.

Madrugadas são legais. É justamente nesse período inóspito que as grades de programação de televisão e rádio atingem o topo não de audiência, óbvio, mas de qualidade. Ou pelo menos em alguns canais. Isso sem falar em todos os benefícios que impedem crises catatônicas que uma atividade corriqueira comum pode produzir.

Quando pequeno, tinha medo da madrugada. Por volta de 1993, quando eu me preparava para entrar na escolinha, meu pai dizia que a bruxa Reizel saía de sua casa à meia-noite a fim de assustar as pessoas que ficavam acordadas até muito tarde. Para uma criancinha que jamais dormia depois das 20h30, e sempre estava na cama minutos depois do Tintin, ficar acordado até depois da meia-noite era algo a ser desfrutado apenas para quem fosse realmente corajoso.

Mas tudo mudou depois da primeira vez em que ultrapassei a barreira da virada de data. Se bem me lembro, foi em um bingo beneficente em 1995 do hospital em que a minha mãe trabalhava. Embora tivesse a vontade fe voltar para casa antes das 0 hora, me senti uma das pessoas mais valentes da face da Terra por voltar para casa, ainda que de carro ao lado da mamãe, por volta da 1 da manhã. São e salvo.

Aos poucos, meu relógio interno foi se adaptando ao novo mundo. Claro que, estudando de manhã, não era sempre que podia apreciar a madrugada. Mas sempre dava para curtir um pouco, como quando saía com amigos e, para não ter que acordar os pais de ninguém para voltar para casa, simplesmente andávamos. Sem perigo algum, mesmo que às 4 da manhã. Pelo contrário: era muito mais seguro. Bastava usar a lógica: “Ladrão que é ladrão de verdade assalta até uma da manhã, no máximo duas. Aí sim que é perigoso. Depois, todo bandido vai dormir. Ninguém é trouxa de ficar na rua até esse horário”. Sempre funcionou.

Assim, quando fui incumbido de fazer as compras de casa depois da separação dos meus pais, sempre ficava de saco cheio com as filas enormes nos caixas. Com 16 anos, descobri que tudo era mais legal de madrugada. Os corredores eram mais vazios e as filas, inexistentes.

Ler ou assistir a um filme, então, é uma maravilha. Tudo calmo do lado de fora, quase nunca há barulhos. Até para estudar é um horário interessante. E se você porventura se encher dos estudos, tem ótimas opções com os meios de comunicação.

A Globo, por exemplo, atinge o ápice com o Programa do Jô – o melhor da emissora, a meu ver. Depois, o Intercine ou o Corujão às vezes mostram um filme interessante, se o telespectador levar sorte. Na seqüência passam alguns seriados que você nunca imaginou ver na vida (muito menos no canal 5), mas que no fundo são legais. E é na madrugada que começa o Telecurso 2000, uma das coisas didáticas mais bacanas que existe.

Mas é no Boomerang que os desenhos animados mais divertidos vão ao ar: Pica-Pau, Pantera Cor-de-rosa, Pernalonga & Patolino, Popeye, Garfield e Formiga Atômica. Para quem não agüenta mais ver os desenhos japoneses que viraram moda apesar da qualidade questionável, é sempre uma boa.

O bom e velho rádio AM também é uma opção legal. Quando o futebol não come a grade da Jovem Pan, o Thiago Gardinali vai ao ar no Rádio ao vivo. É um programa de variedades com uma porrada de serviços e dicas de entretenimento e lazer. Além disso, sempre há entrevistas com artistas ou especialistas de determinada área sobre algum assunto interessante. A CBN também tem um no mesmo estilo, mas gosto mais do da Pan.

O único ruim é que o programa acaba cedo, às 2 horas, e logo em seguida entra em cena o Jornal da Madrugada. Mas se engana quem pensa que vai ouvir notícias: nos primeiros minutos, a locutora anuncia a reprise do Esporte em discussão, com os comentaristas mais antiquados, quadrados e insuportáveis do rádio brasileiro (com exceção feita ao Carsughi, que às vezes faz algumas análises bem embasadas). E o quebra-pau esportivo fica uma hora aporrinhando até que, enfim, começa o noticiário.

