domingo, 24 de dezembro de 2006

Na casa dele, compreensão

O Natal vem chegando e minhas filosofias baratas começam a fomentar aqui dentro.

Se os primeiros 20 dias de dezembro são os melhores do ano, os 10 últimos conseguem ser os piores. É tudo parado, é toda aquela expectativa de chegar o Natal, trocar abraços e felicidades, embuchar todas as comidas exóticas que são feitas, encher a cara... essas coisas.

É estranho pensar isso agora, sendo que, sei lá, 10 anos atrás o Natal era o dia mais esperado do ano inteiro pra mim. Era o mais feliz e tal. Eu gostava mais do Natal do que do meu próprio aniversário. Talvez porque a cidade não ficava enfeitada no dia 22 de abril e tal. Ou porque a minha mãe não fazia tender ou porque meu tio não se vestia de Papai Noel.

Por outro lado, é bom. Ter essa sensação de que o Natal é o dia mais chato do ano, que dia 25 de dezembro em si é uma droga, é um dia de pura ressaca, tipo... não sei, talvez prove muita coisa. Faz uns três ou quatro anos que eu venho pensando sobre o sentido do Natal [é um tema bem besta, eu sei], e essa filosofia toda só se manifesta nessa época do ano. Em geral, só se manifesta a partir das 22 horas do dia 24. Há tempos que eu quero pensar assim e não consigo m expressar. Bom, acho que já fiz muitas cagadas ao longo dos 98 posts até agora, mais uma não será nada especial.

Não entendo o sentimento do Natal. Tá certo que Ele nasceu e tudo mais, e todo o mundo católico-cristão-ocidental deve comemorar. É até uma boa época de se comemorar isso, afinal, o mundo está de férias e tal. Mas por que cargas d’água a gente tem que trocar presentes? Vai aparecer alguém mais engajado, vai falar que os três reis magos deram presentes pra Ele. E como somos irmãos deles, todos devemos relembrar essa tradição milenar e o escambau. Certo, eu não vejo nada de errado (até porque eu não sou imbecil de falar que não gosto de receber presentes), mas...

Não que eu queira partir pro outro lado do engajamento, o do anti-capitalista malucão. Sinceramente, não me importo se isso tudo é uma farsa do comércio, do capitalismo ou da Coca-Cola. Juro, não tô nem aí. Quero que se foda tudo isso, não ligo pra Economia, pra cotação do Dólar (só na hora de fazer as conversões monetárias das contratações astronômicas no mercado europeu) e muito menos pro Socialismo. Anarquismo, então, pro inferno. Quatro anos atrás, até cheguei a pensar que algo assim seria o mais justo, mas... quem pensa assim, quem veste uma camisa vermelha com uma foice e com uma marretinha é um inocentezinho (pra não dizer babaca).

Enfim, não é esse o foco do meu pensamento. O foco é por que diabos a gente deseja um Natal repleto de luz, alegria, harmonia, paz, tranqüilidade, riqueza e, claro, amor? Porra, é um dia só! É um dia em que ninguém sai de casa, todo mundo fica em volta da mesa enchendo a pança de carnes malucas, frutas que não são frutas e bebendo champagne [falam que champanha é o certo, mas é esquisito demais – pra não falar ridículo pra cacete]. Por esse motivo que eu sempre achei as felicitações do Ano Novo mais reais do que as do Natal. Sério! Afinal, são pra um ano inteiro. As do Natal são pra menos de um dia!!!

E é estranho uma porrada de pessoas me desejando o melhor dia de todos da história do universo sendo que elas muito provavelmente não se lembram de mim nem uma vez por mês [bem como eu não lembro delas, fato]. No entanto, se você passa a noite feliz com a sua família, releve este parágrafo. Eu falo isso porque minha família deixou de existir depois que a minha avó morreu.

Uau, que piração. Um monte de besteiras, pra falar a verdade (isso porque eu não falei no clichê-mor natalino, aquela coisa de que as pessoas ficam dando presentes umas pras outras, desejando o bem pras pessoas que já são muito bem abastadas e os pobres que se fodam. Não me convém falar isso, mas acho que qualquer blog de algum punkzinho que se acha mais engajado socialmente vai ter todo esse discurso. E, claro, o bordão “papai noel filho da puta rejeita os miseráveis. Eu quero matá-lo, aquele porco capitalista! Presenteia os ricos, cospe nos pobreeees!”). Mas não importa. Quer dizer, o Natal tá logo aí e... e...

E é isso aí.

terça-feira, 5 de dezembro de 2006

Três, dois, um; yeah!

Tudo um dia termina, talvez.

Minha disposição em escrever sobre todos os meus dias tá tomando esse caminho. A minha folga em levar uma vida completamente desregrada, acordar ao meio dia e tudo mais também.

Muitas, muitas amizades terminam. Fui ao show do Los Hermanos semana passada e eu sabia que uma amiga minha ia estar lá. Quer dizer, como éramos amigos, tinha certeza de que ela estaria lá. Por um momento, até pensei que seria legal a gente se encontrar, e trocar um abraço. Depois não. É melhor deixar acabar. E voltar àquela história de que, se a gente se encontrar, o certo é só falar oi e perguntar se está tudo bem. Não se deve nem dizer, na despedida, "a gente se vê". Pela consideração que a pessoa tem, não seria certo mentir.

Meio mundo termina para mim antes de sequer começar de verdade. E pra eles eu falo que a gente se vê; não preciso ser muito verdadeiro com eles.
Às vezes, acho que muita coisa já terminou para mim. Muita, muita coisa. Mas não quero pensar nisso, tenho andado muito orgulhoso de mim mesmo nos últimos dias. E aí eu paro pra pensar e, sei lá, não é tão ruim o fim de tantas e tantas coisas assim. É bem útil.
O problema é que há coisas que também terminam de um jeito muito rápido. A felicidade é um formigamento no nariz que só dura três segundos. Um momento de silêncio na madrugada, um momento para a foto também.
Tá certo, um formigamento no nariz pra vida toda é ruim, e isso chama rinite. Eu tenho isso e não me sinto muito feliz por meu nariz formigar por mais de duas horas seguidas. E um silêncio maior de, sei lá, quatro horas também. Pareceria que o mundo acabou.
Talvez isso significa que eu tenho que aproveitar mais os momentos.

Tenho feito.

quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Faz sete anos

Acordei hoje na hora do almoço, abri a janela, dei uma volta pela casa e parei na frente do calendário pra ver que dia era hoje. Senti uma coisa estranha quando vi que era dia 30 de novembro. Não é um dia que passa batido pra mim; é como se fosse um dia marcante e tal. Parei pra fazer aquele brain teaser de toda a minha vida pra ver se tinha algum motivo especial pra essa coisa em cima de hoje.
Lembrei rápido, nem precisei voltar aos primórdios da minha infância. Lembrei que sete anos atrás, exatamente em 30 de novembro de 1999, eu dormi no sofá. Não queria ter dormido, tinha tentado virar a noite. Tentado, porque não consegui passar da oitava partida de buraco com o meu pai: deu três da manhã e eu tava já com bastante sono. Dormi no sofá e o despertador cacarejou no meu ouvido às seis da manhã. Acordei na hora, não queria perder um minuto sequer da expectativa daquele dia. Todos os telejornais globais mostravam os bastidores de tudo, e eu via nervoso, esperando o relógio passar rápido até às oito horas.
Marcos; Arce, Júnior Baiano, Roque Júnior e Júnior; Galeano, César Sampaio, Alex e Zinho; Paulo Nunes e Asprilla. Asprilla? Eu até gostava dele, era um jogador de nome, de renome europeu e de estilo engraçado. Mas não gostei de ver o cara escalado pro jogo mais importante da minha vida, eu queria era ver o Evair em campo. Mas tudo bem, se o Felipão quis assim, amém.

Era o jogo mais importante da minha vida, como eu disse. E meu coração bateu pesado quando o imbecil do Giggs cruzou na área, o Marcos deu tchau e a bola sobrou pro idiota do Roy Keane. Meu coração bateu mais pesado ainda quando o Oséas perdeu um gol feito na cara do Bosnich - que, porra, nunca pegou nada na vida. Só naquele jogo, nunca mais. Quando o juiz terminou o jogo, eu não consegui fazer muita coisa. Com um olhar meio perdido, fui para o meu quarto, deitei na minha cama e fiquei pensando, e pensando, e pensando. Não chorei, como quase todo mundo o fez.

Chorei mais tarde, quando minha mãe ligou. A primeira coisa que ela perguntou foi "E o Palmeiras, hein?". Não tinha muito o que falar, então só falei "Eh...". Depois ela disse que a minha avó tinha piorado no hospital. Tinha ido pra UTI e tava respirando com a ajuda de aparelhos. "Mas vai ficar tudo bem, eu prometo. É só pra não forçar nada". Disse "aham" e desliguei o telefone. Chorei, chorei bastante. Sempre que aparecia na tevê alguma notícia de pessoas respirando por aparelhos, minha mãe falava "Quando é assim, não tem mais nada pra fazer. A pessoa já morreu". Minha mãe é médica e nunca se enganou quanto a isso. Então eu não me enganei sobre a minha avó.

Alguns dias depois - no dia 4 de dezembro, outro dia em que sempre acontece alguma coisa -, ela morreu. Chorei menos do que tinha chorado no dia 30. Sei lá, acho que eu já tava esperando isso acontecer. Não tinha muitas esperanças.

Minha avó sempre dizia que não ia ver eu me formar. Ela tinha só 69 anos e tinha a melhor saúde que uma velhinha de 69 anos podia ter [Pra falar a verdade, quando ela fez 69 anos, eu senti algo esquisito. Meu avô também morreu com 69 anos. Sei lá, depois disso eu comecei a achar que as pessoas não tinham o direito de viver até 70 anos. Pelo menos na minha família]. Ela sempre dizia que não ia ver eu me formar no colegial. Não viu.

Ela também não viu eu entrar na faculdade. Não viu eu conseguir um emprego. E não vai ver eu começar no meu emprego amanhã.

Como meus pais tinham acabado de se separar, a minha avó era a única pessoa que fazia parte da transição da minha vida dos 10 para os 11 anos. Sem ela, sei lá, talvez eu não teria feito muitas coisas.

E a gente nem pôde se despedir.

