domingo, 26 de outubro de 2008

Rock na escola

Tardes quentes de domingos me fazem ficar em casa quando estou de folga, apenas esparramado sobre o sofá em busca de algo na televisão que não seja tão corrosivo para a minha cabeça. Desta vez, sem futebol na televisão por causa das eleições, encontrei Escola de Rock em um dos Telecines. Maravilha.

Acho que foi a quarta vez que vi Escola de Rock, e, como sempre, tive aquela sensação de tirar minha guitarra e meu amplificador de cima do armário e arriscar alguns acordes. Mas, além disso, acabei me lembrando de um dos meus shows mais incríveis. Como nunca falei dele, vamos lá.

Era uma manhã de final de maio ou começo de junho, sexta-feira. Meus amigos de sala e eu, já no terceiro colegial, tínhamos resolvido nos inscrever no show de talentos da semana olímpica da escola. Depois de muitas idéias e desavenças quanto ao nosso repertório (todos eram metaleiros, menos eu), chegamos a um meio-termo que pudesse agradar não só ao pessoal da banda como aos jurados. Iríamos tocar duas músicas do Mamonas Assassinas e, por fim, Rock and roll all nite, do Kiss.

Apareci no colégio logo cedo, umas 7 da manhã, com a minha guitarra nas costas. Andei pelo ginásio praticamente vazio e subi para a sala de aula, onde estavam algumas amigas minhas – uma delas era minha grande paixonite da época, mas não estávamos nos falando já tinha algumas semanas. Depois o resto da banda chegou, assim como as meninas que iriam nos maquiar (parece coisa de viado, eu sei) e fomos para o salão nobre. Vazio, vazio.

Subimos para a coxia e lá começou toda a produção. Desenho aqui, tinta branca ali e acolá, mais tinta branca, pintura preta... peruca (eu era o único que não tinha cabelo comprido), batom (peraí, eu não vou passar batom! Vai, Held, o Chitão também passou. Tá bom, tá bom)... cabo, pedaleira, fonte da pedaleira... guitarra desafinada, afinação… palhetas, onde estão as minhas malditas palhetas puta que o pariu? Ok, uma aqui, uma ali... ok, achei minhas três palhetas. Esparadrapo nos dedos da mão direita (eu sempre me ferro tocando guitarra)… vocês são a próxima banda, vamos lá.

Achei que o salão estaria vazio, já que era manhã de sexta-feira e a presença dos alunos não era obrigatória na semana olímpica. Mas, assim que pisei no palco, vi o salão completamente tomado. Quanta gente tinha ali? 200? 300? Eu chutaria 300, tinha bastante gente em pé. Logo na primeira fila, no entanto, estava aquela tal paixonite. Do alto do palco tentei disfarçar, mas... ok, ela estava na minha frente.

Começamos a tocar, com muito pouca iluminação. Chopis Centi e Jumento Celestino correram bem, sem erros crassos ou acontecimentos fantásticos. Até que as luzes todas se apagaram por completo, o baterista fez a introdução, as guitarras entraram... as luzes piscaram e todos viram que estávamos vestidos de Kiss, tocando Kiss. Uh-la-lá.

Eu, na época, era bem tímido. Muito, muito mesmo. Mas perdia por completo a timidez quando estava em cima de um palco e com a minha guitarra pendurada. E, naquele momento, não tinha resquício algum de timidez ou insegurança. Tanto que, quando estávamos para chegar ao refrão, sugeri por meio de sinais para o restante da banda que ninguém cantasse ou tocasse, exceto o baterista. Deu certo, e o salão inteiro levantou e começou a cantar com a gente. Eu me senti um rock star.

Pouco depois chegou o meu solo. Dei alguns passos para a frente, fui para a beirada do palco e, quando vi, estava pertinho da minha paixonite. Tentei não errar, consegui. Ouvi um elogio da paixonite, dei um sorriso. Putz! Depois o show infelizmente acabou, recebemos aplausos e mais aplausos. Voltei para a coxia, tirei a peruca, limpei o rosto e saí do salão. Em êxtase, ainda.

Nunca fui lá muito popular no meu colégio, admito. Mas naquele dia foi incrível como tanta gente me reconheceu. Até uma menina da oitava série por quem eu tinha uma paixãozinha platônica me parou, perguntou “você era aquele cara que tocou Kiss agora há pouco, né?”. Respondi que sim e ela logo emendou “nossa, você tocou muito, adorei. Parabéns”. Era meu auge, eu estava no topo do mundo e da cadeia alimentar. Eu era um fenômeno.

Curti um pouco meus 15 minutos de fama e voltei para casa. Feliz, feliz da vida. Tínhamos ficado em segundo lugar no show de talentos e fomos convidados para nos apresentarmos na apoteose. Mas a essa segunda apresentação a paixonite não pôde ir. E eu, particularmente, não me senti tanto rock star.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Reaprendizado

Eram parceiros de almoço, os dois amigos. Todos os dias, no mesmo horário, se encontravam no mesmo lugar de sempre para irem almoçar e depois entrarem no trabalho.

