terça-feira, 9 de julho de 2013

Censura retangular

A folha em branco nunca foi um convite para um mundo apenas meu, com as minhas regras e lar das minhas piores e melhores fantasias. Nunca a vi assim. Sempre o papel virgem, sem pautas nem listras, me pareceu uma entidade intimidante. Hostil. Traidora. Ardilosa.

Tentei fazer um teste. Desafiei uma folha de papel para transformá-la em algo meu, e apenas meu, do meu próprio entendimento. Não consegui. Percebi o grau de impossibilidade da missão quando terminei a primeira linha do meu devaneio. Me faltou meia polegada para concluir a última palavra. Eu já havia falhado. Estava delimitado.

Arrisquei de uma outra forma. Misturei determinadas palavras aleatórias que se me cruzavam os pensamentos, em quaisquer idiomas que melhor descrevessem determinado objeto, determinado sentimento. Por um instante logrei tal objetivo. Por instantes. Uma hora depois, me choquei com meu surrealismo liguístico. Rasguei em incontáveis (múltiplos de quatro) fragmentos aquele emaranhado doentio, com medo de ser flagrado em um segundo de irreversível loucura.

Então, por fim, tentei pela terceira vez. Burlei a prisão branca de paredes finas, quase invisíveis, com palavras jogadas sob um mínimo de lucidez. Adeqüei meu devaneio – do qual jamais me orgulharei – a um cárcere de mentira. E, no final, qual o resultado de tudo isso?

O melhor de todos para (mais uma) noite de insônia. Uma mente esgotada de si mesma, envergonhada de remoer por minutos, horas, dias, meses... anos! (!) os mesmo teoremas incorrigíveis e indecifráveis de algum momento da vida.

E uma noite sem sonhos de doçuras aterrorizantes que ditavam meus dias e meus encontros com estas folhas pautadas.

domingo, 7 de julho de 2013

Nova mensagem recebida

Você me chama, com a naturalidade de alguém que chama a um antigo amigo com quem se encontrou na última semana. Eu vejo teu chamado e empalideço, sinto um calafrio e tateio ao meu redor em busca do maço de cigarros que sempre tenho próximo de mim para o caso de uma emergência como esta. Torço, do fundo da alma, para que ele esteja cheio.

Você escreve tuas palavras com meticuloso cuidado e eu as leio com a esperança de que uma fenda se abra sob meu sofá e me trague e me leve para qualquer lugar longe daqui. Você me envia tua mensagem concentrando na ponta dos teus dedos todo o resquício de carinho que te (me, nos) resta. Eu a recebo com a frieza de um peito congelado que se liquefaz com o passar de cada mililitro de sangue em ebulição por ali.

Você me diz para te responder sem pressa e eu me apresso em te responder. Sou o menino maduro que, no auge do seu discernimento, engole o choro, respira fundo, aperta as pálpebras enquanto desliza para cima a manga da camiseta e descobre o braço para receber uma injeção. Me confundo sobre quem eu realmente sou: uma criança crescida ou um adulto infantilizado? Penso em te perguntar isso.

Penso em te perguntar como você está, o que tem feito e o que pretende fazer. Como estão tua vida, tua família, teu dia a dia, tua rotina amorosa e teu provável, possível, certo, absolutamente certo, indubitável (como estou duvidando disso?, está tão na cara!) novo namorado.

Penso em te perguntar sobre teus planos, teus sonhos, teu rosto, teu corpo. Penso em pedir para ver uma foto tua, para te ver uma vez mais, uma e apenas uma e singela e extraordinária única puta vez. Penso em te perguntar o sentido da vida e a origem do universo, mas não tenho coragem de te perguntar aquilo que eu mais quero saber: quem é você hoje?

Esmago no fundo do cinzeiro o filtro queimado do cigarro que me chamusca os dedos, leio tua mensagem e, enquanto olho fixamente para a tela iluminada que sofro para segurar entre meus (escorregadios, trêmulos, frouxos, hesitantes) dedos, percebo que já tenho outro cigarro aceso na outra mão. Em algum momento eu não havia cogitado parar de fumar?