sábado, 25 de novembro de 2006

Apague as luzes e seja feliz

Ontem foi a formatura do meu irmão. Formatura de oitava série, mas não deixa de ser uma. Agora ele se acha o maior adulto porque tá no Ensino Médio. Tudo bem, eu também me achava a pessoa mais esclarecida do mundo quando eu tinha 15 anos. Em todo caso, acontece que em um evento como esse, a melhor coisa a se fazer é ficar na sua mesa tomando um ou outro copo de uísque e olhando o que acontece em volta.
De fato, foi o que eu fiz. Mas como os formandos eram um bando de pivetes, a única coisa bebível que tinha era batida sem álcool, mas com bastante leite condensado. Bah, preferi muito mais curtir a água - ela tava mais gelada.
Depois de todos os cerimoniais clichês, depois de We are the champions, depois de diplomas, abraços, flashes e muitos, muitos copos de água, começou a música que qualquer chimpanzé dotado de um polegar opositor e um surdo faria. Aquela coisa de puts, puputs, pupupuputs. Chamam isso de black, mas pra mim é tudo uma bela duma idiotice. Uma música mais chata do que a outra.
Era o que eu pensava. O que eu pensava, e não todo o resto. Quando tirei os olhos da manga da minha camisa, que eu dobrava por causa do calor e tudo mais, todo o espaço com cadeiras para os formandos tinha virado uma pista de dança, e apenas duas ou três garotinhas ainda pequenas arriscavam um ou outro passo de dança. Mas isso durou só uns cinco minutos. Em seguida, apagaram as luzes e todo mundo, todo mundo foi para o centro do salão.
Foi o tempo das músicas monotônicas terem um fim e a melodia ser trocada pela música de adestrar macacos. Sempre macaqueei isso que o Marcelo Nova disse uma vez, e só ontem o significado ficou evidente ao quadrado. Logo na primeira música, a Ivete Sangalo mandava a galera tirar os pés do chão. Em frações de segundos, o salão todo estava pulando e gritando uh, uh, uh. Bem agudo. Como um orangotango faz, sabe?
O fato é que, assim que as luzes se apagaram, todos tiveram suas felicidades e tal. Todos se desinibiram, rebolaram e tudo. Na mesa ao lado da minha, eu via uma garota [apenas força do hábito] com seus 30 anos tentando dançar. Quer dizer, ela entendia das músicas e tal, mas a dança era engraçada. A primeira era a Dança do Saci. Ela pulava num pé só o tempo todo. Era engraçado. Depois ela ficou com medo de requebrar na frente da sobrinha e foi no meio da molecada de 15 anos - onde tudo era mais escuro - e se desinibiu requebraticamente. Bah, a minha dança do tiozão breaco é mais engraçada.
Fiquei de longe observando e percebi que, sei lá, acho que eu nasci na época errada. Pra mim - pra Chiquinha também -, da discussão, nasce a luz. Quer dizer, eu aproveitaria bem mais uma mesa com copos de água, que seja, e pessoas conversando, e dando risada, e falando besteiras. Nada disso de requebra, requebra, requebra assim. Já a nova geração é feliz no escuro. Sem nenhuma luz - apenas algumas de cores primárias que giram e piscam, fazendo os velhos ficar com dor de cabeça -, sem nenhuma discussão.
Mais à frente, vi uma garota de, sei lá, uns 20 anos. Ela tava com uma mini-saia branca, e tava no meio da molecada de 15 na hora do axé. Na primeira música, ela rebolou o tempo todo. Pra mim, parecia que eu tava bebaço e tava olhando a lua cheia tremer. Quer dizer, ela sabia que tinha uma enorme... ahn... presença de espírito, mas mesmo assim rebolava e rebolava sabe-se lá como o quê. Na outra música, ela continuou rebolando no mesmo ritmo. Na terceira, as fusas viravam semifusas, que viravam fusetas e semifusetas e tudo mais. E ela mantinha o mesmo ritmo desritmado. Depois a música acabou e ela continuou rebolando. Imagino que agora ela esteja com dor nas costas.
Logo depois, puseram as músicas dos anos 70 pra tocar. Já tava imaginando qual som seria o mais apreciado, e não me enganei. Depois de La Bamba, começou a tocar a Twist and Shout. Quer dizer, essa é a melhor música de todos os tempos, fato, mas em tudo o que é lugar ela toca. Em todos os casamentos, em todas as formaturas, em todas as festas. Tava pensando que, quando eu me casar, talvez eu nem queria entrar ao som da Marcha Nupcial, mas ao som de You know you got me goin' now / Just like I knew you would... ou então ao som de Come on and twist a little closer now / And let me know that you're mine, woooooo. Quer dizer, é mó bonitinho. E seria diferente.
Ah, tô brincando. Mas é que, sei lá, se toca em todo casamento, então que seja oficializado, porra!
Depois de muitas coisas, voltei pra casa. Cansado de ficar na mesa, com dor de cabeça e com um puta sono. Tomei um banho, coloquei aquela fantástica roupa de ficar em casa e morri na minha cama. Meu irmão ainda tomou banho e veio se trocar no quarto. Ele acendia a luz e eu reclamava com ele, porque eu queria dormir. Enfim ele apagou as luzes e eu tive sonhos felizes.

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

Não, não morreu

Eu tava voltando hoje pra minha casa. Tava meio cansado porque fiz bastantes caminhadas pela zona sul da cidade, e ainda o calor tava delicadamente insuportável - não que isso seja uma reclamação, mas o fato é que tava assim mesmo. Sentei na primeira cadeira que eu vi vaga no vagão do metrô, abri a mochila e peguei o livro que a Tortura Inglesa me manda ler [até que não é de todo ruim também, apesar de a história só ter melhorado depois que eu vi o filme pra trapacear].
Dentre uma olhada e outra pra todo mundo, preferia desfrutar todo o poder que os fones de ouvido do meu MP3 não têm. Só levantei a cabeça do livro uma hora, quando eu virei a página do livro. Olhei para a frente, para a esquerda... e quando olhei pra direita, vi que um cara que tinha tentado se levantar tava ajoelhado. "Coitado, olha o cara lá. O que tá cuidando dele. O cara deve ter, sei lá, algum problema sério". Foi o que eu pensei, e continuei olhando só por força do hábito.
O cara ajoelhado fez uma força pra se levantar e tombou pro lado. Vendo a cena em câmera lenta - como sempre acontece comigo quando é alguma coisa que vai ficar pra sempre na minha memória -, previ que o cara ia tombar e ia fazer o maior barulho. Feito. Ele caiu bem na minha frente, e o baque da cabeça dele com o chão foi uma das coisas mais surdas e secas que eu já vi.
Ele tombou. Tombou na minha frente e em slow motion. Olhei pra ver o estrago feito e o cara tava lá, de olhos abertos, olhando no fundo dos meus olhos. Bem lá no fundo, embora ele não estivesse nem perto de onde eu estava. Sei lá, aquele clichê bem besta de que o corpo tava e ele não. Mas, sei lá, o olhar dele ia muito mais além da estação São Judas e Conceição.
Todo mundo levantou desesperado e pedindo ajuda. Eu tava mais travado do que sei lá o quê, olhava pro cara, ele olhava pra mim e eu não sabia o que fazer. Ele não tinha morrido, eu achava. Todo mundo começou a sacodi-lo, a tentar abrir a boca dele. "Não deixa ele dobrar a língua, não deixa!". Na hora, lembrei das aulas do CFC. Quer dizer, lembrei das aulas e em seguinda eu lembrei que tinha esquecido. "Na convulsão, tem que segurar a língua? Não, né, acho que só tem que segurar a cabeça porque ele vai ter vários espasmos e... caralho, ele vai ter vários espasmos. Eu vou apanhar!", pensei.
Saí de perto pra deixar pessoas mais treinadas - munidas de uma caneta Bic e várias mãos sem muita utilidade - tomarem conta do caso. Eu ia, sei lá, procurar algum daqueles negócios pra socar e chamar o maquinista. Não achei - não no meu campo de visão. Quando olhei de novo pra cena, o simpatia tinha retomado a consciência e se levantava. Disse que tava tudo bem, tinha só passado mal quando se levantou, que não precisava de ar nem nada, ele ia descer no Jabaquara e, enfim, tava bem. Só queria a bolsa, que um rapaz lhe entregou logo em seguida.
Quando o trem parou na Conceição, quatro funcionários desesperados entraram no vagão à procura da pessoa. Por mais que ele falasse que tava bem, todo mundo mandou ele sair pra tomar um ar. Todo mundo mesmo, todo o vagão olhava pro cara, que, sei lá, devia estar morrendo de vergonha. Acabou que ele saiu e eu voltei pra casa ouvindo os comentários de todo mundo que não tem mais o que fazer, o que cada um achou quando ouviu ou viu tal coisa, essas besteiras.
O que mais me tocou, sei lá, foi essa coisa de um olhar seco. Na hora, lembrei - muito antes de lembrar das aulas do CFC - da linda garota loira com quem eu trocava os olhares mais sinceros do mundo no ano passado. Mesmo que a garota e o rapaz sejam [extremamente] diferentes [ainda bem!], a situação fez eu pensar. O olhar dele era, como eu já disse, a coisa mais fria e inexistente que existiu. Diferentemente da garota. A felicidade que ela me passava, e a insegurança que eu deixava transparecer. O dela era um olhar quente, confortante e cheio de tudo aquilo que eu queria dela e que não tive. Eu era muito inseguro, ela me contou um dia. Até hoje, espero me encontrar com ela na saída do metrô e aí a gente poderia conversar tudo o que ainda não deu tempo pra conversar. E ela poderia ver que eu ainda estou por aqui, bem como todo o brilho do meu olhar pra ela. Também não morreu.
"Se você tivesse tentado antes", ela disse, "a gente estaria bem feliz agora. Mas eu tô um moleque agora, não dá".

terça-feira, 21 de novembro de 2006

Mais completamente ainda

Sem deixar sequer este nome.
-x-
Mais uma noite significa menos uma noite.
Esperar o jogo de vôlei às cinco da manhã não é lá uma coisa muito saudável a ser feita. Menos ainda se você toma cervejas - quentes - sozinho, fechado em seu quarto, vendo Os sem floresta. Rindo sozinho.
Não é de todo mau. Sei lá, até porque foi legal andar um bocado com as mãos no bolso e ir à locadora alugar algum filme besta. Não era nada engajado, cultural ou qualquer denotação conotativa que um filme iraniano adquire só por ser um filme do Irã.
O que é de todo mau é essa perspectiva de férias sem férias. Férias em que eu vou ter que acordar cedo para, sei lá, ser alguém na vida. Ou poder realizar o maior sonho de viajar sozinho para um país sozinho. Mas também não é de todo mau, não?
Quer dizer... até que não é tão ruim essa coisa de fazer as coisas sozinho. É a coisa mais, mais certa que pode acontecer. Essa coisa de um garoto do amanhã que nasceu anteontem. Tendo em vista tudo o que acontece, vou pegar a expressão e me incluir nela. Essa coisa de garoto do nunca. Não diga que é um equívoco, apenas concorde. E tenho meus motivos para isso.
O filme espanhol [ou é latino-americano?] em cartaz há cinco meses talvez queira dizer alguma coisa.

sábado, 18 de novembro de 2006

Os patos

Tenho estado em uma sintonia tão agradável comigo, com o primeiro [ah, é o primeiro sim!] emprego e com a atmosfera de fim de ano que a inspiração - ou a chatice - pra escrever nem vem. Mesmo assim, sei lá, às vezes é bom ponderar algumas coisas.
Ontem, passou um filme esquisito no Intercine. Era de uma banda de metaleiros from hell que se chamava Cavaleiros Solitários. Achei engraçado, muito embora a inspiração daqui tenha vindo de algum episódio do Chaves de que eu não me lembro mais. Só que, sei lá... gostei. Era como se tudo isso estivesse sendo falado por uma voz idiota. Seria como se tivesse se banalizado - por mais banal que isso já é. Seria como se eu estivesse um dia no bar e alguma garota saísse de sua mesa e fosse à beira da minha e depois voltasse à sua cadeira. "Olha, é o cara mesmo!". Que nem esses dias, quando eu tava na minha mesa e vi algumas garotas se impressionarem com a presença do Marcelo Rubens Paiva na mesa ao lado. Talvez eu tivesse me impressionado mais se eu tivesse lido o Feliz ano velho. Preferi ficar olhando a Mel Lisboa, na outra mesa.
Ainda assim, enquanto o filme rolava solto no Intercine, eu relia algumas partes do Apanhador no campo de centeio. O melhor livro dos últimos anos, talvez. O livro que me ensinou a escrever, talvez. O livro que mostrou que eu não sou tão idiota, talvez. Talvez...
Estava relendo e caí na parte dos patos. Quando o H0lden entra em um mistério danado sobre o destino dos patos do lago do Central Park no inverno. Sei lá, na hora eu pensei muitas coisas. Na minha opinião, os patos aproveitam o curto verão o máximo que podem. Vivem intensamente o verão. No inverno, continuam no mesmo lugar. Mas eu não os vejo mais.
É meio estranho de explicar. Pode ser que fique mais fácil se eu trocar patos por amizades. Quer dizer, as pessoas continuam no mesmo lugar depois de 15 dias; na mesma sala, na mesma mesa, na mesma cadeira, no mesmo horário em tais lugares... Mas a amizade não existe mais, por mais intensa que ela tenha sido duas semanas atrás. Perecível, talvez.
E isso fica mais à vista a cada dia que se passa. Eh, é a vida.
Ah, isso ficou muito, sei lá, sem nexo.
Mas era só pra não perder o domínio do nome, ou qualquer outra desculpa que valha.