Um dia, um dos amigos não apareceu. Era quinta-feira, fim de verão. O outro parceiro estranhou. Pegou o celular, caçou o número do outro na agenda e ligou, quase que preocupado, para saber o que havia se passado. Três toques depois, uma resposta.

“Opa. Fala, cara! Você não vem almoçar hoje?”.
“Ih, cara... foi mal, já almocei”.

“Beleza. Já tá vindo pro trabalho, onde você tá?”.
“No shopping”.

“Onde?”
“Muito, mas muito longe”.

“Onde fica isso?”
“Pega a Marginal, depois você vai na saída da Ayrton Senna. Anda uns 100 km e você chega”.

“Como assim, cara?”
“Tô de folga, velho. Vim viver um pouco”.

Um estalo de beijo.

”Bom, ela saiu do banheiro. Tô indo pro cinema, bom trabalho aí”.
“Parabéns, cara, hahaha! Aproveita!”.

domingo, 19 de outubro de 2008

Horário de verão

Um dos posts mais non-senses já escrito por aqui dizia respeito à mudança do horário de verão para o horário convencional. Besteiras à parte, sinto inveja quando releio meu relato sobre o ‘dia das 25 horas’ e percebo como eu estava com idéias de sobra para escrever bobagens – ainda mais em uma época de vacas magérrimas deste blog.

Mesmo assim, faço um parto forçado para relatar uma singela experiência sobre o outro solstício artificial criado pela estranha humanidade – aquele do dia mais curto do ano, quando adiantamos nossos relógios em uma hora para, teoricamente, gastarmos menos energia elétrica.

Era noite de sábado, eu tinha saído da redação, peguei o carro no estacionamento. Dirigir alguns quarteirões e fui até a Bela Cintra, onde teria o aniversário de uma grande, grande amiga. Eu, tolo, imaginei que encontraria vagas a torto e a direito nas alamedas do Jardins próximas à Paulista e perto do bar, mas sequer pensei que seria impossível encontrar um espaçozinho sequer para o meu singelo bólido.

Rodei várias vezes por vários quarteirões em busca de uma vaga, mas nada. Acabei me rendendo a um estacionamento Estapar na Haddock Lobo, a uma quadra do bar ao qual eu iria. E, acostumado ao Estapar 24 horas ao lado do trabalho, apenas entreguei a chave ao manobrista e peguei o comprovante. Até que ele me avisou.

- Senhor, fechamos às 3 horas, ok?
- Humm, acho que não vou ficar tanto tempo assim no bar, mas... ih, me explica. Vocês fecham às 3 horas do horário de hoje ou às 3 horas de amanhã?

- Nós fechamos às 3 hora da manhã, senhor.
- Sim, sim. Mas em relação a que horário?

- Ao horário... como assim, senhor?
- É porque daqui uma hora vai entrar o horário de verão. E eu imagino que não vai ser muito legal eu chegar aqui às 3 horas do horário de hoje, que seriam 4 da manhã, e não ter mais carro pra voltar pra casa por causa do horário.

- Ih, agora eu já não sei.
- Bom, e eu menos.

- E agora?
- Você pode checar para mim?

O manobrista foi checar com o cara que parecia ser o gerente responsável pelo estacionamento. O cara, é claro, também não sabia. Disse apenas que o estacionamento funcionava de acordo com a cantina ao lado. “E...?”, eu tive vontade de perguntar.

Acabou que o segurança da cantina, bem informado, explicou que o horário de verão seria adotado pelos estabelecimentos comercias apenas na manhã de domingo. Ou seja, eu poderia ficar tranqüilo no bar até as 3h30 (de verão) que eu não correria risco algum de voltar a pé para casa.

Enfim. O horário de verão começou. Eu simplesmente adoro o horário de verão, aquela coisa de sair do trabalho às 19 horas e ainda ter um solzinho convidativo para uma cerveja e umas risadas.

O único problema do horário de verão é que o dia mais curto do ano se torna incrivelmente curto. E o tempo... humpf, o tempo voa.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Filo: Arthropoda

Faz um tempo, almocei com a Bonie antes de entrarmos nos respectivos trabalhos. No restaurante, tinha uma bandejinha com camarões à nossa frente, e ela perguntou se eu gostava de camarões. “Humm... ah, até gosto”, respondi. Ela disse que não gostava, que eram nojentos. E eu passei a observar melhor os tais dos crustáceos.

Semanas e meses se passaram, e no self-service chinês que eu adotei como restaurante oficial para meus almoços antes do trabalho sempre tem um empanado de alguma verdura com um camarãozinho em cima. Todos os dias eu tiro o camarão de cima, como a tal da verdura misteriosa e fico olhando pro coitado do bicho. Ele não olha de volta para mim porque já teve a cabeça decepada. Ainda bem.

