terça-feira, 27 de novembro de 2012

Cartão postal


Si no te hubieras ido, qué harías?

Nunca havia entendido essa pergunta, feita por um filósofo belga. Até um dia em que minha barba ficou maior e eu resolvi tomar um porre de vinho.

Se eu não tivesse ido, o que eu faria?

Buscaria um trabalho de subalterno. Ganharia menos do que ganho hoje, trabalharia mais do que trabalho hoje.

Sentiria mais saudade das pessoas de quem não sinto falta. Não sentiria saudade da única pessoa de quem sinto falta.

Teria aprendido a cevar mate.

Seria mais nacionalista.

Compraria cigarros por menos.

Falaria melhor a R vibrante.

Viveria contigo por todo o tempo do mundo. A chama não se apagaria como se apagou.

Mas eu tinha que voltar. Eu tinha. Eu sabia que tinha.

Voltei.

E agora me pergunto quando vou receber a contrapergunta.

Si te hubieras ido, que harías?

Estaria bêbado, às 5 da manhã, ouvindo a música que ouvi na festa quando te disse que te amava. Lembrando de você e me perguntando por que você se foi.

Che, por que me dejaste ir?

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Dia D


Talvez chegue um dia em que eu entenderei por que vanglorio tanto todas as pessoas que um dia me deixaram. Por que lhes dedico tantas palavras de doçura e amor que nunca dediquei a você. A você, a quem ultimamente eu tenho dedicado apenas frieza, solidão, esquecimento e lembranças de culpa.

Talvez chegue um dia em que eu entenderei todas as palavras que nunca trocamos, porque sei que você já as compreende como nunca pensou que pudesse. Palavras que nunca foram ditas, que se juntaram e se acumularam e se fermentaram para criar um muro, quase intransponível, entre nós dois. Palavras que, se um dia houvessem sido ditas, sairiam pela janela e se dissolveriam entre tantas outras que existem nessa atmosfera, sem mal algum.

Talvez chegue um dia em que eu entenderei por que resolvi desaparecer por tanto tempo. Esse tempo que é muito maior do que os calendários mostraram nos últimos anos, na última década. Esse tempo que eu contei apenas materialmente. Justo eu, que sou tão bom com datas e números e memórias, já não lembro quando foi a última vez que nos vimos de corpo e alma – a última vez não conta, meu corpo estava ali e eu não, assim como todas as outras. Me refiro ao tempo em que estive aí, 100% aí, feliz da vida pura e simplesmente por estar ao teu lado. Não lembro quando foi. Desculpe. 

Talvez chegue um dia em que eu admita que você havia acertado quando perguntou se eu estava com vergonha de você. Porque nossa sintonia era tão, mas tão grande, que eu sabia exatamente o que havia feito de errado com um simples olhar teu. Aquele olhar que ecoava mais estridente nos meus ouvidos do que qualquer tempestade que eu mesmo criei para mim. E agora me resta essa lembrança, da qual eu me envergonho como nunca se me havia acontecido. 

Talvez chegue um dia em que eu entenda por que nunca te apresentei nenhuma das pessoas mais queridas que conheci na minha vida. Não é porque achasse que você não merecesse uma migalha sequer das migalhas que essas pessoas me deram. Acho que, no fundo, eu sabia que na verdade elas não te merecessem. Porque pessoa que não estarão no último momento não são dignas de conhecer quem havia sido o grande responsável pelo começo de tudo. 

Talvez chegue um dia em que eu me lembre da tua cara de surpresa e do teu sorriso quando eu abrir a porta sem te avisar hoje à tarde, correr para você e derramar no teu ombro a quinta e a sexta lágrimas que rolarão pelo meu rosto – as quatro primeiras, eu sei, já terão se espatifado no carpete durante o caminho. 

Porque hoje é o dia que você esperou por tanto tempo. Tanto, tanto tempo.  Tanto, tanto, tanto tempo. E que eu evitei por tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto tempo para ter certeza de que eu também queria estar lá, encaixando a mesma chave de sempre na maçaneta de sempre para entrar pela mesma porta de sempre para te dizer, emocionado como nunca.

Oi. Tudo bom?

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Confissão


Sabe todas as vezes em que eu te digo, meio desiludido e com as palavras carregadas de mágoa, que não nos veremos mais? Preciso te confessar algo: eu minto.

Nunca estive tão certo de algo tão incerto. Sei que vamos nos reencontrar de novo, querida. Não sei se no próximo verão, se no próximo ano, se na próxima década, se em nove ou em noventa anos. Não sei se aqui ou se aí, se no primeiro lugar em que eu te vi ou em um trem a caminho de sabe-se lá onde. Não tenho a menor ideia.

Eu só sei. Sempre soube. E se te digo o contrário é para te provocar. Para te instigar a me fazer uma surpresa que apagaria (apagaria?) as últimas surpresas que tive com você.

Se te digo que você nunca mais saberá uma letra a meu respeito é porque me dou a oportunidade de que você, a vida, o destino, a improbabilidade, o acaso ou qualquer outra entidade que esteja no comando do nosso barco me surpreenda. Me olho no espelho e repito que você é uma página virada, rasgada, amassada e atirada pela janela apenas para poder sorrir incrédulo e estupefato ao te ver de novo.