terça-feira, 14 de novembro de 2006

Papo, pinga e petisco

Hoje, véspera de feriado, é dia de, sei lá, sair, ficar doidão, encher a cara e passar a quarta-feira de ressaca. Era o que eu iria fazer, caso uma gripe tomba-homem não tivesse me atingido. Toda a trajetória viral não interessa, o fato é que eu acabei ficando em casa na terça à noite.
Já me sentindo melhor, amigo meu me ligou e propôs algo um bocado interessante. Um bar. "Liga lá pro outro moleque, faz tempo que a gente não fala com ele". Meia-noite, pegamos o carro e fomos pro bar em plena Praça Roosevelt. Ao lado de um bar de teatros, dramaturgos e tudo mais. Um bar em que estava a Mel Lisboa e outras belezas do mundo trágico. Mas preferimos o bar vizinho.
Os papos eram, como sempre, interessantes. Bastante construtivos. Faculdade, teorias malucas, revista piauí, piadas engraçadíssimas e coisas do tipo. Tudo isso em meio a elogios ao bar, com uma decoração fenomenal. Olhávamos para o balcão e o dono do lugar estava lá, degustando um vinho e comendo um ou outro queijo. "Deve ser legal ser dono de bar, um bar como esse. Você toma uma, outra, troca uma idéia com a galera..."
Enquanto as Serras Malte iam e iam, as pessoas que passavam até que chamavam a atenção. "Aquele careca lá, tá vendo? Então, ele fez o clipe do Sidney Magal! Aquele 'Tenhoo, um mundo de sensações!', sabe?". Até um cara numa cadeira de rodas motorizada, que se sentou na mesa ao lado. Tudo bem, as cervejas. No fim das cervejas, as especialidades da casa. Não os petiscos, mas as pingas. O dono do bar foi chamado e deu suas dicas. Nada de Umbuena [era isso?], o bom mesmo era a Sassafrás. Ou era o contrário? Acabou que ele recomendou as duas. E depois apareceu com um livrinho que explicava todas as árvores medicinais e tal. Bastante interessante. Depois ele puxou um banco e começou a falar com a gente.
O dono do bar era um velhinho. Não tão senil, era do tipo de avô doidão que qualquer garoto do rock n' roll gostaria de ter. Ele fazia piadas, contava a sua história, o balanço do bar, as matérias que saíram nos jornais... e, claro, do alto de seus 70 anos, falava do vestido que realçava o corpo da loira na mesa 11. Ele falava do seu bar com um orgulho tremendo. Das experiências que ele fez com as cachaças ["Todo mundo deixa a pinga dentro de um barril da tal madeira. Porra, não é mais fácil deixar uma mandeira dentro da pinga? Foi o que eu fiz!"], e do nome. E que nome, porra! ["Antes, eu tinha uma loja que se chamava TTT. Treco, Troços e Trapos. Aí, porra, eu tinha que pensar num nome legal aqui. Mas não queria essa coisa de cachaçaria, é muito lugar comum. Então é pinga. Pinga... Pinga e petisco. E papo, que é o mais importante. Então, PPP"].
Foi quando ele disse que gostava dos seus clientes. "Olha, eu nunca vi vocês aqui, mas gostei pra caramba, sabe? São que nem aquele meu cliente, aquele lá na cadeira de rodas. Tão vendo? Então, é o Marcelo Rubens Paiva..."
Poderia simplesmente parar de escrever aqui e fazer o bar ter valido a pena.
Tá, é isso que eu vou fazer. Até porque eu não tenho mais criatividade pra continuar.

sábado, 11 de novembro de 2006

Um, dois, três... ok, próxima.

Hoje, enquanto me recuperava de algumas cervejas numa sexta-feira após quase três semanas sem beber nada, estive pensando no que era a melhor coisa do mundo. Tá, é um assunto bem idiota e tal, mas, sei lá, é o que às vezes acontece.
Quando cheguei em casa, meu cachorro acordou, latiu, me viu e veio correndo na minha direção, abanando o que lhe resta de rabo. Vinha ofegante, feliz da vida, apoiou as patinhas no meu joelho e pediu colo. Segurei-o bem no alto e ele me lambeu o nariz, e isso fez eu ter uns três segundos de felicidade.
Um pouco mais tarde, um amigo me ligou e me chamou para passar a madrugada em algum lugar bem frio, mas tomando umas cervejas. Nem tava muito afim, já que sábado é dia de acordar bem cedo e tal. Aì eu disse que amanhã é dia de acordar bem cedo, mas que a gente iria se ver à noite, no casamento da irmã do meu amigo. Quando desliguei o telefone, fiquei um pouco feliz por ficar em casa. Essa sensação durou, sei lá, uns três segundos.
Aí eu deitei na minha cama. Lá fora, a temperatura deve estar lá pelos 10 graus, mas não sob meus cobertores e tal. Deitado e aconchegado, lembrei que minha carteira de trabalho não estava comigo. Lembrei que descolei um emprego - o melhor que eu poderia esperar - e que, sei lá, se um dia eu inventar de lançar um livro, aquela biografia de cinco linhas vai ter algo tipo "O imbecil da foto acima é jornalista nasceu no ano de 1988 e começou sua carreira aos 18 anos, no Gazeta Esportiva.net...". Fiquei feliz por causa disso. Sei lá, foi aquela sensação que vem de dentro e te domina por três segundos.
Antes, uma amiga minha apareceu na faculdade e me parabenizou por ter conseguido o emprego. "Como você sabe disso? Humm, eu não contei pra ninguém". Ela, sem graça, disse que as notícias correm. Dei um sorriso que representou uns três segundos de uma sensação que eu tive, algo do tipo 'sei do que você tá falando. E eh, ah ah... ah!'. Nem eu entendi, mas... sei lá.
Mais tarde, quando a aula acabou, eu estava na mesa do bar, passando o maior frio, mas estava com um copo que tinha algo mais gelado dentro. Todos pegaram o copo, a coisa gelada brilhou e todos bateram os copos uns nos outros. Aí, sei lá, isso foi legal. Mas só durou até o timmm parar de soar. Uns três segundos.
Durante o carteado de bar, tinha um rei na mesa e eu pedi um truco, sei lá, meio assim, displicente. A outra dupla fugiu. E eu dei uma risada empolgada, porque eu simplesmente não tinha nada e, porra, que ousadia trucar quando se perde por 10 x 9 e sem nada na mão! Foi legal, me senti bem. Por uns três segundos, aí a outra mão começou.
Sei lá, eu não entendo muito disso, mas a única coisa que eu percebi bem é que a felicidade não existe muito. Quer dizer, é algo que vem de dentro e faz você ter uma... uma overdose feliz de três segundos que, sei lá, faz com que você fique além das nuvens. Não sei muito bem por que eu escrevo isso, mas é que amanhã é dia de casamento. Vestir terno, dar o nó inglês-afrancesado e afrescalhado na gravata e depois brindar, beber, dar risada e ter uns 300 segundos de felicidade. E 30 horas de ressaca no dia seguinte, mas acontece.
Enquanto escrevia, lembrei uma coisa que a minha avó falava quando eu era pequeno e eu não entendia muito bem: "Hoje em dia, falam que as coisas são melhores... Mas qual a diferença, se esses raios de modernidade não duram nada?".
Acho que ela quis dizer três segundos...
Sei lá.

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

Na frente de todos

- Então, mais uma vez, parabéns! Até dia primeiro, primeiro colocado.
Foi isso que a mulher do RH me disse. Importantíssimo pro meu ego, e não muito importante para o meu conceito de final de ano perfeito [nostalgicamente falando]. Mas fenomenal. A Eurocopa que me espere. Ou a África do Sul. Ou os dois, não sei. Mas a Copa América também não seria de todo mau.
Peguei o metrô e pensava só em dormir até chegar na minha estação. Só que não consegui, acho que tava muito cansado pra capotar [quer dizer, é duro passar uma noite em claro. Mas foi por um bom motivo, o jogo de vôlei foi incrível!] e tal. E não é bom dormir no metrô esse sono atrasado, porque você simplesmente capote e, quando acorda, acorda tonto [o pior de tudo é que, justamente quando você vai tomar banho num dia bastante frio, acaba a luz da sua casa e você tem que tomar o banho mais gelado do mundo, mesmo morrendo de sono. Acontece. É engraçado].
O sol está a pino [sem crase, porra!], os meus horários não serão alterados num futuro próximo, o ano está acabando, a minha pressão está boa [12 por 8, nada mal. Quer dizer, era o que a minha mãe dizia pra minha avó quando ela (a avó) estava com a pressão boa], tinha ficado na frente de todos os candidatos no tal processo seletivo... O dia tinha tudo pra ser daqueles de felicidade absoluta e tudo mais. "Mas como eu posso ser feliz se a Polônia sofre?"
Hoje, eu vi um garotinho cego. Ele tinha uns 5 anos e já andava com a bengalinha fazendo tec tec no chão, passando rasteira nas pessoas e tudo mais. Fiquei meio tocado, sei lá, nunca tinha visto isso. E fiquei com um pouco de dó dele, sei lá, não poder ver o mundo. Não poder ver os enfeites de Natal [cadê eles?] da cidade, não poder ver uma garota bonita, de olhos verdes, cabelos castanhos claros e um rostinho angelical?...
Hoje, quando eu fui dar a boa-nova ao velhinho que corta meu cabelo desde meus quatro anos de idade e minha barba desde dois meses atrás, eu vi ali, no canto da rua, uma mendiga que eu conhecia de vista. Não necessariamente de vista, mas é que ela trazia o pentelho do filho dela pra jogar bola com todo mundo aqui do meu condomínio. Tá certo que o moleque era um pentelho mala e tal, mas o fato é que a mulher tava lá, deitada na calçada, dormindo, abraçada com um cachorro pulguento. Já a tinha visto [normas culta, yeah!] algumas vezes antes, e ela também não tava com o filho. E hoje ela tava lá com o cachorro. Como ela era meio malucona, acho que o moleque foi parar em algum orfanato, na melhor das hipóteses. Muita gente falaria "ah, mas é melhor isso pra ele, né, ele deve estar feliz agora, levando uma vida boa e tal". Não sei por que, mas na hora eu pensei no meu cachorro. Ele é feliz, dorme bem, como bem, faz uma festa danada quando eu chego em casa. Come ração boa, come uns biscroks e de vez em quando ele até sobe na mesa - depois de pular na cadeira - e come um pouco de feijão, o que deixa meu irmão puto. Ele é feliz. Mas e a mãe dele? Ele deve ter chorado pra caramba quando ele foi separado da mãe dele. Será que ele não pensa nela, sei lá? Quer dizer... é estranho de se pensar.
Depois, fui tirar os pontos do dente que já não existe mais [maldita humanidade e a mania de ter sisos]. Fiz a cirurgia no posto de saúde em que a minha mãe trabalha e é chefe, e tal. Saúde pública. Cheguei lá, perguntei pela médica que é chefe enquanto a minha mãe tá no outro hospital [tadinha]. Como a minha mãe disse que era pra eu fazer. Falei com a mulher do balcão, ela fez a minha ficha e falou pra eu ir lá esperar, na fila com todo mundo. Fui, mas, sei lá, pensei que iam me passar na frente, como nas outras vezes. Mas achei melhor esperar. Quando cheguei lá, fiquei em pé esperando, prevendo esperar mais ou menos uma hora até ser atendido. No entanto, a dentista abriu a porta, falou com um paciente e estava fechando quando me olhou de relance. Na hora, reabriu a porta e pediu para eu entrar. Em cinco minutos, todos os pontos estavam retirados e eu já estava indo embora. Fiquei menos de 10 minutos lá. Mas quando eu saí, todo mundo me olhava [ou pelo menos eu pensava isso]. Saí de lá com a cabeça baixa, meio envergonhado e tal.
Quer dizer... alguém mais homem de lata pensaria algo do tipo "porra, minha mãe é chefe desse lugar! Se não fosse por ela, ninguém estaria aqui sendo atendido, e tão bem atendido. Então é mais do que justo, já que eu sou o filho dela. O primogênito, motivo de orgulho e piriri". Mas sei lá. E a galera que chegou lá, abriu ficha e ficou esperando? Eles não sabem que eu sou filho da Doutora Xis. E eles nem devem saber quem é a minha mãe. E aí é que fica evidente que rola alguma coisa que beira a discriminação: um garoto de 18 anos, bem vestido, com um tênis da Adidas e com uma camiseta polo que não era da Polo chega, passa na frente de todo mundo, é atendido e sai rapidão. Que putaria é essa? Sabe, eu fiquei com vergonha de ter feito isso. Todo mundo faria, inclusive eles, mas se eu me sinto tão engajado por não jogar lixo no chão e lutar por um país melhor, por que eu não esperei na fila?
Ah, porque, sei lá, eu sou brasileiro, né? E todo brasileiro tem aquele jeitinho.
Quer saber? A terra é uma beleeeeeza [e que beleeeeeeezaaa!!!], o que estraga é essa gente...
Tipo, sei lá, todo mundo pensaria que não tem problema nenhum eu passar na frente de todo mundo, ou então que o moleque filho da mendiga está feliz agora. Mas o que é certo, afinal?