Mas comecei a ter alguns pensamentos sobre o camarão. Realmente é algo nojento. É aquela coisinha espichada, com uma casquinha por fora e uma carne branca por dentro. Para não correr o risco de... sei lá, um dia pegar um bichinho que não esteja totalmente limpo e ver alguma organela lá no meio, sempre coloco o camarão inteiro na boca e mastigo.

Só que... humm, sempre que mastigo um camarão, sinto as casquinhas das patas do bicho passeando pela minha boca. Não é muito, ahn, limpinho e tal, mas eu continuei todos os dias comendo o camarãozinho que enfeitava o tal do empanado.

Não entendo. Durante as Olimpíadas de Pequim, cansei de ver reportagens na televisão sobre as comidas exóticas da China. Em uma delas, na ESPN Brasil, o Marcelo Duarte entrevistou um cara que dizia que comer um escorpião era igual a comer um camarão: uma casquinha crocante por fora, uma carninha salgada por dentro. Isso ficou na minha cabeça.

Aí um dia desses saí do trabalho, parei no supermercado para fazer as compras da semana e vi que o camarão estava em oferta. Comprei uma bandeja por módicos R$ 4 e vim para casa pronto para fazer alguma gororoba com os crustáceos. Lavei minha janta, joguei um tempero, misturei com uns palmitos e joguei tudo para cozinhar.

Não sou nada fã da comida que eu mesmo faço, mas aqueles camarões pareciam até que saborosos. Coloquei tudo no prato, joguei um pouco de mostarda por cima para tirar o gosto ruim que minha comida tem e comecei a comer. As primeiras garfadas foram até que normais, e tal.

Aí uma hora vi um olhinho de camarão no prato. Ele começou a me encarar, e eu olhei para os outros crustáceos no prato. Várias perninhas, e lombos sem cabeça... casquinhas crocantes. Putz, certeza de que por ali deveria ter alguma organela perdida.

Continuei jantando, comendo dois camarões de uma vez para terminar logo. Lembrei do escorpião, e da barata que eu havia matado na véspera. Perninhas, casquinhas crocantes... organelas, urgh. Óbvio que não terminei a janta, os poucos camarões que sobraram foram para o lixo.

Ok, boa parte dessa minha sensação desagradável foi motivada pelo fato de ser a minha comida ali no prato. Mas não, os camarões são realmente desagradáveis. Crustáceos, do filo dos artrópodes (que também enquadra insetos)... putz, eu me sentia comendo insetos aquáticos. Lembrei daquele episódio do Chaves, em que todos da Vila comem os ‘inseptos’ com gasolina (a genialidade do melhor seriado já produzido pode ser encontrada aqui, aqui e aqui). Não, não deu.

Talvez amanhã eu acorde e nem me lembre mais do trauma dos camarões. Mas há também o risco de o camarão entrar para a lista de coisas que eu não como mas nem a pau, ao lado de melancia e pimentão.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Atrocidades

Acendi a luz e ela já estava lá, imóvel, olhando para mim. Já estava esperando por isso, mas não naquele momento. Tanto que ficou um bocado zonza quando o clarão da lâmpada piscou pela primeira vez.

Não estava esperando por aquele encontro. Tentei fazer de conta que tinha sido tudo mentira, coisa da minha imaginação. Apaguei a luz, dei um passo para trás... voltei à frente e liguei o interruptor novamente. Queria estar bêbado e ter fantasiado aquele encontro, mas não: ela continuava ali.

Eu... eu não tinha medo dela. Seria idiota ter medo de algo tão insignificante. Era apenas... preguiça. Minha vida naqueles cinco minutos subseqüentes seria muito mais fácil se ela nunca tivesse existido. Nem ela e nem toda a sua prole.

Mas... ela estava lá, e era melhor enfrentá-la. Eu sabia que tinha algumas alternativas, só que nem todas funcionariam. Ou seriam fáceis. Era um trabalho... não complicado, mas no mínimo desagradável.

Eu poderia gritar alto falando para ela ir embora. Seria a forma mais ineficiente, eu sabia que deveria ser mais incisivo. Isso, mais enérgico. Violência física? Hum, também. Só que... e depois? Faria uma sujeira e tanto, sangue (ou seja lá o que for aquela coisa) espalhado por todo lugar. Não.

Acabaram me restando duas saídas opostas. A primeira, ignorá-la e me retirar. Sabia que ela se cansaria de ficar ali por muito tempo e logo em seguida iria embora – sabe-se lá para onde. Ou então... é, eu poderia... sim, cometer um... um... assassinato.

“Enérgico, lembra?”, pensei comigo mesmo. Escolhi a segunda opção. E eu sabia o que escolher para isso: morte lenta, a pior de todas. Ela ficaria desesperada, tonta, asfixiada... estrebucharia, agonizaria... tudo isso até chegar ao seu triste fim.

Abri o armário. Lá no fundo, peguei o frasco que seria mortal. Me aproximei e ela percebeu o que iria acontecer. Tentou se afastar lentamente, mas não conseguiu. Estava condenada.

