quarta-feira, 22 de maio de 2013

Mágoas de um casal


Há algum momento na vida em que os gestos corporais vão além do poder das palavras – afinal, as palavras nada mais são que um emaranhado de letras para representar algo que não sabemos exprimir.

Mas não falo de linguística, senão do casal de noivos que viajavam de trem. Ele, cabisbaixo, pernas abertas no banco do corredor; ela, com um olhar vazio para as paisagens murchas do subúrbio da cidade grande, as pernas retraídas e a testa apoiada contra a janela fria. Os olhos, verdes, tristes. O semblante, trancado.

Ele até tentava algum tipo de comunicação, mas desistia cada vez que ela respondia com um sacudir de ombros ou de uma torção da lateral dos lábios, como se soubesse todas as respostas e não lhas quisesse dar. Ele, então, apertava um dos cantos da boca e se limitava a baixar os olhos para a tela do celular, besuntada do suor dos polegares que a corriam de cima a baixo desesperadamente.

Não sei o que, especificamente, mas ele havia feito algo. Se lhe notava pelo ar arrependido que ostentava a contragosto. E ela, orgulhosa como o brilho dourado dos cabelos para trás, não estava disposta a ceder.

Tudo isso acontecia sem legendas, em qualquer idioma que eu não saberia compreender. Mas tampouco era necessário. Bastava observar aqueles dois para saber que as coisas não iam bem. Especialmente depois que ele tentou lhe tocar os cabelos e ela se esquivou como quem foge de um perigo iminente.

Houve, porém, um esboço de reconciliação. Quando ele, tímida e meticulosamente, cruzou os braços e apoiou a mão direita sobre o encosto da cadeira dela. Sorrateiramente, um de seus dedos rastejou por um vazio imenso até tocar a última falange de um dedo desavisado dela.

E, nesse mínimo contato, estiveram próximos. Próximos como um filho recém-nascido que agarra com todas as forças que ainda nem tem um pequeno pedaço de dedo daquele a quem em algum momento chamará de pai ou de mão.

Ele até tentava aproximar seu polegar para lhe acariciar aquele mesmo dedo, mas era refutado a cada oportunidade. Até que uma coceira na cabeça lhe colocou tudo a perder: os dedos se desencostaram e se distanciaram, para não voltarem a se tocar naquela viagem.

Voltaram a ser dois desconhecidos com uma mágoa em comum.

Ele girou a aliança de ouro branco no anelar direito. Pesava-lhe.

Ela observava a pedra brilhante que brotava sobre o anel de prata que levava no dedo médio esquerdo.

Talvez também não queira se casar.

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