Outra coisa legal pra caramba rola na sempre boa Eldorado. Terça às 2 horas, quinta às 3 e domingo às 5, entra em ação o Plug 700. Apresentado e comentado por Pierluigi Piazzi e Tarcisio de Carvalho, o programa dá várias dicas de informática a tapados virtuais como eu e você, que sempre xingamos a família da CPU quando o computador trava ou pensamos em acabar com todos os hackers do mundo quando o PC pega um vírus letal. Mas mesmo que você não se interesse por informática, o programa é legal também para quem quer apenas ouvir um bate-papo bem humorado.

Claro, há um preço a se pagar por tudo isso. Notívagos sempre perdem as manhãs, que são sempre alegres e infinitamente aproveitáveis, seja tomando o café da manhã com a família ou lendo o jornal.

E, embora as antemanhãs sejam fantásticas, existe um porém: assim como o domingo inteiro, a madrugada do pior dia da semana não foge do título e é a mais fraca de todos os dias da semana.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Sensações

Se visse na rua, talvez não me lembraria de uma ex-namorada em um final de tarde de sábado. Mas o tempo nem um pouco estável de São Paulo fez com que eu passasse algumas horas recordando de alguns meses que eu passei ao lado da tal garota alguns anos atrás.

Tudo isso aconteceu porque, de repente, a cidade perdeu o sol e a temperatura caiu alguns muitos graus. Bem preparado, saquei da mochila uma blusa de moletom e passei os minutos seguintes com a sensação de que algo estava acontecendo, embora eu não soubesse exatamente o quê.

Demorou para eu entender. Apenas uma hora depois, quando coloquei o primeiro pé dentro do condomínio, me dei conta da razão da sensação de estranhamento. Havia emprestado o agasalho para alguma amiga no começo da semana e esta era a primeira vez que usava depois que ela me devolvera. E uma coisa é certa: qualquer garota que veste uma blusa sua, mesmo que sem querer, acaba deixando um aroma agradável no tecido.

Coincidentemente, o perfume que a minha amiga estava usando quando pediu o moletom emprestado era o mesmo que uma ex-namorada minha usava. Mas só percebi isso quando, ao mesmo tempo, senti o cheiro do blusão e lembrei que em um sábado sem sol e um pouco frio de alguns anos atrás eu havia passado com a ex-namorada em questão no meu condomínio.

E, por um certo tempo, lembrei de todo o tempo em que havia ficado com a garota. Bons meses, mas que terminaram porque um moleque de 16 anos sempre toma decisões impulsivas.

Por um momento, senti saudades da garota que, além de legal, usava um perfume um pouco doce demais, mas bem agradável. Até pensei em ligar para ela para dizer, sem nenhuma intenção que não fosse simplesmente dizer 'E aí, como você tá? Então, lembrei de você hoje '.

Mas lembrei que, em ato de impulso cometido por um moleque de 16 anos depois de terminar um relacionamento, o telefone dela havia sido apagado de todos os lugares em que eu havia anotado.

Por trás da interrogação: Vi hoje, pela primeira vez, um comercial que, com certeza, vai ser veiculado incessantemente nas próximas semanas. Algum carro vermelho misterioso vai ser lançado e a montadora, que não se identifica, decidiu fazer mistério e atrair a atenção de todos os espectadores de televisão.

Uma coisa me chamou a atenção na propaganda, que normalmente não receberia muito da minha atenção por eu achar que carro é quase tudo igual. A trilha sonora do anúncio era o começo de uma música do Shout out Louds, uma banda sueca que, segundo o orkut, apenas 88 pessoas conhecem (89, caso eu fizesse parte da comunidade).

Claro, levei um susto quando ouvi o riff animado no comercial. Até hoje, não fui apresentado a ninguém que conhece o grupo escandinavo, cujos sons são diferentes, mas muito bons. Mas achei legal que, quando um ponto de interrogação apareceu na tela fazendo com que todo o público alvo se mate de curiosidade, pelo menos uma coisa eu já sabia: o som era de Shut your eyes.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Sociedade secreta

Descobrir algo novo no restaurante onde você almoçou em 190 dos últimos 240 dias faz com que seu mundo se torne, no mínimo, diferente.