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Alegria, enfim

Essa noite eu tive um sonho. Sonhei que estava na casa de um amigo bastante amigo que hoje já nem é mais amigo. E sua vizinha era a Cameron Diaz. E ela se drogava que nem a galera do Trainspotting fazia. Acordei meio assustado, o relógio marcava cinco da tarde. "Caralho, fodeu! Nunca acordei tão tarde assim!". Olhei de novo pro relógio e era apenas meio-dia.
Olhei a minha lista de afazeres ao longo do dia e lá fui. "Lição de idioma esquisito". Fiz rapidão e já risquei. "Revisar trabalho de Teoria". Reli, mudei alguma coisa e pronto. "Comprar presente do casamento". Entrei no site, imprimi o boleto e também eliminei a tarefa. "Ver o preço do direito à ternua". Submarino, riscado, pronto. Deixei as outras coisas sem riscar e nem vou fazer, isso se chama preguiça.
Fiquei aqui, vendo programas de esportes na televisão. As entevistas engraçadas do Marcelo Tas. Depois, não sei por que, tive um acesso do tipo "é, talvez seja legal mesmo fazer Jornalismo Esportivo. Quer dizer... é, deve ser legal".
Meu celular finalmente tocou. Olhei a tela e era meu amigo perguntando algumas coisas sobre o trabalho. Respondi, desliguei e voltei para a ESPN Brasil. O telefone tocou de novo, eu atendi desesperançoso. O mesmo amigo.
Vim para o computador e fiquei pensando em frente à tela. Pouco depois, o celular voltou a gritar. "Ah, dessa vez não pode ser ele. O toque é diferente". Olho na droga do bina e era ID suprimido. "Já sei quem deve ser. Mas por que ela tá me ligando?". Atendi e lembrei de um sonho que eu tive semana passada. "Oi, aqui é do RH da Fundação, meu nome é Daniela e eu queria falar que você foi aprovado no nosso processo seletivo. Sim, e você começa no dia 29 de dezembro. Pode ser? Ótimo. Obrigada, até logo"
Não foi isso. Mas foi tipo assim: "Oi, eu sou a Daniela [taquicardia, um sorriso no rosto], do RH da Fundação. Você foi aprovado no processo seletivo do Gazeta Esportiva ponto net e começa no dia primeiro de dezembro. Mas você pode passar aqui amanhã trazer os seguintes documentos? Pode dizer? Tudo bem, anota aí: RG, CPF, Reservista (ah, você não tem Reservista ainda? Tudo bem, serve o CAM), título de eleitor, uma foto 3x4, comprovante de residência, comprovante de pagamento da faculdade... é, só". Queria mais era desligar o telefone na hora e ligar para a minha mãe. A minha mãe! Ela tinha que saber, tinha mesmo.
Queria ligar para a minha mãe, queria ligar para o mundo.
A minha vontade agora é a de pegar a lista telefônica e ligar para todo mundo. Desde o Aaron até a Zuleika. Mas não dá.
Caralho, cadê meu RG?

terça-feira, 7 de novembro de 2006

Os novos sons do Weezer

Ontem, encontrei [encontrei é relativo, já que me passaram] um site que tem umas 32 músicas mais ou menos inéditas do Weezer. Mais ou menos porque não estavam na discografia completa que eu baixei do eMula há algum tempo e não tive tempo [na verdade, não tive memória] de ouvir inteira. Mas ontem eu entrei no site, baixei algumas das 32 [ou seriam 33?] e ouvi. Achei legal. Diferentes, como todos os sons do Weezer. Coloquei algumas no meu MP3 e fui para a faculdade.
No caminho de volta, começou a tocar um som que era um pouco mais empolgante do que os outros. A música se chama Fontana, acho. Não sei. Ela fala de um complexo de inferioridade, parece. É legal. Não como In the garage, mas qual que o é? E aí tinha um verso tipo "Why did he reach out to you just now?Touch your hand and say goodbye?" [péssimo listening, que Cambridge me ajude!]. Na hora, com essa coisa de dizer goodbye, eu tive mais um acesso nostálgico que até atormenta um bocado.
Quer dizer, foi quando eu entrei no metrô e senti um cheiro parecido com aquele que tinha no setor de fitas de videogame na locadora. Quando eu ia com meu pai, às terças-feiras, alugar alguns jogos para eu jogar no Super Nintendo. Era legal. Eu gostava. Não só porque eu ia ficar jogando até sexta-feira um monte de jogos diferentes, mas porque era legal ir lá com meu pai, e ele me falava um pouco sobre o Nigel Mansell. Aí eu sempre pegava a fita que era da corrida do Mansell. Tinha um monte de pilotos pra eu ser também naquela fita, mas eu sempre escolhia o Mansell porque ele tinha um bigode igual ao do meu pai. Fazia tempo que eu não lembrava disso. Acho que isso foi há uns nove ou dez anos. Hoje, eu vou à locadora [não a do japonês, aqui perto de casa, porque ela faliu] e fico escolhendo os filmes que eu odiava pra caramba quando eu tinha 8 anos. Naquela época, se não eram as fitas de Super Nintendo, eu só alugava Esqueceram de Mim, O Pestinha ou qualquer coisa do tipo. E meu pai não vê os filmes comigo. Talvez por isso tenha a ver o negócio do goodbye. Tchau aos tempos de Nintendo, de locadora, de bigode do Mansell... da última vez que eu vi, o Mansell tava sem bigode. Da última vez que eu vi o meu pai, ele também tava sem.
Voltei ouvindo mais alguns sons. E hoje, quando eu acordei, olhei para fora e vi de novo aquele clima de final de ano. Lembrei do ano passado, quando eu ia fazer a prova da Unesp lendo 1984, ouvindo Weezer nos ônibus e sonhando em me mudar para uma cidade do interior, longe daqui. "You will never be a better kind if you don't leave the world behind (...) You will never do the things you want if you don't move and get a job", eu ouvia, sentia e sonhava. Era legal. Era fim de ano, o Natal tava chegando e eu estava indo bem nas provas. Eu estava gostando de fazê-las [isso porque a garota por quem eu mais fui apaixonado nos últimos anos estava lá fazendo a prova, na mesma Uninove que eu, mas no prédio para as candidatas de Biológicas. Eu não me encontrei com ela nenhum dia, mas mesmo assim eu gostei de fazer a prova. Porque eu poderia passar lá, ir pra Bauru e ter uma vida nova].
Eu não passei na Unesp, não fui pra Bauru. Também não me encontrei mais com a garota. Pra falar a verdade, acho que o último contato que eu tive com ela foi um abraço [de urso, como sempre!] que a gente trocou no dia da formatura.
Hoje, tive vontade ouvir melhor esses sons do Weezer, pegar a minha guitarra e fazer o maior som com ela. Porque faz quase um ano que eu não toco na minha guitarra. Essa vida de maior de idade que não pôde se dedicar ao mundo do Rock n' Roll e passa o dia fazendo outras coisas menos importantes. Tirei a minha guitarra da bag, olhei para a correia vermelha com um raio branco [perfeita!] e deixei encostada na parede. Fui procurar por algum cabo para que eu pudesse ligar no amplificador [que hoje serve de descanso para os pés]. Não achei. Nada. E isso me deixou meio frustrado. Sem cabos, não poderia fazer aquele som bem alto que fazia todo mundo olhar feio quando passava pela minha janela. Aí eu fui procurar meu violão. Por mais que não fosse um som virtuoso, alto, overdrive, rock n' roll, era um som. Não achei meu violão. Ele está emprestado não sei para qual amigo. Não sei quanto tempo faz. Mas tive saudades do meu violão.
Sem cabos e sem violão, nem adiantava pegar o baixo. Ele não funciona com pilhas e o som dele é muito mais baixo [dãã] do que o da guitarra. Isso se comprar os dois desplugados. Tudo bem. Eu peguei a guitarra, coloquei no meu colo e não consegui fazer o primeiro acorde. Minha mão esquerda está enfaixada. Não é hoje que o rock n' roll vai voltar.
Então o que resta mesmo é ouvir os "novos" sons do Weezer.
E tentar pensar no verso.
Why did he reach out to you just now?
Touch your hand and say goodbye?
Sim, claro! Não tem nada a ver com as fitas de Super Nintendo! Não! Tem a ver com as "Amizades intensas e com prazo de validade curto." Claro!
São as melhores amizades, as mais intensas, que duram apenas 15 dias. Sempre.
Na hora, eu pensei que naquelas doações pras vítimas do Tsunami, eu não poderia dar a minha amizade. Porque ela é perecível.
É... vou ficar com os sons do Weezer. Por 15 dias. Depois eu me encho deles e vou procurar outra coisa.

sábado, 4 de novembro de 2006

Feriado

Sol, calor, chuva no final da tarde e noite agradável.
É assim que eu vejo um feriado. Um feriado perfeito, no final do ano [ah, como eu amo o fim do ano! É quando eu posso me livrar das correntes da rotina e dos sonhos vazios. É quando eu posso olhar pra frente e ver um mundo melhor nos meus sonhos. É quando eu posso ler, me deslumbrar com todos os sorrisos sempre perfeitos de toda a cidade. Apenas o primeiro dos três feriados nas próximas três semanas]... simplesmente um feriado.
Um feriado tão bom assim deve ser passado na praia! Ah, numa praia! Sentado numa cadeira, em volta de uma mesa, com muitos amigos. Tomando água de coco e cerveja. Ao mesmo tempo! E suando tudo (água de coco e cerveja) com a ajuda do sol de todos os graus célsius possíveis. Ouvindo o mar. Vendo o mar. Sentindo o mar!!! E aí, quando todos estiverem bêbados e desidratados, volta-se ao alojamento/casa/hotel/carro. Só até a chuva passar. Aquela chuva que dá uma refrescada e faz o mar ficar bonito pra gente sentar na beira da praia, às nove da noite, e ver as luzes bonitas do outro lado da água. O que é aquilo, são navios? São navios! E aquilo lá? Ah, aquilo... olha que avião colorido! Mas todo mundo aqui vai concordar que a lua é sensacional. Que lua! Alguém já viu coisa assim? Sabe, essa viagem está sendo perfeita. Com as pessoas perfeitas. Vocês são perfeitos! Vocês? Não, só estamos nós dois aqui. Você é perfeita, querida!
Blah, não gosto de praia.
Um feriado tão bom assim deve ser passado no campo. Ah, no campo! A gente acorda às 10 da manhã, liga a tevê e vê desenhos animados. Depois toma algumas cervejas, come qualquer coisa e conversa até todo mundo dormir um bocado. Quando todos estiverem acordados, a gente joga um pouco de baralho e algum jogo de tabuleiro (Banco Imobiliário não vale!). E aí, quando todos estiverem cansados, cada um pega um livro e começa a se auto-esclarecer. Depois, algum já de saco cheio do novo livro do Paulo Coelho, faz algum comentário que faz todos fecharem seus Veríssimos, Salingers, Machados, Kafkas ou qualquer outro livro não muito caro e iniciarem um debate de esclarecimento coletivo (aí sim, hein?). Aí algum cita a letra de alguma música [Rock Nacional!]. E, para mostrar como é a música, ele puxa um violão. Todos puxam seus violões e a gente toca até a mão esquerda ficar com cãimbra de tantas pestanas. Aí a gente bebe mais um pouco, deita na grama e vê as estrelas. E cada um de nós faz revelações sobre a sua vida pessoal. Sabe a Carol? Então, eu estou perdidamente apaixonado por ela. A Carol? A Carol é bonitinha, cara, vai fundo! E torce pra mim, pro meu papo colar com a Flavinha. As conversas com elas são demais! E você, meu, tá todo quieto aí... que tem? Ah, tô com saudade. Saudade da Ju. Ela ficou lá trabalhando, a gente nem se ligou hoje. Ah, relaxa! A Ju é demais mesmo, tô feliz por você! Valeu, eu também tô feliz que você terminou com a Na... sabe, ela te enganava. Sério? Sério! Ah, tudo bem... porque eu já tava apaixonado pela Silvinha enquanto isso. Pena que não deu certo. E... e você, arrombado? Ih, dormiu. Todo mundo dormiu.
Blah, não gosto do campo.
Você gosta do quê, hein?
Ah, eu gosto... eu gosto da minha casa, serve?
Um feriado tão bom assim deve ser passado em casa. Ah, a minha casa! Acordar na hora do almoço, com dor no dente que já não existe mais (porque a humanidade não usa mais o siso). E não poder almoçar, porque a cicatriz dói, arde, lateja e sangra. Ligo a tevê e só passa desenhos animados vindos diretamente do Japão. Não gosto, mudo de canal e vejo as ofertas. Os carros que eu nunca vou comprar, os apartamentos que eu nunca vou comprar... então desligo a televisão e vou ler um livro. Não, não vou ler um livro. Não tô com tanta vontade assim. Então eu vou... ah, vou pegar um baralho e... ah, não, não dá. Não dá pra jogar sozinho. Beleza, eu pego uma cerveja na geladeira, escolho um filme legal pra rodar no dvd, pego o telefone e chamo a... não, não dá pra tomar cerveja. Eu tô tomando antibiótico. Tudo bem, então eu vou só ligar pra... pra... pra... não, não vou ligar pra ninguém. Ninguém vai vir aqui em casa. Que tédio! Então eu vou dormir. Ah, mas não vou conseguir dormir, tô com o saco tão cheio de um feriado tão chato! Preferia estar na praia... eh, eu queria estar na praia. Ou no sítio, já pensou?