Um leve esguicho e lá estava ela: tonta e desesperada, desesperada e asfixiada. Bateu com a cabeça na parede, começou a estrebuchar. Estava agonizando. Eu, assistindo a tudo isso, me deleitava. Na verdade era um misto de culpa e satisfação. Um deleite diferente.

Passaram-se cinco minutos e a agonia estava terminada. Ela, imóvel. Eu, com a ficha criminal suja. Mas com a casa limpa.

Baratas invadindo sua cozinha em uma noite quente não é uma coisa legal.

domingo, 12 de outubro de 2008

Cosmopolitan e uísque

A mesa era para dois. Ela puxou uma cadeira, colocou a blusa sobre o recosto e se sentou. Ele não quis se sentar à frente dela, com uma mesa de distância para ela; colocou sua cadeira quase que ao lado da garota.

O garçom ofereceu o cardápio. Ela nem olhou e pediu um cosmopolitan. Vodca, sucos de limão e morango... drink de mulher. Ele, fazendo pose uma perna pousada sobre a outra, convocou um uísque. “On the rocks”, explicou.

Enquanto o garçom saía com os pedidos, ele esticou o braço e o apoiou nas costas da cadeira da garota. Estava desconfortável, mas à espera de um sinal por parte dela. Ela notou, mas não teve reação. Nem pediu para que ele tirasse o braço, nem se apoiou firmemente na cadeira para ser abraçada... nada.

As bebidas chegaram. Bebiam enquanto conversavam efemeridades. Um virado para o outro, ele desconfortável com o braço na cadeira dela e ela impassível. Ficaram nessa situação de não-chove-e-não-molha por um bom tempo. Algumas horas. Pediram mais drinks – os mesmos –, e nada. Só saíram quando o garçom avisou que o bar ia fechar.

A conta veio, ele olhou o valor e tirou o cartão do bolso para pagar. Ela relutou, falou em dividir... ele não deixou, reiterou que bancaria. “Você já foi a minha companhia, tenho que compensar”. Ela ainda tentou um “mas você não precisa pagar pela minha companhia”, mas não adiantou.

Levantaram-se. Ele tropeçou na própria cadeira, mas conseguiu sair vivo do bar. Vivo, mas não abraçando a garota. E com um saldo bem menor na conta.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Cinza

O mundo não parava de girar. Fazia tempo que ele ouvira isso, ainda era uma criança quando aprendeu que a Terra estava sempre em movimento. Nunca tinha duvidado, até sentir muitos anos depois que... tudo tinha parado. Tudo, tudo mesmo.

Na verdade, não era bem assim. Nem tudo havia parado. As coisas ao seu redor se moviam de uma forma incrivelmente rápida. Apenas as coisas que o envolviam estavam... paradas. Religiosamente paradas. Caoticamente paradas. Sacalmente paradas. Insuportavelmente paradas. Uma calmaria terrível.

Até que... até que um dia acordou, já não era cedo. Era bem tarde, para falar a verdade. Saiu da cama, colocou uma calça e uma camiseta, ligou a televisão e se deixou cair sobre o sofá. A programação da televisão seguia a mesma toada da calmaria. Nada de espetacular àquela hora da manhã, perto do almoço.

Deu alguns passos, foi para a cozinha e não achou nada de interessante na geladeira. Olhou pela janela, viu um dia cinza. Cinza, nada atraente. Mas resolveu desafiar aquele dia de aparente marasmo, correu a porta e foi para a varanda. Sentiu um bafo quente bater em seu rosto e chacoalhar seus cabelos. Deu um sorriso.

Apoiou-se no parapeito e aspirou o ar fundo. Novo sorriso. Estranho como estava dando sorrisos assim, a esmo. Apalpou os bolsos, viu que ainda havia um cigarro solitário no maço já amassado - bem amassado. Caçou um isqueiro em um outro bolso, deu a primeira tragada. Acompanhou o desenrolar da fumaça no ar. Abriu as feições, já estava sorrindo descontroladamente.

De lá de cima, forçou os olhos e viu todos aqueles carros parados muitos andares abaixo. Freavam, paravam quando todos os semáforos se avermelhavam ao mesmo tempo. Voltavam a andar quando o verde piscava e lentamente desapareciam de vista. Os pedestres, nas calçadas, marchavam em um ritmo ainda mais calmo. Era uma calmaria generalizada.

Ele também percebeu que vivia uma calmaria naquele momento. Mas apenas naquele momento. Ficou tonto quando percebeu que, na verdade, tudo estava girando. Tinha voltado a girar com o resto do mundo. Não sorriu desta vez, mas gargalhou. Havia deixado a calmaria – temporariamente ou não; ele não se importava com o tempo.

Olhou mais uma vez para cima. O céu continuava acinzentado, aparentemente triste. Não para ele, que vivia aquele momento como se fosse o mais ensolarado dos dias. Lembrou das aulas de Literatura do colégio, que o ensinaram a cor-local. Ironizou a cor-local. Riu da cor-local.