Venço a batalha comigo mesmo e encerro a conversa contigo. Você me pede para que nos falemos novamente, em breve, dali a pouco, e eu te cedo essa exceção, mesmo desejoso de nunca mais ouvir falar sobre você novamente. E acordo no dia seguinte contando as horas, e errando as contas, e esperando mais do que eu esperava para falar com você de novo.

sábado, 6 de julho de 2013

Quero te tirar para dançar.

Ouvir aquela música que me inebria a alma e me infla de confiança a ponto de me permitir cometer alguma loucura como... te tirar para dançar.

Acho que me aproximaria de você, olhando para os lados e dissimulando uma certa segurança nos passos descompassados como se quisesse te impressionar.

(Eu admito, não sei fazer isso muito bem. Tirar para dançar, dissimular segurança, aproximar-me de alguém e muito menos dançar).

Então talvez eu te olhasse no fundo dos olhos e te dissesse qualquer coisa com firmeza, semelhante aos movimentos cardíacos arrítmicos, acelerados e descontrolados.

Aceitaria que te tirasse para dançar?

Penso que não.

Te encolherias sobre a tua cadeira, te retrairias os braços e sorririas educadamente qualquer palavra de recusa. Sim, penso que me recusarias. E deixarias o próximo movimento comigo. Caberia a mim, então, não recusar que me recusasses uma dança.

Só há um problema.

Tal equação com exageradas subtrações me travaria o organismo de uma maneira tal que eu simplesmente te olharia e te perguntaria, com uma voz sincera e trêmula, discordante daquele ser que se havia acercado de você segundos antes e infiel à melodia vagarosa que tamborila o meu peito, alguma coisa que se assemelhasse a “sério?”.

Não, não sei entender a recusa hipócrita, desafiante e clemente por alguma atitude. Sinto que te decepcionaria.

E então me sentaria de volta, esperando que algum dia me tirarás para dançar. Talvez espere por uma vida. Duas, três. Mas limitaria a esperar. Esperar, esperar, esperar, esperar e esperar...

Por que dificultas tanto as coisas?

Apenas não me digas não quando me queres dizer sim. Ou não me digas talvez quando, no fundo, estás certa de que não me cabe nada além do nunca mais.

Apenas te peço que me cedas a mão. Apenas por uma dança. Apenas... sem pena.

Ou simplesmente me tires tu para dançar, desafiando-me a tomar qualquer iniciativa enquanto tento controlar  o estado ébrio (de ti!) em que me deixarás.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Não te encontrei sobre a Pont des Arts

Nos encontraremos? De fato nos encontraremos em alguma encruzilhada deste labirinto traiçoeiro, que nos separa sem nos darmos conta e que maximiza a distância aparente que, aparentemente, não existe?

Não sei te responder. A cada encontro casual – falsamente casual – que temos, temo não conseguir reunir as forças necessárias para subir a ponte e dar-te o braço para que a cruzemos juntos. Não sei lidar com a casualidade, mesmo quando, por casualidade, ela resolva vestir a minha camisa e te colocar uma vez mais no meu caminho.

Há algo ainda não identificável em você que entorpece minha mente no momento em que ela se encontra mais acalmada. Que transforma minha caixa torácica em um chocalho que faz ruídos descompassados como se estivesse nas mãos de uma criança feliz em uma manhã de sol. Que me comprime os brônquios e permite apenas que o ar tragado de maneira ofegante atinja os pulmões para os respectivos fins de trocas gasosas.

Tento, todos os dias, bolar novas estratégias para que tenhamos encontros casuais. Todos, um, outro e mais um outro, fracassam. Mas há algo em você que não me deixa desanimar e renova as esperanças de que, tarde ou mais tarde ainda, nos encontraremos de maneira não casual.

Até lá, continuarei escrevendo palavras desajeitadas sobre o papel pautado e pressionando o tubo de pasta de dente de baixo para cima.