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Réquiem

Quinze minutos para sair de casa.
Quarenta e cinco para sair ver o túnel de luz.
Três horas e quarenta e cinco minutos para, se tudo der certo, voltar para casa.
Três dias para tudo passar.

O problema é que três dias não passam tão rapidamente assim. Mas, como da primeira vez, vou tentar ser o herói de sempre.

Sem calmantes, sem drogas, sem psicólogos. Sem Diazepan, Mandiopã, Éter, Cocaína, alegria...

Se eu ficar quatro dias sem postar, desejo que doem meus órgãos. Desejo que minha guitarra seja doada para o fundo de caridade de rockeiros doidões órfãos. E que meu baixo vá para o retiro dos rockstars. Meu violão - que eu nem sei onde está - pode ser leiloado. Ele deve valer alguns trocados, a acústica dele é boa.

Meus livros podem ser todos trancados em uma urna protegida contra bombas. Daqui dois milhões de anos, os marcianos vão querer ler Harry Potter.

Minhas camisas e meus pôsteres do Palmeiras também vão nessa urna, mas não sei muito bem por quê.

E se alguma boa alma souber que esse blog existe, que faça um apanhado e publique um livro de auto-ajuda. Vai ser bem útil.

E se esse livro for publicado, toda a sua renda deve ir a alguma instituição do tipo Sem-Siso Anônimos. Ou para os Medrosos por Cirurgia Anônimos. Ou para os Pseudônimos Anônimos...

E se essas instituições não existirem ainda, que sejam fundadas em minha memória.

Até logo. Eu espero.

terça-feira, 31 de outubro de 2006

Pra ninguém me acordar

Pelo mundo afora, dá pra encontrar um monte de significados concretos e subjetivos, cunhos vernáculos e definições mistas pra um sonho: experiência da imaginação, REM, viagem da alma, alguma coisa que você deseja muito... e por aí vai. Isso não interessa; o empiricismo que acaba justificando o que rola à noite. Ou de dia. Ou o tempo todo, dependendo da pessoa.
Ontem, eu cheguei em casa à noite. Coloquei um dvd no computador e comecei a assistir ao filme. Era um filme legal, era sim. Mas acabei dormindo deitado [que bom!] no chão do meu quarto, logo na metade da história. Foi bem chato, porque o filme era bastante interessante. Mas acho que eu acabei dormindo porque o sonho queria porque queria sair. Depois eu acordei com o telefone tocando.
Oi, aqui é do RH da Fundação, meu nome é Daniela e eu queria falar que você foi aprovado no nosso processo seletivo. Sim, e você começa no dia 29 de dezembro. Pode ser? Ótimo. Obrigada, até logo.
No sonho, eu gritei. Um porra bem alto, decidido. Estridente. Acho que gritei tão alto no sonho que o barulho fez eu perceber que eu tava no chão do meu quarto, deitado e dormindo. Não sabia o que era real ou o que era sonho. Depois de dois minutos, quando vi que o programa de dvd ainda estava ligado, assim como o computador e o monitor, percebi que tudo era sonho. É, acontece. Mas é ruim quando você sonha que tá sonhando. Sempre acontece isso, e não é lá muito legal.
Depois, bem acordado, peguei o telefone. Do mesmo modo que ontem, liguei. 0 - 15 - 19... e antes do telefone começar a dar sinal de linha, eu já sentia aquela sensação bem desagradável que eu sentia sempre que ligava para uma garota por quem eu era apaixonado. O coração descia para o estômago. Ou o cérebro descia para o coração. Alguma coisa bem tosca assim que não tem muita explicação. O fato é que eu não sentia isso há quase um ano. Não porque cresci e aprendi a controlar a situação, mas é que não liguei para mais ninguém. Não liguei em nenhum sentido, se é que cabe justificativa.
Quando finalmente o meu ídolo de infância atendeu, aconteceu a mesma coisa que acontecia com as garotas. A voz se precipitava, eu não sabia muito o que falar. Tudo bem, semana que vem.
Segunda-feira, provavelmente. Vou realizar meu sonho de infância. Duas vezes.
E, se tudo der certo, vou começar a pôr em prática meu sonho profissional na própria segunda-feira.
E se tudo der certo na segunda-feira, meu sonho financeiro entra em ação.
E aí, se tudo der certo, vai ser uma das primeiras vezes em que algum sonho pensado antes vai dar certo. E eu aposto tanto que isso será um up na minha auto-estima que eu vou me sentir bem o bastante pra correr atrás de todos os meus sonhos pessoais.
É torcer pra dar certo. E pra ninguém me acordar.

segunda-feira, 30 de outubro de 2006

O Homem Sono

Balada do alojamento foi aquela maravilha: open bar de cerveja, Montilla, jurupinga e aquela delícia de churrasquinho. Sem contar tudo o que rolava por parte de cada um: cigarros, psicotrópicos e tudo o que for da lei – ou não. O resultado disso foi a galera aproveitando até o último instante, dançando até a última música. E, na manhã de sábado, todos se retiravam para suas barracas ou salas de aula. Todos, inclusive o garoto que estava no seu primeiro JUCA e tinha aproveitado todos os alcoólicos oferecidos, além de um bom e velho psicotrópico.

Às sete da manhã, eu e o Ivonaldo acordamos com um ruído estranho, semelhante a um PT alheio. Olhamos para o lado e vimos o Bixo de JO em posição de gorfo, com sons de gorfo... mas não era nada além de um sonho de gorfo. Exatamente: o jovem sonhava que estava a vomitar. Após umas vinte contrações, o sonho cessou e voltamos a dormir. Mas o Ivonaldo com muito mais medo, já que estava ao lado do sonhador: Ele vai gorfar em mim, eu tou a menos de 2 metros dele!

O sono de todos era profundo até Marcos Mion e sua trupe invadir todas as salas acompanhado da bateria e de um megafone que tocava Titanic. E isso não deixava ninguém dormindo. Todos, menos um: Ele.

A sala era a primeira à esquerda da escada pro primeiro andar. Com a invasão do monitor marfinense, os que lá estavam tiveram seu sono interrompido com a algazarra alheia. Terminada, todos os baderneiros saíram. Os três últimos, que ainda se divertiam balançando uma barraca, olharam para o canto e viram o nosso querido herói jogado sobre sua mala, com a cabeça apoiada na lousa e sem despertar de seus sonhos. Foi o suficiente: Dormiu na lousa, dormiu na lousa!

Estavam certo. E lá ele continuou imóvel, estático... E com sono.

Acordei não muito tempo depois, por volta das 8h30min. Ivonaldo, com medo, nem dormir conseguiu. Descemos, tomamos o café da manhã e voltamos para o quarto para ver como estava o nosso amigo. Ele não jazia mais sobre as malas, estava tentando levantar. Apoiou-se, sem muito equilíbrio, em uma cadeira. Estava ajoelhado. Segurou com os dois braços nos pés da cadeira, encostou a cabeça sobre o assento... E lá ficou. Dormindo.

Rindo – e muito – colocamo-lo sentado e fomos para o corredor conversar e ver as gostosas que acordavam. Esporadicamente, íamos ver o estado daquele que dormia profundamente. Ele estava bem, estava com a cabeça apoiada nas palmas das mãos e sonhava sabe-se lá com o quê. Foi assim que o deixamos e fomos ver na lanchonete o jogo de Portugal.

Assim que o juiz apitou o fim do primeiro tempo, voltamos. E lá estava ele, sentado e dormindo. O relógio já marcava quase 11h e ele se mantinha imóvel. Colocamos nossas camisetas coloradas e fomos ao estádio ver a final do futebol de campo. Lá na arquibancada, logo no começo de jogo, qual não foi a minha surpresa ao ver algo vermelho meio cambaleante chegando. Ah, ele não tinha morrido!

Tá certo que a final não foi o melhor jogo do mundo, ainda mais com a vitória do Mack... Mas pelo fato de estar perto da bateria, pelo menos em pé a gente ficava. A gente, não ele. O garoto dormia. E muito.

Depois fomos almoçar. Mé, ele e eu. O Itiban não tava lotado, mas o que estava interessante era o Gana x República Tcheca na TV. Jogão, jogão! Todos entretidos... menos o nosso companheiro que dormia. Isso, dormia.

Aí ele voltou pro alojas. Umas 14h, mais ou menos. E capotou. Só acordou às 21h, comeu um x-salada... e só então ficou bem, só então acordou. Depois de dormir 14 horas seguidas. Depois de dormir na lousa, dormir na mala, dormir ajoelhado, dormir sentado, dormir no estádio, dormir na lanchonete, dormir no chão, ele agora é lenda. O nome dele não interessa, mas ele se tornou o mito do Alojamento ao afirmar que não ouviu bateria nenhuma entrar na sala.

Sim, ele é o mito. Ele é o Homem Sono!
______________________________________________________________
Esse texto já é velho. Mas é bom eu acabar postando tudo aqui, já que a iminência de uma cirurgia não muito eminente pode pôr tudo a perder.

sábado, 28 de outubro de 2006

Ele não precisava vender canetas

Quarta-feira, 21 horas, um bar com telão em uma travessa da Avenida Paulista. Jovens universitários deixavam a última aula de lado para assistirem ao clássico mais clássico do futebol brasileiro. "Grande, vê uma mesa pra sete. E... e duas Itaipavas, pode ser?"
Marcelo olha em volta e logo vê a mesa à sua frente. Um casal enamorado, bastante enamorado, trocava beijos, abraços, afagos e desejos. Com uma garrafa de cerveja e dois copos vazios (por que beber se você está num bom momento com a sua pequena?) sobre a mesa. Na mesa ao lado, colada à do casal, havia outra mesa; nela, um velhinho. Um velhinho sem forças, desanimado, abatido. Um velhinho cansado com seus 80 ou 90 anos. E com uma latinha de Coca-Cola e um copo quase vazio sobre a mesa.
O universitário ficou refletindo sobre o grau de parentesco, se é que havia, entre os observados. Parou de refletir quando a garota parou de se atracar com o namorado e encheu o copo de refresco do velhinho e disse carinhosamente para ele: "Se você quiser mais, é só pedir, viu?" Foi o suficiente para o garoto ter certeza: "Ele é avô dela. Que falta de consideração, ficar assim e não dar atenção pro avô! Olha só pra ele, coitado!"
Para não ficar mais entristecido com suas definições sobre a vida do velhinho, Marcelo se entreteve com o assunto da mesa: o futebol. No entanto, ainda mantinha um rabo de olho na mesa à frente. Numa de suas olhadas, viu uma cena que o deixou extremamente sem reações. Preferiu se entreter com o assunto da mesa.
Cinco minutos depois, o velhinho pegou sua bengala, colocou seu boné e levantou com dificuldade. Esboçou alguns passos e, para o conflito de Marcelo, puxou assunto com um dos garotos da mesa. Olhou para a camisa verde e sussurrou, cheio de orgulho: "Eu também sou palmeirense!"
O olhar de Marcelo brilhou. Se o jogo não acontecesse, o garoto não se importaria. O velhinho continuou: "Eu sou muito amigo do Juninho Botelho, sabe? É, a gente se falava bastante! Eu cheguei a jogar no Palmeiras há um tempão. Faz muito tempo! E, sabe, eu era muito ágil. Eu era goleiro. Mas não cheguei a virar profissional, porque lá tinha um goleiro muito, muito bom. Eu era amigo dele. Ele era um grande goleiro, o..."
- Leão? - interrompeu um dos integrantes da mesa
"Não, mais antigo ainda! Era o Oberdan Catani! Naquela época, era diferente. Era uma... uma academia, né?"
O jogo ia começar. Um outro grupo de jovens chegava para torcer por algum dos dois times que iam jogar. Enquanto isso, o velhinho pegou sua caixinha com canetas coloridas. "Canetas coloridas por R$ 1,00". E foi embora, devagar e sozinho pela travessa da Paulista. Para a tristeza de Marcelo, que ouvia, com um sorriso estampado no rosto, as palavrras banhadas de orgulho e nostalgia do velhinho.
E guardando no bolso da calça o lenço que o velhinho usava para assoar o nariz. Na hora, o garoto lembrou-se da cena que o deixara de cabeça baixa: o velhinho, com movimentos rápidos, não conseguiu impedir que uma nódoa bem lenta de sujeira atingisse suas calças. "Ele era um bom goleiro, bastante ágil e com muitos amigos. Hoje, é sozinho, vende canetas nos bares e seus movimentos são lentos..."
O velhinho foi embora com suas canetas e seus devaneios.
Marcelo ficou no bar com sua imaginação e seus devaneios.

quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Uma carta

Leia e pense em uma garota.
[e me chame de pato. Ou emo. Ou trouxa]
__________________________________________________________

Esta é a última carta que vou lhe escrever
E poderá chorar ao saber que ela foi feita pra você. Só você.