Perguntava-se: quem disse que um dia nublado não pode ser estonteantemente bom?

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Boa vizinhança

A Dona Taé era uma velhinha legal. Ela é a vizinha de cima, que mora no 23. Deve ter vindo do Japão quando pequenininha, há uns 300 anos.

Desde que eu me dou por gente, ela morava sozinha. E minha mãe sempre reclamava que a velha não tinha nada para fazer e decidia, no meio da noite, empurrar os móveis de um lado para o outro da casa.

Mesmo assim, era uma velhinha que não dava muito trabalho para os vizinhos de baixo, pois não pulava, não corria pelo apartamento... e sempre pudemos ter uma vida social

E 12 anos se passaram assim, até que um dia um neto gay dela se mudou para o apartamento aqui de cima e passou a fazer companhia pra Dona Taé. Percebi isso um sábado, às 8h30 da manhã, quando o imbecil ligou o acústico da Cássia Eller no talo. E com Malandragem no repeat.

Ficou nisso até o meio-dia, 3h30 da mesma música; todo sábado era a mesma coisa. Foi o suficiente para eu ter um ódio mortal do novo vizinho. E jamais conseguir gostar de Cássia Eller, sobretudo de Malandragem.

Mais uns anos voaram e um dia eu já devia ter uns 16 quando a bisneta da Dona Taé também se mudou para cá. Era uma pentelha de uns quatro anos de idade que pulava, e corria, e gritava. Teve uma vez, eu estava fazendo lição de casa à tarde e ela, lá embaixo, tentava jogar uma bola vermelha no apartamento dela, no segundo andar. Bateu na minha janela umas três vezes, até eu aparecer com cara de bravo e a mãe mandar a filha parar.

Uns seis meses depois a pestinha foi para o Japão, e eu dei graças a Deus. O neto gay da Dona Taé também sumiu do mapa, ainda bem. Ambos voltaram uns dois anos depois, e a maldita pivete voltou ainda pior.

Teve um domingo, já era umas 21h30, ela começou a pular com os calcanhares no chão. Peguei uma vassoura aqui em casa e comecei a cutucar o cabo no teto, para ver se alguém se tocava e mandava a fedelha parar. Nada: ela ficou ainda pior. Só de raiva, contei os minutos até dar 22h10, a menina não parou. Liguei na guarita do prédio e disse “oi, eu sou o morador aqui do bloco 10 e... eu estou ouvindo gritos, e barulhos fortes no apartamento 23. Acho que está tendo uma briga forte, você pode ver o que é?”. Cinco minutos depois, o barulho tinha acabado. Para sempre.

Humm... para sempre também não. Hoje, meu dia de folga, fui dormir às 6 da manhã e estava decidido a hibernar até umas 14 horas. Besteira: às 8h30, acordei com porretadas, marteladas... quase um armagedon. A Dona Taé resolveu mudar o piso do quarto acima do meu. Tentei me enfiar embaixo do travesseiro, dos cobertores, até pensei em ir pra debaixo da cama. Vassouradas não adiantaram, e nem meus gritos pela janela de “caralho, porra, pára com essa merda, enfia esse piso novo no olho do...” e daí pra cima.

Nunca falei tantos palavrões após acordar. Fiquei uns 20 minutos reclamando, dando vassouradas no teto, xingando o navio que trouxe a droga daquela velha maldita pro Brasil há 980 anos só pra acabar com o meu tão sonhado dia de folga.

Droga.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Vida moderna

Duas pessoas com idéias completamente diferentes em um mesmo momento é um dos grandes problemas da vida em sociedade. É um imbróglio ainda maior quando você está frente a frente com o outro idealizador. Hum... tá, vai, eu explico.

Tinha ido votar na manhã de domingo. Desci uns quarteirões aqui no meu bairro, digitei meus números na urna eletrônica e voltei para casa. No caminho, relativamente vazio em uma das calçadas já próximas do meu condomínio, vi um cara vindo exatamente na minha direção.

Como eu sei que não sou transparente e imaginei que ele também não fosse, tive a idéia de seguir a norma básica implícita na lei dos pedestres: mantenha-se à direita. Cheguei bem perto do muro, mas o cara teve uma idéia completamente diferente: manteve-se à esquerda dele. Logo, se manteve na minha frente.

Vi que estávamos prestes a nos chocar dentro de uns cinco passos e fui um pouco para a minha esquerda. Ele, sabe-se lá por que, teve a idéia de ir para a direita. Dei, então, uma chegada para a minha direita. Ele, para a esquerda dele. Demos mais dois passos e ficamos frente a frente.

Parei. Ele também. Ameacei sair pela direita e ele, pela esquerda. Esbarrão. Parei, ele também. Tentei a saída pela esquerda e ele, pela direita. Novo encontrão. Paramos novamente. Esbocei dar um passo para a minha direita mais uma vez, e ao mesmo tempo ele ameaçou a esquerda. A vida em sociedade não estava mais dando certo, aquela calçada era muito pequena para nós dois.