É como se o sentido da vida se revelasse a troco de uma singela coincidência: todos os trabalhadores da Cerqueira César decidiram almoçar ao mesmo tempo naquela segunda-feira. O piso térreo, que antes chegava a ficar apinhado, mas sempre reservava uma mesa livre para uma refeição tranqüila, tinha pela primeira vez em muito tempo (talvez anos) estourado o limite de capacidade.

Nessas horas, um simples mortal ficaria parado mo meio do salão com uma bandeja na mão e um olhar vago, na simples esperança de que alguém com nobre coração se levantasse e cedesse uma mesa. Mas não é o que acontece no mundo real, meu caro.

E é em um momento como este em que um olhar faz toda a diferença. Um olhar e uma mulher subindo aquela escada, quase escondida, localizada em um dos corneres do restaurante – aquela mesma escada que você pensava ser de uso apenas para funcionárias e pessoas autorizadas.

Sem poder almoçar e com fome de aventura, a única coisa que lhe resta é seguir a tal mulher. Bastam alguns degraus para que a sua visão de mundo (e de restaurante) mude: você descobre um piso superior, com muitas mesas vazias e pessoas almoçando normalmente.

Normalmente? Hmm, nem tanto. Apenas alguns passos são necessários para que a primeira diferença seja notada: a televisão, que no térreo fica sintonizada na Globo mostrando o Video Show, no andar superior exibe as Aventuras do Pica Pau. A versão antiga, que passava no SBT durante as manhãs e que depois foi comprada pela mesma emissora global, que fez com que o simpático e cínico personagem caísse no esquecimento, e não aquela estragada pela Disney. Mas o importante é que, agora, seria possível rever o seu desenho animado preferido ao longo da infância enquanto almoçava aos 19 anos. Claro, sentindo uma leve nostalgia de algo que lembrava a casa da avó depois das aulas do primário.

Com mais uma pequena andada pelo novo ambiente, mais uma novidade. Se antes você achava que ninguém do seu senso comum almoçava naquele self sevice, agora as coisas seriam diferente. Por mais estranho que possa parecer, você passa a reconhecer algumas faces que freqüentam o restaurante. Dois caras do RH do seu trabalho, uma garota do período da manhã da faculdade com quem você costuma cruzar no elevador e até uma pessoa que você viu no metrô em alguma manhã da semana passada. Quem diria, eles também almoçam por lá!

Quando você enfim encontra a sua mesa (que estava ali te esperando há muito tempo), percebe que, diferentemente do piso térreo, o novo andar tem bisnagas de catchup e mostarda à disposição. Embora você não use os tais condimentos no arroz com feijão, é sempre bom saber que eles estarão lá no caso de uma emergência.

Depois da refeição e do épico episódio do Pica Pau desce as cataratas, mais uma gratificante surpresa: a fila do caixa é mais rápida – muito mais do que no térreo. E a funcionária sorri, algo que você jamais imaginou que seria permitido aos proletários daquele lugar.

E, para terminar, depois de pagar a conta, você ainda ganha um carimbo na nota fiscal. Algo que realmente o diferencia da população normal.

Após essa descoberta, você sai do restaurante e se sente gratificado. Como se tivesse acabado de entrar para uma sociedade secreta.

domingo, 5 de agosto de 2007

Reunião em família

Era o aniversário de 21 anos da Andressa, a neta mais velha da Dona Teresinha. A garota, hoje adulta, decidiu fazer as comemorações em um bar em Moema, bairro cujas ruas são todas iguais. Os ambientes de lá não fogem ao jargão também.

O dia era especial – nada melhor do que comemorar o aniversário em um sábado. Deu para reunir a família inteira (primas, primos, tios, tias e até a avó de 78 anos) em volta de várias mesas do Elephante’s. A reunião era bem perto do palco improvisado do bar, onde dois caras tocavam Oasis com um violão e um pandeiro meia-lua.

Reuniões em família são sempre iguais. Por mais que todos os filhos já tenham filhos e os netos tenham mais do que 15 anos de idade, parece haver alguma coisa que faz com que todos os encontros tenham a mesma cara. E no aniversário da Andressa não foi diferente.