É triste quando ajo mal e dizem que não vai vir
Ou quando estamos juntos e você tem que ir
Então corro pra janela e de longe poderá me ouvir chamar

Tentei ser o melhor que consegui
Mas não era o bastante porque eu menti
Como poderei chorar se nunca sorri?
Passei o ano inteiro a te esperar,
Me deprimi com a certeza de que não virá
E de que não nos veremos mais porque cresci...

Não há mais porque viver sem acreditar em você
É injusto o fato de não podermos estar juntos,
Mas saiba que sempre estarei esperando você me visitar

Dói-me ao ver de longe você com outro
Entre pedidos, juras, beijos e abraços...
Prefiro nem imaginar se pudesse eu estar em seus braços

Percebo que talvez não sinta mais minha falta
E que encontrou outro que te divertirá
Pois te vejo em seu carro com sua risada sempre mais alta

Poderíamos ter nos dado bem
Mas fui obrigado a te deixar
Agora vou só chorar. Só chorar
__________________________________________________________

Agora releia. Pense apenas no Papai Noel, que é pra quem isso foi escrito.
[e me chame de idiota, imbecil ou coisa que o valha]


Pois é...

Eufemismos para uma vida saudável

A coisa que mais vem enchendo o saco em todas as coisas de auto-ajuda ou qualquer discussão de relacionamento é a sinceridade. Todo mundo quer que o outro seja sincero. E, cá entre nós, isso é impossível. Quer dizer, ou você é sincero ao quadrado ou você evita uma guerra civil por dia. Ou duas.

No entanto, eu prefiro ser sincero. E aí é que entra em jogo o eufemismo. Eu sou sincero, tal, mas a sinceridade pode ser suavizada. Segundo a Wikipedia [que vai ser, em breve, - ou que já está sendo, não sei – o maior terror de todos os professores em trabalhos escolares], essa droga toda significa uma figura de estilo que consiste em suavizar a expressão de uma ideia modesta, substituindo o termo contundente por palavras ou circunlocuções menos desagradáveis ou mais polidas.

Seja lá o que for, é o que vem fazendo parte do meu cotidiano. Eu explico. Empiricamente, com alguns exemplos do meu dia de hoje:
-x-

Situação I

Uso: Seus amigos perguntam em quem você vai votar.

Eufemismo: Ah, não sei. Tô em dúvida. Mas de uma coisa eu tenho certeza: anular eu não vou.

Tecla SAP: Então, eu vou votar no Lula. No PT, sabe? Vou acordar no domingo e vou falar 'É Lula de novo, com a força do povo!'.

Explicação Lógica: Sinceramente, não dá pra ter alguma dúvida entre Alckmin e Lula. Eles são completamente – e teoricamente – opostos!

É a mesma coisa que você dizer, por exemplo, que não sabe se vai torcer pra Palmeiras ou Corinthians, e não quer que o jogo empate. No fundo, ela tem uma preferência.

Mas tudo bem, é aceitável esse eufemismo. Já pensou se a outra pessoa é daquelas pessoas que, quando o assunto é política, se transformam em um Edir Macedo e sentam o pau em tudo do mundo? E também que, em tempos de hoje, votar no Lula não é uma decisão lá muito acertada.

Mas o eufemismo é bom. Eu faço uso dele todos os dias. Porque, sim, eu vou votar no Lulalá.
-x-

Situação II

Uso: Salas de aula, em geral.

Eufemismo: [x] (a pessoa simplesmente não fala nada)

Tecla SAP: "Tem alguma coisa errada entre a gente, tá faltando comunicação. É, eu sei. E a falha vem daí pra cá. Eu não vou falar nada pra depois ser acusado de chato, chiclé ou coisa que o valha. Mas acho que a gente tem que conversar. O mais rápido possível."

Explicação Lógica: O cara é um perfeito panaca e não pode fazer muita coisa. Além de tudo, é orgulhoso para chegar nas suas melhores amizades [que duram 15 dias, se muito] e falar que precisa de alguém para conversar. Ou que a amizade não tá tão amizade assim [seja lá os motivos relacionados], e é preciso conversar.

Mas ele é um panaca. E faz do silêncio um eufemismo. É o melhor que ele faz. Depois vão e falam que ele é um fresco e tudo mais. Coitado.

-x-

Situação III

Uso: Seu time está brigando para fugir do rebaixamento e enfrenta o seu maior rival, na mesma situação. Você tem porque tem que ver esse jogo. Para isso, tem que deixar a faculdade mais cedo, mas a presença na aula perdida é fundamental.

Eufemismo: Professor, eu tenho um compromisso inadiável. Não vai dar pra ficar na aula hoje, e eu tô meio assim nas faltas da aula do senhor. Eu queria muito, muito ver a sua aula, mas é que não vai dar mesmo. Desculpa.

Tecla SAP: O Verdão vai jogar, cara, e eu tenho que ver esse jogo. Descola a presença aí, vai, não te custa nada! Quebra essa, professor!

Explicação Lógica: Você tem que ver o jogo, porra!

-x-

Situação IV

Uso: Situação III. O seu time perde por 1 a 0, é ultrapassado pelo rival e, agora, beira a zona do rebaixamento. Além de tudo por que você passou para ver o jogo, a partida foi uma bosta. Seu tima não fez porra nenhuma e você perdeu duas horas de sono.

Eufemismo: Eh...

Tecla SAP: Bando de filhos da puta! Vai tomar no cu, caralho, que bando de filhos da puta! Enfia a bola no cu, arrombados de merda! Até minha avó perneta jogaria melhor do que vocês, cacete, vai tomar no cu! No cu, filho da puta! Filho da puta, filho da puta,...

Explicação Lógica: Você é um cidadão, não fica falando palavras feias assim, ao vento. Se você pelo menos estivesse frente a frente com os jogadores do time, vá lá...

-x-

Situação V

Uso: Situação IV. Ao voltar para casa, moleques de rua - e com cara de trombadinhas - te abordam no metrô e pedem algum trocado.

Eufemismo: Tô voltando pra casa, brother, valeu.

Tecla SAP: Porra, vai tomar no cu! Eu passei o dia todo fora de casa, trabalhando, e depois fui ver a merda do jogo da bosta do meu time. Tô nervoso e você ainda vem me pedir dinheiro? Vai trabalhar, vagabundo!

Explicação Lógica: Você está cansado e com dor de cabeça, não quer discutir. É melhor chegar em casa logo e dormir...

-x-

Situação VI

Uso: Situações II, III, IV e V

Eufemismo: este post

Tecla SAP: Puta que pariu, que dia de merda!

Explicação Lógica: Falta de criatividade e tudo mais.

-x-

Enfim, você percebeu a necessidade dos eufemismos na vida de um cidadão de bem. De um herói. Ele é sincero, não mente pros pedintes e muito menos para suas amizades intensas e com prazo de validade curto.

Sim, um herói. Imagine quantos conflitos não foram evitados assim! E quantos não seriam evitados se todo mundo pensasse assim?

Ah...

domingo, 22 de outubro de 2006

Tema da vitória

Domingo sempre foi o dia mais chato da semana. Digo isso não por mim, mas por Felipe. Para ele, tudo de pior acontece aos domingos. E, claro, é quando o tédio atinge o apogeu. Digo isso não só por mim, mas por toda a população mundial.
Após uma noite muito, muito longa - e perfeita -, o garoto acordou às nove da manhã e ligou a televisão, como faz todos os dias. No entanto, não teve vontade de mudar de canal, como faz todos os dias, e ficou vendo o programa de esportes. Era tudo uma cobertura maçante sobre a corrida de Fórmula 1. Não é lá muito fã de corridas e muito menos de carros. Não sabe dirigir e nunca se importou muito com isso. Só assistiu a todos os detalhes da programação porque era uma data especial. Quer dizer, era o que o apresentador anunciava a todo instante. Na verdade, Felipe se manteve na frente da telinha porque, desde pequeno, só gostava das corridas de Fórmula 1 e não sabia muito a razão disso.
*
Domingo sempre foi o dia mais importante da semana. Digo isso não por mim, mas por Felipe. Para ele, tudo acontece aos domingos. E, claro, é quando ele é visto como a maior promessa de todo um país. Digo isso não só por mim, mas por todos que entendem do assunto.
Após uma noite muito, muito longa - e mal dormida -, o jovem acordou cedo e se preparou psicologicamente para o resto do dia. No entanto, não teve problemas em controlar o cansaço que o abatia pela noite em claro que passou; apenas viveu tudo de acordo com o que era previsto: treinos, cálculos, estratégias, minutos, segundos, cobranças... Isso porque toda a imprensa de um país que se orgulha apenas de seu esporte fazia comparações, e tudo isso o cansava. Era uma tremenda chatice a cobertura feita em cima de uma corrida. Tá certo que era a última do ano, a última do amigo e seria em sua terra natal; mas, na verdade - e essencial para Felipe -, o mais importante disso tudo era o momento. Era viver o sonho desde quando pequeno, desde que se apaixonou por carros, aceleradores, marchas e ultrapassagens. Era a razão de viver.
*
Quando a corrida começou, Felipe estava deitado em sua cama. A transmissão, por mais chata que fosse por causa do narrador ufanista, servia como exterminadora do tédio. Domingo, o dia do tédio. Sempre foi assim, desde quando era pequeno. Algo deveria mudar, e o garoto sabia bem o que seria. A realização de um sonho seria tudo o que tiraria o ar entediante dos domingos.
Viu, torceu, acompanhou tempos de paradas nos boxes, analisava ultrapassagens, freadas, fazia projeções sobre pilotos. Felipe sempre gostou de corridas de Fórmula 1, e apenas de corridas de Fórmula 1. Aos poucos, entendia a razão por essa paixão: quando pequeno, adorava acordar às nove da manhã para ver as corridas. Não exatamente para ver as corridas, mas para ver a vitória de Senna. Para ver as vitórias de ponta a ponta do piloto brasileiro. Para ver o hino nacional, o pódio, o estourar dos champanhes... para ter orgulho de ser brasileiro, embora não entendesse muito disso aos cinco anos de idade. E era por isso que se mantinha vidrado na frente da televisão enquanto a corrida acontecia.
*
Quando a corrida começou, Felipe estava concentradíssimo dentro do cockpit. O autódromo estava apinhado de torcedores ufanistas que davam alguns cavalos de potência a mais para o seu carro. Domingo, o dia da adrenalina. Sempre foi assim, desde quando era pequeno. Nada deveria mudar; se pudesse, congelaria o momento. Tudo isso significava um sonho realizado.
Freou, acelerou, parou nos boxes, arriscou. Felipe sempre gostou de corridas automobilísticas, não necessariamente da Fórmula 1. Aos poucos, entendia toda essa paixão: desde pequeno, adorava correr nas pistas de kart e sonhava em chegar à principal competição da categoria. Em ganhar de ponta a ponta, em subir ao pódio, em ouvir o hino nacional sendo tocado para ele, em participar da festa do champanhe. E era isso que o mantinha nessa empreitada, nesse sonho.
*
Quando a corrida terminou, Felipe ouviu gritos e estouros de fogos de artifício ao redor. Não ouvia isso desde a Copa do Mundo, uma celebração pela vitória do Brasil. Entretanto, os sons da rua não eram as coisas que mais empolgavam Felipe, e sim a música que tocava na televisão. O garoto pôde se lembrar de quando tinha cinco anos e comemorava a cada vitória do Brasil na Fórmula 1. Era demais. Na época, sentia orgulho de ser brasileiro, e não entendia muito o porquê. Hoje, o sorriso que era arrancado pelo momento ia além dos motivos que Felipe supostamente teria para dá-lo.
Depois, o pódio. Ao fim da transmissão, olhou-se no espelho, e achava que iria ver uma criança de cinco anos que se deleitava ao ver uma vitória de Senna da Fórmula 1. Achava que, agora, o vencedor da corrida de hoje fará o garoto voltar a acordar às nove da manhã para assistir às corridas.
Assim que se lembrou de que se olhava no espelho, Felipe viu o que se passava. Embora o olhar esperançoso fosse o mesmo de 13 anos atrás, a barba hirsuta era a principal evidência de que os tempos agora eram outros. Mas a esperança de torcer se mantinha. Fato.
*
Quando a corrida terminou, Felipe não ouviu mais nada. Sabia que ouvia gritos e estouros de fogos de artifício ao redor, e que a música, o tema da vitória, tocava na televisão. Contudo, o que mais o empolgava era imaginar as milhões de pessoas comemorando o seu fato. O jovem provavelmente não se lembrou de quando tinha cinco anos e comemorava a cada vitória do Brasil na Fórmula 1. Hoje, sente orgulho de ser brasileiro, e passava a entender o motivo ao olhar para cima e ver as arquibancadas em festa. O sorriso que era arrancado pelo momento ia além dos seus sonhos.
Depois, o pódio. Ao fim de todo o praxe, olhou-se no espelho, e achava que iria ver um homem acima das nuvens de tanto prazer. Achava que, agora, fará milhões de pessoas acordar às nove da manhã para assistir às corridas.