O cara lá deu uma risada, falou “ooopa” e enfim tomou seu rumo. Eu não estava muito contente com esse problema tão grande para dar um passo e não falei nada, apenas abaixei a cabeça e apressei o passo. Era um domingo, estava um dia chuvoso e eu não estava lá tão bem humorado.

Ter uma idéia completamente diferente de alguém é uma droga. E fica pior ainda se isso acontecer em um domingo e você estiver com um péssimo humor. Mas é algo inerente à vida modera, talvez.

Ou... sei lá. Foi só mais uma mostra de que eu realmente tenho uma morte lenta aos domingos. E a não ser que algo realmente... ahn, surpreendente aconteça aos domingos, nada vai me fazer odiar menos o último dia do final de semana.

sábado, 4 de outubro de 2008

Banho de shoyu

Sexta-feira, noite. A semana estafante tinha acabado parcialmente (os plantões no sábado e do domingo não me permitirão desfrutar de uma folga completa), e... bom, sempre gosto de fazer alguma coisa na noite de sexta (mais do que no sábado, aliás).

Juntando isso ao fato de que eu não comia nada desde o almoço de quinta-feira, fui jantar em um rodízio de comida japonesa, perto de casa. Todas as perspectivas de uma boa chepa, não fosse o fato de eu parar o carro na frente do restaurante e ouvir do manobrista que o local fecharia em 10 minutos. “Ok, aquele casal acabou de entrar... não vão fechar a porta do lugar tão cedo”, pensei. E entrei.

Já conhecia aquele restaurante japonês, vez ou outra vou almoçar lá com minha mãe e meu irmão. Como de costume, pedi um suco de laranja e um temaki (vulgo sushi gigante) de atum e os pratos quentes vieram. Eu, mostrando todas as minhas habilidades com o hashi (os pauzinhos), peguei uma guioza (um bolinho de carne) e comecei a encher o pandu.

O garçom, que de japonês não tinha nem o branco dos olhos, logo viu e se prontificou a tirar a tábua das guiozas. Sei lá o que aconteceu, ele virou a bandeja e derramou todo, mas todo o shoyu em cima da minha mochila. Olhei, fiz que não vi esperando ele se prontificar a limpar, ou pedir desculpas, ou sei lá. O cara simplesmente ficou me olhando, esperando que eu explodisse. Continuei na minha, mas puto.

O cara voltou à minha mesa pouco tempo depois, trazendo um potinho de shimeji (cogumelos). Olhou para minha mochila, olhou para mim, virou as costas e voltou para a cozinha. Vez ou outra passava na minha mesa, olhava de mim para a minha mochila e da mochila para mim e esperava ser xingado. Continuei fingindo uma calma enorme, embora... minha mochila estivesse coberta de shoyu.

Uma hora, eu quase explodindo de raiva, ele passou perto e eu pedi um pano úmido. Ele me trouxe um perfex seco, mas foi o suficiente para eu fazer uma ceninha de levantar, passar o pano sobre a mochila, olhar feio para ele... e esperar, pelo menos, um pedido de desculpas. Poxa, eu não ia maldizer as próximas 30 gerações do cara, mas um “foi mal” não seria ruim, né?

Ele não falou um A sequer, só continuava olhando da mochila para mim e de mim para a mochila. Pensei em vários tipos de protestos: chamar o gerente e reclamar, pedir um pano úmido para outro garçom e dizer “é que seu colega fodeu a minha mochila e nem pediu desculpas”, não pagar os 10%, dar alguma indireta no tal do garçom-cagão... e até reclamar com o sindicato dos clientes de rodízios japoneses. Mas meu temaki não tinha chegado, e eu preferi não correr riscos de receber um sushi gigante cuspido.

O jantar correu bem, e consegui compensar as muitas horas sem alimentos. Após pagar a conta (com os 10%, achei melhor não dar showzinho e bancar o babaca), levantei da cadeira, peguei a mochila e reclamei “Hunf, shoyu. Caralho”. Ironicamente, no mesmo momento o cara passava na minha frente para abrir a porta para mim. Abriu, eu saí sem falar “boa noite”, “obrigado” ou “vai se foder”. Foi meu protesto pacífico.

O problema é que eu tenho duas mochilas. A minha preferida, uma da Risca que eu tenho desde o primeiro ano da faculdade, está rasgada. A minha reserva, uma grandona da Wilson... está coberta de shoyu.



Não vivo sem uma mochila nas costas, me sinto extremamente vulnerável e despreparado quando saio na rua sem uma mochila. Mas... humpf.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Fortuna

Teve um dia em que eu voltei para casa feliz da vida, por motivos tecnicamente irrelevantes. Encontrei ainda alguns amigos no caminho, e todos comentaram o quanto eu estava esquisito. Acharam que eu tinha bebido – de fato eu tinha, mas horas antes. Naquele momento, no entanto, eu estava simplesmente... feliz.