A irmã mais nova da Andressa, que não muito tempo atrás havia completado 17 anos, fez questão de sentar ao lado de um primo, que acabara de tirar habilitação. A conseqüência disso era que os pêlos que o garoto havia conseguido – com muito esforço – cultivar no queixo eram motivos de inúmeras carícias por parte da garota. Os pais do provável futuro casal de primos, no entanto, achavam tudo isso engraçado – cada vez mais, à medida que o chope era sorvido das tulipas.

O tio caçula, o único dos cinco irmãos que ainda não havia se casado, pedia alguns drinques de Martini e fumava Marlboro Light. Mas estava tentando parar, porque acoplava aqueles filtros de plástico aos que já vêm com os cigarros. Mesmo assim, sempre acendia um após ficar vermelho por não saber responder às perguntas da mesa: “Tá na hora de arranjar uma esposa, não acha?”.

Quase todas as primas da Andressa já tinham mais de 18 anos e já estavam namorando. Elas fizeram questão de levar os namorados à confraternização. Cada casal trocava beijos tímidos entre inúmeras juras de amor. Todos da mesa achavam tudo isso muito lindo, menos a tia Isabel, que já estava divorciada há alguns anos e dizia que essa coisa de amor era tudo bobagem.
Alheia a tudo isso e talvez um pouco deslocada do restante da família estava a Dona Teresinha, que embora gostasse de ficar em casa à noite tomando chocolate quente, fez questão de ir à festinha de sua primeira neta. Poucos prestavam atenção na velhinha, que, por trás dos óculos de lentes grandes, olhava interessada para tudo o que acontecia em volta.

Mas ninguém falava com a Dona Teresinha. Percebendo isso, a mãe da Andressa decidiu pedir uma porção de calabresa para a velhinha, que começou a comer como as avós devem ter aprendido a fazer: retiram o miolo das fatias de pão e comem. Depois, colocam, com um garfo e com toda a destreza que apenas uma avó sabe, os pedaços de lingüiça dentro do pão e mordem. A Camilinha, mais novas das netas, fez questão de puxar uma cadeira para se sentar ao lado da avó. E as duas ficaram muito tempo conversando.

A festa tinha tudo para ir até muito tarde. Mas reuniões em família acabam sempre da mesma maneira: a tia Isabel acabou bebendo demais e não conseguiu ir ao banheiro sozinha. Teve que ir amparada pela Camilinha, que, apesar dos 16 anos, conseguiu sustentar a tia. E então todo mundo decidiu que era hora de cantar parabéns e se despedir.

Aos poucos, o grande encontro foi chegando ao fim. E, à medida que iam embora, todos davam longos e efusivos abraços à Dona Teresinha – de longe, a mais querida de toda a família.

Bares de São Paulo são legais. E se, durante alguns minutos, a conversa na sua mesa não estiver 100%, dá pra observar, entre um chope e outro, o que acontece na mesa ao lado. Sempre tem alguma coisa interessante, como o aniversário da Andressa.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Caos

Da quinta série ao terceiro colegial, estudei em um colégio que ficava a cinco estações do metrô de distância da minha casa. Como moro com meu pai e ele não tem carro e odeia dirigir, sempre fui freqüentador assíduo do coletivo subterrâneo.

Uma vez, quando eu estava na sexta série, houve um boato de que os metroviários entrariam em greve. No dia seguinte, batata: paralisação geral.

Acordei por volta das 9 horas daquele dia e perguntei ao meu pai por que ele não tinha me acordado para ir à escola. “Greve do metrô. Nem compensa sair de casa, a cidade tá um caos. Os ônibus também tão piores que lata de sardinha. Fica aqui que você ganha mais”, ele disse. Fiquei jogando videogame e vendo pela tevê a zona que São Paulo estava .

A partir desse fatídico dia, passei a apoiar a causa dos metroviários. Pegava todos os panfletos que a CUT entregava na porta das estações e torcia para que surgisse a possibilidade de greve. Até imaginava como seria possível plantar um boato que forçasse uma falta minha à escola. Nunca tive uma idéia bacana, então ficava na esperança de uma paralisação a qualquer momento.