Assim que se lembrou de que se olhava no espelho, Felipe viu o que se passava. Embora o olhar sonhador fosse o mesmo de 13 anos atrás, a principal diferença era que, hoje, tudo era real. E a euforia se mantinha. Fato.
*
Domingos não são tão ruins assim se você souber aproveitá-los.

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Imaginar, sonhar.

Doug acordou quase na hora do almoço, ligou a tevê e ela estava passando os mesmos programas de sempre. Do alto de seus 18 anos, já estava cansado disso. Era como se acordasse todos os dias no domingo. Era tudo sempre igual, as mesmas coisas... as mesmas manchetes dos noticiários esportivos, os mesmos programas repetidos nos seriados de depois do almoço...
O garoto se sentia estranho. Melhor do que o dia anterior, mas estranho, ainda assim. Era como se seu lado direito fosse o avesso de todos. Ou como se o seu dentro fosse o fora coletivo. Era estranho. Era como se sonhasse com alguma coisa, fizesse de tudo para alcançar seu objetivo e soubesse que nunca o conseguiria. No entanto, era bom. Quer dizer, era bom ele pôr a cabeça no travesseiro, olhar para cima e imaginar. Imaginar, sonhar, viajar. Imaginar os sonhos que teria, imaginar as viagens que faria... sonhar com as imagens com que se depararia [o Expressionismo viraria o mais sutil do Impressionismo], sonhar com todos os detalhes das viagens que ele faria... viajar pros lugares que nunca imaginou, viajar pros lugares com que nunca sonhou.
Queria acordar numa segunda-feira, deixar o marasmo de lado. Queria se sentir útil, queria ser o que ele sempre sonhou em ser.
Para isso, ligou a tevê a fim de saber as notícias do Brasil e do Mundo. Para isso, saiu de casa mais cedo para aprender novos idiomas, enriquecer culturalmente e se diferenciar da multidão. Para isso, foi pra faculdade no horário correto. Para isso, voltou pra casa sem beber, fumar ou qualquer outra coisa - se um dia você quer ser alguém, só o conseguirá com a cabeça no lugar -. Para isso, teve vontade de dormir no horário certo.
Doug não dormiu no horário ideal. Já passam de 2 da manhã e ele está acordado, sentado na frente de seu computador, digitando uma carta para sua mãe. Para surpreendê-la. Porque hoje foi Dia do Médico e ele não pensou em nada melhor para dar-lhe de presente.
Doug não dormiu no horário ideal porque viveu o dia. Porque foi utópico. Porque percebeu que percebeu as pessoas. Porque entendeu que nem sempre há um sorriso quando se precisa de um. Quer dizer, Doug é um garoto que gosta de surpreender. E que gosta de ser surpreendido. Ou pelo menos espera gostar de ser surpreendido. Porque nunca fora, e Doug odeia o marasmo. Muitas vezes, ele se aproxima da pessoa porque ela parece ter capacidade de surpreendê-lo. E se afasta por perceber que a pessoa é como a programação dominical de televisão. Doug odeia domingos.
Doug não dormiu no horário ideal porque está deitado em sua cama. Está pensando. Pensando na vida, sendo realista. Está entendendo que não conseguirá alcançar sua meta. Ultimamente, Doug vinha tentando escrever para alcançá-la.
Doug, enfim, dormiu. Bem tarde. Amanhã, vai acordar tarde. Vai ligar a tevê e vai ver os mesmos programas de sempre. As mesmas manchetes nos noticiários esportivos. A mesma esperança vã. Doug vai acordar em mais um domingo, esperando se segunda-feira chegar.
Amanhã, Doug vai ter mais um plano. Depois de amanhã, mais um.
Boa noite, Doug.
Bons sonhos.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

Uma vida [mais ou menos] regrada

Pela primeira vez em muito tempo, Álecs acordou cedo. Por livre e espontânea vontade. Sempre gostara disso, de curtir o dia por inteiro em vez de acordar ao meio-dia e viver desnorteado.

Às 8h30, Álecs abriu seus glazis e, em seguida, empurrou para o lado a janela de seu quarto e pôde ver um sol meio tímido, que preferia se esconder atrás das nuvens. Ligou a tevê, procurou por um programa interessante. Deu graças a Bog por a chuva começar e o dia ficar mais animado. Então deixou a janela aberta, ficou vendo a água cair solta e colocou algumas músicas para tocar. As músicas da velha banda a rigor que serve de trilha sonora no fim de ano.

Álecs fez a barba, tomou banho, reacertou a barba, deitou em sua cama e voltou a ler o livro. Foi para a faculdade mais cedo - decidiu enfim chegar no horário. Pegou o metrô mais lotado e leu o livro. Chegou na sala vazia e leu o livro. Começou a aula maçante e leu mais o livro.

Quando finalmente voltou para casa, viu que estava na página 174 e o livro já estava no final. Depois de um dia sem muito o que fazer - as mesmas decepções de sempre, ó, druguis -, sentou-se e se pôs a escrever.

Pensou, observou, analisou, concluiu. Quando foi escrever; ar ar ar.
Repensou, reobservou, reanalisou, reconcluiu. Ar ar ar.

Ar ar ar.
Ar, ar, ar.

Nada.

domingo, 15 de outubro de 2006

Pita, o eremita

Feriado é pra ser comemorado com churrasco. E churrasco tem que ter cerveja (muita cerveja), pão e, essencialmente, muitas pessoas - velhos amigos, de preferência - conversando, rindo e jogando o tempo fora. Ultimamente, também há alguns churrascos que têm carne, mas são poucos. E são bons os churrascos com carne, pois combina com a cerveja.
Com Pedro não foi diferente. O convite era para que passassem os cinco dias [cinco pra eles, dez para ele] de folga no sítio numa cidade do interior, mas que fica bem perto da capital. Por gostar muito da minha casa, preferiu inventar uma desculpa e convencer os velhos amigos de que o melhor a fazer era uma confraternização - ou churrasco - no final de semana e pronto, ponto.
Foi o que foi feito, com muita correria. Porta-malas lotado de isopores lotados de cervejas lotadas de diversão embebida em gelo transformado em água bastante gelada. E, nos assentos revestidos de couro, os viajantes deixavam a cidade em um clima de viagem animada (os viajantes, os carros nas ruas, as ruas que desaguavam nas estradas, as estradas que atravessavam cidades e as cidades por onde passavam os viajantes ficavam magicamente alegres), e a cerveja que tomavam às dez da manhã do sábado somente acalmava os ânimos dos quatro que riam, conversavam, relembravam, riam, faziam piadas e riam mais ainda. E, enquanto falavam sobre faculdade, música, exatas, humanas, cursinho, carro e garotas, o carro passava as placas de quilometragem na rodovia e Pedro descobria que se você viaja num dia de manhã e essa manhã está ensolarada, a viagem será boa.
Adriano dirigia, Augusto fingia indicar o caminho, Igor puxava os assuntos, Pedro olhava a paisagem e os quatro riam do carro que os seguia. Em meio a uma conversa, o co-piloto e dono do sítio disse que seu primo já estava lá com os amigos e, por isso, não precisaríamos se preocupar com muita coisa. Nem com o churrasco. "O último churrasco que eu preparei, nem o gato quis comer. Mas não tem problema, meu tio mora lá no sítio. Ele toma conta de tudo, se a gente precisar", tranqüilizou. Augusto também disse mais alguma coisa que nenhum dos outros pareceu ouvir.
Depois de passarem por rodovias pavimentadas e lisas, estradas um pouco pavimentadas e uma estrada nem um pouco pavimentada e completamente esburacada, chegaram ao sítio. Descarregaram o carro, abasteceram a geladeira e encarvoaram a churrasqueira. Tudo era alegria, tudo era diversão. Até que os que já estavam na casa de campo acordaram, os velhos colegas de classe de Pedro na sétima série. Conversas e piadas não faltavam. E, enquanto abriam uma, duas e vinte cervejas, os dez meses de distância eram contados em um círculo.
Pouco depois, tudo ficou mais quente. O sol saiu e a churrasqueira foi ligada. Ninguém percebera por quem, até que se viraram e viram um sexagenário de cabelos compridos, amarrados em rabo de cavalo e cobertos pro um boné azul. "Ah, esse é o tio do Augusto", Pedro imaginou. "E... ah, é melhor ele cuidar do churrasco, mesmo".
Depois que tudo tinha ficado pronto, o homem das carnes se retirou. Sem nenhuma palavra, assim como quando chegou. Ninguém pareceu perceber ou se importar. Porque tudo era alegria: o sol, o mato, o calor, a conversa, a cerveja, o pebolim, a música sertaneja que puseram pra tocar, o futebol que jogaram, as vespas e os marimbondos que voavam ao lado de todos, as conversas em volta da piscina, as pessoas do outro carro que passaram a tarde dormindo por conta das coisas esquisitas que fumaram ao longo do dia. Tudo. Inclusive o pica-pau que apareceu por lá, pousou sobre a proteção de alumínio da lâmpada e se pôs a bicar sem se cansar, fazendo um barulho engraçado e tomando a atenção de todo mundo.
Até que chegou a aurora e os surpreendeu.
Os que foram confraternizar o sábado trocavam de roupa, colocavam os tênis e preparavam-se para a volta. Entravam no carro, tomavam as últimas cervejas e reclamavam cansaço. Logo depois, saíam do carro para arrumar a casa que estavam deixando.
- Sobrou um pouco de coração cru.
- Leva pro tio Pita.
- E com o açúcar que queriam fazer caipirinha?
- Leva pro tio Pita.
- Aqui tem um saco de limão que...
- Tio Pita.
- Vai levar essa garrafa de álcool?
- Leva lá pro meu tio.
- As grelhas são suas?
- Não, eu vou devolver pro meu tio.
- Qual o nome do seu tio?
- Epitáfio.
Quando tudo estava pronto e todos estavam no carro, o tio Pita saiu de sua casa (sua casa ficava do outro lado do sítio, longe do lugar onde todos ficavam e se divertiam) e ficou observando o carro em que Pedro estava. O garoto se sentiu inquieto e, então, resolveu puxar assunto com Adriano e Igor, que estavam já prontos para voltar a São Paulo.
(não gosto do jeito literário e repetitivo de relatar uma conversa. Então fica esse, mais simples, em que temos o P de Pedro, A de Adriano e I de Igor)
P: O tio do Augusto não falou nada o tempo todo, só ficou dentro de casa, né?
A: É por isso que o Guto disse que ele não gostava de gente.
I: Ele disse isso?
A: Disse. Quando a gente tava vindo, não lembra?
P: Aham. Mas sabe como é o Agusto, né? Mas mesmo assim, eu pensei que ele morava com a mulher dele aqui.
I: Não, ele mora sozinho. Já pensou?
P: Sozinho?
I: Aham.
A: É... já pensou ficar aqui o tempo todo, sozinho, sem falar com ninguém?
I: Ah, ele deve conhecer alguém por aqui. Deve pegar o carro e ir pra cidade tomar um rabo de galo e falar sobre qualquer coisa.
P: Não parece. Ele deve ficar aqui o tempo todo.
A: Já pensou? Eu não faria isso.
P: Nem eu.
I: Eu também não, mas... na idade dele, deve ser a melhor coisa.
A: Nem tanto.
P: Eu também não concordo. Quer dizer, se eu morasse com a minha mulher aqui, só nós dois, tudo bem. Eu faria companhia pra ela e ela pra mim. Mas sozinho...
E todos param a conversa para imaginar como seria morar sozinho em uma cidade pequena, longe de tudo e de todos. Tiveram o pensamento interrompido com um sinal do tio Pita para que abaixassem o vidro do carro. Todos se surpreenderam com a tentativa de comunicação por parte do solitário.
- Vocês sabem voltar?
- Não. A genta ia fazer o caminho que a gente pegou pra vir pra cá, mas ao contrário.
- Melhor não. Tem outro caminho que é mais fácil. Saindo daqui, vocês viram à esquerda, vão até o final, depois viram à direita. Vão reto, até acabar a estrada de terra. Aí vai ter o cruzamento entre duas estradas, e aí é perigoso. Pára, olha pros dois lados, vê se não vem ninguém e só aí você segue. Não corre, é muito perigoso (e sinalizava os cruzamentos com os dedos do meio). Muita gente não olha, acha que é não tem perigo e aí, ó (e fez o sinal de "se fodem". Todo mundo aqui deve saber como é, então não tem por que explicar).
Os amigos saíram, viraram à esquerda, depois à direita. Adriano correu, tentou ultrapassar uma moto na curva. Conseguiu, mas chegou ao cruzamento e quase bateu com outro carro cujo motorista não prestara atenção. O Eremita avisou. E aí Pedro passou o resto do dia pensando.
Pensando em como seria viver sozinho, sem mais ninguém no mundo. Pedro era um garoto sozinho, que gostava de observar o mundo e tirar as suas conclusões - quase sempre acertadas. Pedro, sim, era um garoto sozinho, mas que não conseguia viver sem mais ninguém. Precisava falar uma palavra a cada três horas, que fosse. Imaginou como seria viver sozinho, sem nenhuma garota. Sem nenhuma garota e sem pai, mãe, irmão, amigos e cachorros mais amigos do que os amigos. Ficou com medo. E ficou com medo de observar o mundo e ter vondade de viver sozinho em uma chácara.
Pedro chegou em casa, deitou na cama e dormiu por estar cansado. E sonhou com o seu epitáfio.
"Jaz aqui Pedro Veroveraar, o Eremita. Alguém que tentou se isolar e, para isso, se interiorizou. Encontrou coisas muito importantes sobre si mesmo e reconheceu quem era. Viveu sozinho, entendeu e descobriu o mundo. Mas nunca se descobriu e muito menos se entendeu. Nunca soube seus dons e nem o que lhe era valioso. Nunca soube quem era. Morreu sozinho, recluso em seu paraíso niilista. Era dono de sua imaginação, que fazia com que tivesse um nome diferente a cada dia e a cada relato."
-x-
As personagens realmente existem. No entanto, algumas tiveram seus nomes alterados pelo motivo chamado minha vontade. Mas os nomes foram modificados de acordo com um critério que eu determinei e já esqueci.