Acontece que eu tenho um defeito enorme de sempre contestar a minha felicidade. Fico sempre à espera de que algo aconteça para pô-la em prova. E naquele dia, na garagem do prédio indo para casa, eu vi algo brilhando para mim. Curvei o corpo um pouquinho e encontrei uma moeda.

Era apenas uma moeda, tudo bem. Mas era... era uma moeda pequena, dourada, de 10 centavos. Coloquei no bolso e quase explodi: “Putz, até dinheiro eu achei! Isso sim é que é ficar feliz”. Toda essa felicidade, é claro, tinha um significado um bocado além da razão, mas que eu só fui entender muito tempo depois.

Para falar a verdade, só fui perceber algo semelhante na Argentina. Lá há alguns ditados legais sobre moedas, especialmente as pequenas e douradas. São ditos populares bem interessantes. Cascatas, sinceramente.

Mas enfim. Guardei aquela moeda em um lugar especial, no meio da bagunça do meu quarto. E minha felicidade durou por um certo tempo, até que eu me esqueci da moeda e a minha vida acabou voltando ao normal. E os dias, as semanas e os meses voaram.

Passou mais um tempo e, recentemente, teve um dia em que eu acordei tão empolgado quanto naquele tempo passado. Saí de casa e fui para o trabalho todo determinado com alguns pensamentos na cabeça. Até que cheguei ao quarteirão do metrô e vi algo no chão. Um papel verde, dobrado e surrado, quase voando com o vento. Nem parei o passo, apenas abaixei, peguei a nota de R$ 1 (pode não parecer, mas elas ainda existem) e pus no bolso.

“Voltei a achar dinheiro, caramba!”, pensei. “Algo deve estar para acontecer, sei lá”. Eu não sabia bem, para falar a verdade, o que poderia acontecer. Até pensei em guardar aquela nota para sempre, como se fosse o Tio Patinhas guardando a sua moedinha de sorte.

Bastou um dia ruim dar as caras e eu acabei gastando a nota por aí. Tsc, tsc.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Nada é perfeito, o retorno

Fui há algumas semanas a um Palmeiras x Vasco no estádio. Aquela coisa: Shrek virou para mim, perguntou se eu ia fazer alguma coisa à noite, eu disse que não e decidimos ir ao jogo. Simples assim, não fosse o puta frio que quase me congelou na arquibancada. Mesmo assim, meu time venceu por 3 a 0, passou para as oitavas-de-final e combinamos de voltar para a partida contra o Sport Áncash, um clube do Peru.

Duas semanas se passaram até que, na terça-feira, lancei para o Shrek: “Amanhã tá de pé, né?”. Ele confirmou, assim como mais três amigos: Allan, Tomiate e Luquinhas. Desta vez, eu estava sem disposição alguma para sair correndo do estádio à meia-noite a tempo de ir para o metrô. Fui à tarde para o trabalho de carro, e pronto. Seria minha primeira ida ao estádio no volante.

No finalzinho do expediente, troquei alguns e-mails com a Pri e disse que não iria para a faculdade à noite. “Você vai pro jogo debaixo de chuva? Que disposição!”, ela me disse. Espiei pela janela da redação, virei para o lado e perguntei se estava chovendo. Antes que me respondessem, um trovão ecoou pela Paulista. Estava respondido.

Antes de ir embora, recebi um convite aparentemente irrecusável para tomar um café. Relutei, quis aceitar, quase aceitei... mas me lembrei do compromisso firmado semanas antes e fui obrigado a recusar. Tudo bem, vai; outros cafés virão.

No caminho até o estacionamento, olhei para meu tênis já molhado com a chuva forte que caía e me lembrei de um outro jogo em que tinha ido. Também quarta-feira, também à noite, também com o Shrek... e eu estava vestindo também o mesmo tênis, a mesma calça... “Hunf”, foi o que eu consegui pensar sobre as terríveis lembranças daquela partida (relatadas neste espaço).

Enfim. Nem peguei tanto trânsito assim e tudo deu bem certo (apesar de uma perdidinha aqui e outra ali no caminho) até deixar o carro no West Plaza. Entramos no estádio (embora tenhamos nos tornado personae non gratae no Palestra), encontramos Tomi, Allan e Luquinhas na arquibancada... e tudo parecia estar maravilha.

Um cara da arquibancada, então, resolveu arremessar pacotinhos de amendoim doce para o resto da torcida. Estranho. Um envelope caiu na minha mão, seria a janta perfeita. “Nunca aceite nada de estranhos”, disse uma voz na minha cabeça. Claro que não ouvi e comi os poucos amendoins por lá. Deu uma azia, mas pelo menos não acordei em uma banheira de gelo e sem um rim, como pensei que poderia acontecer.