Da última vez que o metrô fez greve, uns dois meses atrás, comecei a mudar o meu conceito a respeito dos metroviários. Depois de aterrorizarem a população com uma paralisação relâmpago de uma hora na semana anterior por causa da então desconhecida e hoje obscura Emenda 3, alguns dos responsáveis foram demitidos. Reivindicando a volta dos revoltosos, a corporação decidiu parar em uma quinta-feira durante algumas horas. No dia seguinte, ninguém mais se lembrava da tal emenda.

Resultado: levei 2h30 para fazer de ônibus (lotado como uma lata de sardinha, como disse meu pai) um percurso que eu normalmente levo 25 minutos em um dia normal de metrô. E o pior: um percurso que pode ser completado em 1h40 a pé. A pé!

Hoje, minha mãe me mandou uma mensagem no celular: “Greve do metrô amanhã. Saia mais cedo de casa. Bom trabalho. Te amo”.

Há dois anos, daria pulos de alegria por sucessivas greves do metrô. Hoje, no entanto, a coisa mudou um bocado.

E uma dúvida: será que não seria mais fácil fazer um pacote de reivindicações? Não é por nada não, mas acho que algumas das 2,5 milhões de pessoas que serão prejudicadas mais uma vez agradeceriam.

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Rapidinhas

Curtindo adoidado:
Foram 14 dias de trabalho em um ritmo alucinante. No último deles, uma surpresa: misteriosamente, ganhei três dias seguidos de folga. Na hora, pensei em umas 15 cidades para onde eu pudesse me retirar durante 72 horas. Quase acabei visitando uma amiga que se mudou para Pedro Osório, cidade interiorana gaúcha que fica muito, muito perto da fronteira com o Uruguai. Obviamente, acabei ficando em casa. Nos três dias.

45 do segundo tempo: Para não dizer que não fiz nada, matei a saudade de jogar bola com os ‘velhos velhos’ amigos do condomínio. No último dia, que também era o derradeiro das férias de muitos deles, surge a idéia de tomar uma cervejinha depois do futebol, conversando sobre nada. Um deles disse que tinha uma garrafa de vodca já aberta e sugeriu que fosse terminada. Nunca gostei de vodca, mas acabei aceitando. O saldo final foi composto por muita conversa, disputas emocionantes de baralho e cinco moleques bêbados de madrugada.

Needles and Pins: Incrível como o mundo muda de acordo com a ressaca. De manhã, acordei com o despertador fantasiado de banda de fanfarra no quarto. Saí na rua e todos os carros buzinavam ao mesmo tempo e em um som mais alto do que o normal. O assunto das pessoas no metrô me deixava enjoado. Depois, a dor de cabeça passou, o sol surgiu e os sons voltaram ao volume habitual. Até começou a tocar um som bastante agradável do Ramones que eu não ouvia há uns três anos, mas cuja letra eu surpreendentemente lembrava de cor.

Não dá certo: Entrevista. De um lado, um estagiário de 19 anos e com exatos 1,70m. Do outro, Nenê Hilário, ala/pivô do Denver Nuggets e da seleção brasileira de basquete, de 2,11m. Nunca me senti tão desprovido de tamanho.

Logo ali: Depois do glorioso Fernando Vanucci soltar a clássica ‘A África do Sul é logo ali’, agora foi a vez de um dos maiores jogadores de basquete da atualidade, o ala Shawn Marion, revelar todo seu conhecimento geográfico ao cravar a Espanha no continente americano. “Which countries do you think that can clinch a berth on the Olympic Games by the America’s Cup?”, perguntei com todo meu sotaque de imigrande paquistanês. “I can’t tell you one team or two, man. I mean, there will be a lot of strong teams playing later this month and it’s quite hard to make a chose. I have us (ele quis dizer a seleção dos EUA), Brazil, Argentina, Porto Rico, Canada... and you can’t forget Spain”, respondeu. “Oh... yeah, for sure. Well, thank you, Shawn”, agradeci. Pelo menos era um cara bacana.