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

Era você!

Guilherme terminara de ler o livro best-seller que ocupava as suas viagens pelo metrô. A disposição de ler voltava, passados alguns meses de profundas trevas literárias. Após ler tragédias gregas, reentender o complexo de Édipo e tudo mais, decidiu ler um livro de crônicas.

Guilherme sabia que o livro com a capa cor-de-rosa, por mais desagradável (a história de machismo no mudo das cores. Ele não está errado sozinho, a sociedade inteira está) que pudesse parecer, seria interessante. Mais interessante do que o livro que Guilherme comprara no mesmo dia e que tratava sobre a adolescência. As queer as a clockwork orange, anunciava o prefácio. No entanto, o jovem de 18 anos optou pelas crônicas, sabia que seriam mais interessantes. Em menos de 12 horas, leu todas os 34 contos que recheavam as 132 páginas do livro.

À noite, Guilherme saiu. Recebera um convite interessante, rever a amizade que norteara seu final de 2005 em meio a tantos transtornos e que o ajudara para o mundo universitário que o ocupa suas noites todos os dias. Saiu, e sabia que o jantar seria engraçado. Sabia que faria de sua vida um livro aberto, sabia que daria risadas e também sabia que não queria que o jantar tivesse fim.

Guilherme, quando saiu de casa e passou pelo metrô, lembrou-se de que há mais ou menos um ano, encontrara, naquela curva que faz entrada para a estação, encontrara seu amigo jogado, bêbado e sozinho. Quando virou, procurou e não achou ninguém. Embarcou, foi até muito longe, jantou, contou histórias, divertiu-se e viu o jantar terminar.

Na volta, nada de muito especial. Ih, será? É, nada muito especial que valha caracteres por aqui. Quando saiu da estação, pela mesma porta por onde entrara, lembrou-se melhor: "foi mais ou menos a essa hora que eu tinha encontrado o César", pensou com os botões. Assim que saiu das escadas rolantes, viu o espaço onde as pessoas se encontram completamente vazio. "É, acho que eu me enganei. Tudo bem. Se eu acertasse de novo, teria que ir correndo jogar na Sena", brincou o garoto.

[brincar não é bem a palavra exata. Vivendo a nostalgia que o açoita nos últimos meses, ele sente vontade de brincar. Foi sozinho ao zoológico recentemente a fim de reviver os oito anos de idade e não conseguiu. Isso foi só um adendo, voltemos]

"Hoje é feriado, né? Ele não estaria jogado por aqui de novo. Hoje é dia de levar vodca pra casa e encher a cara lá, depois assistir a um filme, dar assas à imaginação e tudo mais. É, não é muito essa vida que eu quero levar", finalizou. Andou pela rua escura, perdido em alguns pensamentos que sempre recheiam sua cabeça enquanto anda pela civilização.

[Ah, agora eu lembrei de um detalhe da volta pra casa, enquanto estava no metrô. Achou ter visto um garoto de boné - com o mesmo boné de César - alguns bancos adiante. Olhou melhor, não era. Voltemos. De novo]

Andou pela rua escura, perdido em alguns pensamentos que sempre recheiam sua cabeça enquanto anda pela civilização. Foi quando viu, andando pelo meio da rua, o garoto de boné preto e branco, bermuda longa e moletom azul. E que foi para a calçada quando viu o amigo indo na direção oposta. Guilherme fingiu não ver, fingiu estar absorto em pensamentos - como sempre faz quando vê algum conhecido de longe - e só levantou a cabeça quando César lhe estendeu a mão.

- E aê, arrombado! - disse o amigo.
- Opa! - cumprimentou Guilehrme.
- Tô indo pra casa.
- É, eu também.
- Tá morando por aqui, agora?
- Não. Tô na casa da minha mãe... - pausa - ... é o final de semana que eu passo com ela.
- E onde você tava? - perguntou César
- Ah, tipo... eh... ah, eu tinha saído. Tinha ido jantar. Eh... ah, é, eu tinha ido jantar, tava num rodízio de sushi. Eh... - Guilherme tinha tanta coisa para falar ao amigo que não via há quase um ano. Ao melhor amigo de dois anos atrás, ao amigo que, com mais dois meses de convivência, seria chamado de irmão. Não contou porque supôs que suas palavras não teriam importância para o ouvinte. E também porque aprendeu a ter um orgulho idiota. Só contaria algo se fosse indagado.
- Você gosta de sushi? - supreendeu-se César
- Eh... gosto. - afirmou Guilherme. Na hora, lembrou-se de um convite que o amigo lhe fizera, dois anos atrás, para ir a um rodízio de sushi. E também se decepcionou pela desmemória de César.
- Ah, não sabia. Eu fui domingo a um rodízio. Era em Moema.
- Qual o nome?
- Nem lembro. Por quê?
- Ah, é porque... o que eu fui hoje era Matsuya, Matsunami, alguma coisa assim. E eu li que tinha uma filial em Moema.
- Não, o que eu fui era Shyn não sei o quê.
- Ah, não era o mesmo.
- Não. Mas é que lá em Moema tem um monte desses rodízios.
- É, lá tem bastantes restaurantes, normal ter muitos japoneses.
- É... bom, tô indo pra casa. Amanhã eu trabalho. - finalizou o amigo
- Então... falou.

Guilherme até pensou em balbuciar um "a gente se vê", mas preferiu ser sincero com o conhecido. Ia voltar para casa, enfim, até que se lembrou de um combinado.

- Êi, você não respondeu meu e-mail!
- No hot?
- Quê?
- Você me mandou no hotmail?
- Isso.
- Não, não chegou. Manda de novo.
- Recebeu sim, tanto é que eu te mandei três.
- Quê?
- Eu te mandei, você respondeu. Depois mandei mais um, e você também respondeu. Aí eu mandei mais um e você não respondeu. - e virou as costas.
- Aaaaaaaaaaaaahhh! Era você?


Guilherme estava certo. Certo de que encontraria o amigo, certo de que ele não saberia quem era o ser estranho que lhe mandava e-mails, certo de que suas dicas não foram entendidas. Guilherme sabia que isso era um pouco excêntrico de sua parte, mas queria brincar com César. Brincar de adivinhações. "Ele não fala holandês, como saberia como é 'herói' nessa língua? Quer dizer, ele podia usar o Altavista, mas... é, eu sabia que ele não iria atrás. Mas eu queria ter me enganado", lamentou.

Guilherme voltou pra casa, sabendo que daria risada do que acontecera. Pelo caminho escuro - de 600 metros - que separava sua casa do lugar do encontro inusitado, voltou rindo. Riu mais ainda quando viu uma mulher passando, com um decote enorme, e um homem atrás carregava o filho no colo. E sussurrou no ouvido da criança de quatro anos: "Olha, que mulher gostoooosa!". Sua risada foi um pouco mais intensa quando passou na frente do antro - do puteiro, porra! - da rua e viu um homem descendo de um caminhão e entrando na casa luminousa. Isso não era engraçado, mas foi engraçado quando o jovem de 18 anos passou na frente do caminhão e viu que havia um garoto de uns 10 anos de idade dentro do veículo. E o moleque tava com uma cara de entediado!

Guilherme sabia também que o porteiro estaria dormindo e demoraria para abrir a porta do prédio. Sabia que o elevador estaria em um dos últimos andares, sabia que a família estaria dormindo e também sabia que seria recebido com festa pelo cachorro.

Guilherme parou na frente do prédio e teve que tocar o interfone para acordar o porteiro. Quando passou pelo hall, viu que o elevador estava no oitavo andar e subiu de escadas [Guilherme, não o elevador]. Teve dificuldades para abrir a porta de casa (a fechadura tem emperrado muito), então fez barulho com a chave, acordando o cachorro. Assim que o gartoo abriu a porta, o cachorro latiu, balançou o cotoco de rabo, pediu carinho e lambeu sua mão. Foi para o seu quarto, e percebeu que sua mãe e seu irmão já dormiam.

Guilherme, então, decidiu registrar seu dom. Guilherme sabe que tem um dom de saber as coisas, embora também saiba que a sua cabeça não se dá muito bem com o coração. A relação dos dois não é das melhores, então Guilherme não sabe o que se passa em sua vida afetiva.

Ligou o computador e a televisão e abriu um livro. Começou a escrever sobre seu dia e suas aventuras, enquanto procurava por um poema que ilustrasse algum dos acontecimentos recentes e ligou a tevê para fazer barulho no quarto.

Achou uma poesia, Estrada, e gostou dos últimos versos:

"E quanta gente vem e vai!
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar:
Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um bodezinho manhoso.
Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz dos símbolos,
Que a vida passa! que a vida passa!
E a mocidade vai acabar."


Enquanto isso, o telejornal noticiava: "O dia das crianças animou os lojistas". Guilherme se lembrou de que o dia que terminava era o dia das crianças. E lembrou-se de quando recebia presentes e da expectativa que vivia nos dias antes e o prazer que tinha quando desembrulhava os embrulhos...

Guilherme passou o dia sem lembrar da importância da data, embora tenha discutido com um outro amigo sobre o dia de Nossa Senhora. Não se lembrou de que hoje era o Dia das Crianças, ninguém o havia congratulado por isso. Guilherme, então, entendeu que a mocidade acabou.

E Guilherme se chateou enquanto escrevia, porque se lembrou de outra coisa: "É, o César também esqueceu quando o pai dele me chamou para almoçar num restaurante japonês e eu disse que adorava sushis. Hmmm, eh... "

Guilherme se aborreceu. Mas foi porque não sabe que é feliz. E não sabe que aquela sensação boa que ele sente quando olha para os seus pulsos e vê que suas mãos estão sempre lá é felicidade. A única coisa que Guilherme sabe é que seu nome não é Guilherme.