É impossível que seja impossível que nos vejamos mais uma vez. Apenas admito a impossibilidade de que nos tenhamos afastado com um simples e mentiroso “até logo” que quis dizer "até nunca mais". Desde aquele momento eu sabia que te veria de novo. Como você sempre foi; maquiada ou com a cara lavada; com o rosto mudado; mais velha, mais gorda, mais casada, mais ou menos divorciada, meio que com filhos, menos ou mais solteira, mais enrugada, mais jovem; mais linda. Mais linda. Como sempre ou como outra pessoa.

Não, não pode ter sido somente isso. Não seria certo, não seria justo.

Sim, nós nos veremos mais uma vez. Nos olharemos, nos sentiremos fracos e inseguros. Nossos corações palpitarão como uma britadeira contra o nosso externo – e não duvido que quebrem nossas costelas. Sorriremos. Lembraremos, fantasiaremos. Espero que nos falemos. Espero que passemos uma tarde inteira juntos conversando sobre o nada que teremos feito até lá.

E se algum dia eu ficar velho e gagá e, entre minhas fantasias, eu me lembrar de que ainda não te vi, vou sorrir. Vou respirar aliviado por saber que o pior já terá passado e que dali a alguns instantes nos reencontraremos.

Sim, querida.

Minha certeza em te ver de novo é tão grande que me fez acreditar em uma outra vida depois desta vida.

Tudo isso porque estou mais do que certo de apenas uma coisa: a chance de nos vermos de novo, por um micromilissegundo que seja, é o que mais se aproxima neste mundo (e em todos os outros) ao zero absoluto.  

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Mate cocido


Queria te falar que estou tomando chá. É, sei lá... aparentemente, que grande coisa há em tomar chá às 3 da madrugada? É que pode não parecer, mas há muito por trás da canequinha com água quente que tenho aqui do meu lado.

Na verdade... não necessariamente da caneca. Acontece que estou tomando aquele chá que você preparava para mim no café da manhã. Ou então durante a tarde, se fazia muito frio ou se eu ficava doente. E como eu ficava doente com você – e como eu era doente por você.

Foi sem querer. Parei na cozinha para comer qualquer coisa e... não sei. Resolvi tomar chá. Quente. Mate cocido. Green Hills. Daquela mesma caixinha que eu havia comprado no último dia em que eu te vi. Ela ainda estava aqui. Novinha, lacrada, durante todo esse tempo. Nunca tive coragem de abri-la.

Eu sabia que, se abrisse aquela caixa de chá, abriria com ela todas as urnas que estavam enterradas e acorrentadas e trancadas com cadeados pesadíssimos no interior da minha memória. Tantas lembranças, tantas visões, tantos sons e imagens e cheiros e sensações que eu guardo aqui comigo tentando apenas me convencer de que tudo foi apenas um sonho.

Seguro a caneca, olho o vapor que sai de dentro dela e vejo você, sem maquiagem, de pijama, o cabelo desarrumado e cheio de nós... você ali de pé, no fogão, erguendo o bule e caminhando descalça para o balcão, com a bunda arrebitada. Parava nas nossas canecas, enchia primeiro a minha, verde, e depois a tua, bege amarelada. Eu me divertia com aquilo.

“Mate cocido, común... de qué querés?”. “De coca”, eu respondia. Gostava de ver você girar os olhos para cima e morder o lábio inferior, balançando a cabeça e fingindo que estava cansada das minhas piadas sempre iguais, repetindo que me proibia de tomar chá de coca. Eu aceitava tua restrição e me rendia às outras opções. “Qual a diferença?”, eu te perguntava. Você não sabia responder, e eu sempre escolhia mate cocido. Nunca común. O comum não se nos encaixava naquele momento.

Então você se sentava do meu lado, eu colocava a mão na tua coxa. Ligávamos a TV para ver algum desenho e ficávamos lá, conversando sobre qualquer coisa, descobrindo e redescobrindo tudo o que já sabíamos um do outro.

Agora tomo meu chá e sinto teu gosto nele. Sinto o calor dos teus beijos, que sempre foram sob medida para mim. Lembro quando íamos tomar sorvete nas terças à tarde e eu não me cansava de roubar beijos de você. “Pico frío”, eu te dizia. Aquela sensação de quente e frio... ah, como isso me matava. Era a sublimação do meu ser, o sentimento mais inexplicável e a maior certeza de que Deus existe e me queria muito bem. A ponto de me fazer sentir maior do que ele, ainda que de uma maneira fugaz.

E aí eu tomava um gole de chá e te olhava erguer a tua caneca com as duas mãos, como um esquilinho que havia acabado de roubar uma noz e sabia que tinha feito algo feio. Você tirava os olhos enormes de mim, enchia a boca de chá, respirava fundo e engolia, tentando não fazer barulho e fazendo um “glup” que me fazia esquecer a dor do mundo. Eu parecia uma criança, rindo, me divertindo a cada gole teu e me inundando de ternura cada vez que você me dizia “no me mires” e tapava o rosto com as tuas mãozinhas morenas de esquilo.

Me acalma o coração lembrar tudo isso, sabia? E... me explode o coração de angústia saber que nunca mais verei isso de novo. Eu deveria (e talvez queira) te odiar para sempre. Não pelas coisas ruins que vivemos depois daquele nosso último chá. Mas por você ter feito com que eu não soubesse mais sorrir de uma maneira tão espontânea sem te ver tomando chá.