Até que... até que a chuva chegou. Uma puta chuva. Uma chuva infernal. E eu, apenas com uma camiseta de manga curta... fazia tempo que não passava tanto, mas tanto frio assim. Nem tinha uma capa para me proteger, fiquei ligeiramente ensopado. E o jogo, bom... o jogo estava horrível.

Molhado, com frio e puto com o jogo, pelo menos ainda pude ver o Palmeiras marcar o gol da vitória aos 44 minutos do segundo tempo, sacramentar um gelado 1 a 0 e se classificar para as quartas-de-final. Mas eu ainda estava molhado, com frio... bom, eu estava muito molhado mesmo.

Tirando o fato de todos os vidros do carro ficarem com frescura de embaçarem e só aceitarem voltar ao normal com o ar-condicionado (o que aumentava meu frio em escalas gigantescas e diminuía a potência do motor 1.0 pela metade), tudo certo. Pelo menos não fui assaltado, como naquele 12 de março. Até que cheguei em casa, tomei um banho quente delicioso... e deitei na minha cama.

Mas... humpf, deveria ter ido tomar café.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Missa

Tem acontecimentos que não gosto de falar por aí (claro), e apenas alguns amigos mais próximos acabam sabendo de detalhes mais castos, sórdidos, bizarros ou marcantes da minha vida. Mas este... bom, confio aos dois leitores diários deste blog e aos 48 pára-quedistas que caírem aqui por meio de uma busca no Google.

Aconteceu um domingo desses, quando eu estava saindo de casa logo cedo para o trabalho. Assim que abri a porta do prédio, senti um vazio – que foi crescendo enquanto eu me aproximava do portão do condomínio. “Quando foi a última vez que eu fui à igreja? Hum... bom, já faz tempo. Tirando aquelas na Argentina, com a menina suíça porque ela queria ver a arquitetura latina... mas à missa, putz, tem tempo”.

Continuei com esse pensamento tentando me lembrar da data exata. “Acho que foi em 2005. É, isso, na Primeira Comunhão do meu irmão. Ah, mas... teve também a missa de sétimo dia do pai do meu amigo. Não, não... a última mesmo foi a missa da minha formatura, verdade”. Ou seja, quase três anos. “Bom, tá na hora de ir, não?”.

Admito que não sou lá um cara muito religioso. Já fui mais, muito mais, quando era mais novinho. Mas aí depois eu fiz a minha Primeira Comunhão, com 11 anos, e acabei desaparecendo da igreja que tem aqui do lado de casa.

Além disso, nunca fui lá de cumprir promessas: nas minhas rezas antes de dormir (antes, eu rezava um Pai Nosso, uma Ave Maria e ainda uma oraçãozinha de minuto – hoje em dia, se eu me lembro, faço um Sinal da Cruz), vez ou outra pedia alguma coisa bem idiota (do tipo passar de ano sem recuperação) e... ok, nunca cumpria.

O pensamento da igreja perdeu espaço logo depois nos meus pensamentos quando fui chegando ao trabalho. Segui minha rotina de sempre, trabalhei lá umas sete ou oito horas e decidi voltar para casa. Liguei o rádio no jogo do Palmeiras, abri a porta de casa, do meu quarto e desfaleci na cama.

Só fui acordar exatamente às 18 horas. “Putz, bem que eu poderia ir à igreja, né? É bem a essa hora que começa a missa”. Então coloquei uma calça jeans, uma camiseta branca e andei os três quarteirões até a capelinha aqui do lado. Sentei em um banco lá no fundo e fui acompanhando as falas no jornalzinho.

Comecei a olhar em volta durante os sermões e vi que até tinha bastante gente na igreja, tão apinhada como antes. Mas percebi que... bom, uma boa parte das pessoas por lá era de pessoas aparentemente pobres. Difícil achar alguém que parecia ter uma condição social melhor. Passou a impressão de que a maioria das pessoas ricas não tem por que ir à igreja, né?

Notei que algumas das músicas cantadas durante a missa eram diferentes em relação àquelas que eu ouvia há uns dez anos, quando ia para a missa das 18 horas acompanhado do meu pai. Para falar a verdade, senti um pouco a falta dele ali. Era a minha primeira missa sozinho, aliás.

Então chegou a hora da eucaristia. Fui para a fila depois de um tempinho e me lembrei da primeira vez em que recebi a hóstia. Por um momento me senti pré-adolescente de novo, mas olhei para trás e não vi meu pai lá com um sorriso contido. Estremeci.

Não sei se sou só eu, mas me sinto completamente baqueado quando coloco a hóstia na boca. Penso na vida, penso na minha avó, no meu pai... penso em tudo, menos em mim. Fiquei realmente ... realmente pensativo naquela hora. Ajoelhado, tentei extravasar o choro que tinha tentado sair na hora da fila. Não consegui. Isso me deprimiu.

A missa acabou logo depois, e eu voltei para casa. Com as mãos nos bolsos e bem, bem tranqüilo comigo mesmo.