terça-feira, 26 de março de 2013

Amor de ferrovia

Volto em um trem enquanto desenho desleixadamente algumas letras sobre o papel, a fim de tentar manter este momento por muito e muito tempo. E para ter uma desculpa para pairar com a caneta no ar fingindo pensar em alguma palavra que se me haverá escapado, e assim poder olhar com os dois olhos fixos para o rosto da garota curiosa que me observa desde que estávamos na plataforma de embarque.

Pensará que escrevo sobre ela. Não está de todo errada. Mas talvez queira saber o conteúdo (vazio) das palavras que imprimo com velocidade sobre o papel.

Escrevo que observo teu cabelo loiro que foi preso com pouco capricho e se transformou em um rabo de cavalo que me cativa a cada olhar. Estudo com minuciosa atenção teus enormes olhinhos azuis que às vezes se escondem em um dos cantos do teu globo ocular quando me queres mirar.

Me divirto com tua jaqueta bege e tua calça verde, que, combinados à tua pele branca e ligeiramente rosada, te fazem parecer um duende. Sorrio para você cada vez que te imagino duendeando por aí.

Também me encanto com teu lenço preto enrolado no teu pescoço. Te dá um certo ar arrogante de superioridade, que não trai a tua fisionomia fechada. Admiravelmente fechada. Irritantemente fechada.

E tuas meias cor de rosa, que se sujam posando o chão e destoam de todo o teu visual neutro, me enternecem. Me fazem querer sair do anonimato e te convidar para dar um passeio à beira-mar. Nos sentaríamos em algum banco do porto e eu encaixaria a minha cabeça no teu ombro, enquanto passaria meu braço pela tua cintura para te sentir minha e apenas minha.

Escrevendo isso decidi te fazer este convite e ofereci meu camarote com vista discreta para você a uma senhora em pé ao meu lado. Então me aproximaria de você, te sorriria, exageraria no meu sotaque e te faria rir.

Mas a velhinha não quis se sentar. E eu achei melhor me apaixonar apenas secretamente por você.

Então, bonita, vou parar de escrever agora. Estamos chegando à nossa parada e quero aproveitar nossos últimos minutos juntos te olhando mais descaradamente.

Até nunca mais.

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