sábado, 29 de setembro de 2007

Zapping

Certo tempo atrás, em um período perdido no passado que já não posso mais especificar, tive um professor de literatura que mudou minha visão de mundo em alguns aspectos.

Tudo isso começou em uma certa manhã, quando lia um livro qualquer enquanto ia para o colégio de metrô. Saí do vagão, subi as escadas rolantes, atravessei algumas ruas, desviei das pessoas paradas nas calçadas e entrei na escola ainda com os olhos presos nas letras impressas naquelas páginas. Meu professor, vendo isso, pediu para falar comigo no final daquele dia.

Fui à sala dos professores naquele dia e ele me pediu para sentar à sua mesa. Perguntou por que eu gostava de ler, por que tinha escolhido aquele livro, se estava mesmo gostando da leitura e qual era a minha aspiração profissional. Respondi que tinha achado aquele livro perdido na estante de casa e que comecei a ler porque gostava disso. Ele pareceu se assustar, mas conteve a expressão facial surpresa e me propôs um desafio. “Que vai ser muito útil para o seu futuro”, garantiu.

Não sabia muito do que se tratava tudo isso, mas mesmo assim aceitei. No dia seguinte, ele apareceu na sala com dez livros de tamanho, capas, assuntos e autores diferentes e pediu para falar comigo na saída. Perguntou se eu já tinha lido algum deles e, ao ouvir a minha negativa, começou. “Esses livros são fundamentais para a educação de um jovem de 15 a 17 anos. Vou emprestá-los a você para que leia, mas com algumas condições. É para você ler apenas duas páginas de cada um de forma progressiva”.

Ao ver a minha cara de interrogação, explicou melhor. “É assim: você vai ler as duas páginas inicias deste aqui. Depois, vai pular as duas primeiras desse e ler as seguintes. Assim que terminar, vai passar para a quinta página daquele. Você só vai voltar no primeiro depois de ler duas páginas de cada um dos outros dez. Mas não é para ter seqüência. Se você leu as páginas 1 e 2 deste, então vai só voltar para ler a 21 e a 22. E assim sucessivamente. Entendeu?”.

Respondi positivamente com a cabeça. E aí ele terminou: “Só que tem mais uma coisa. Depois de ler a cota de duas páginas de cada livro, quero que você faça um resumo daquilo que você assimilou. E quando você terminar tudo isso, quero que me conte as histórias de cada um, com o máximo de detalhes de que conseguir se lembrar. Para daqui uma semana. E um pedido especial: não leia resumos na Internet. Aí eu te explico o porquê de tudo isso”.

Voltei para casa aquele dia ainda imaginando como seria aquela aventura e qual a finalidade disso tudo. Quando abri a porta do meu quarto, joguei a mochila na cama e fui ler as capas dos livros que teria pela frente. Eram completamente diferentes: Quincas Borba (Machado de Assis), 1984 (George Orwell), Senhora (José de Alencar), Apanhador no campo de centeio (JD Salinger), Laranja Mecânica (Anthony Burgess), Primo Basílio (Eça de Queiroz), Édipo Rei (Sófocles), Triste fim de Policarpo Quaresma (Lima Barreto) Budapeste (Chico Buarque) e Hamlet (Shakespeare).

Pouco a pouco, fui tentando ler cada um dos livros, aos moldes do pedido do professor. Inicialmente, fazia os resumos com certa dificuldade, demorando um bocado para escrever e com pouquíssimos detalhes. O professor lia e não falava nada. Alguns dias depois, fui ampliando os detalhes que conseguia captar e com muita agilidade. O professor lia e não falava nada.

Quando terminei, fiz os resumos, tentando imaginar o que havia acontecido ao longo daquelas 20 páginas em que eu fiquei sem ler. Entreguei os dez textos um dia antes do prazo. O professor leu, me olhou, deu um sorriso e falou que já tinha terminado. “Muito bem, está ótimo. Você será um ótimo profissional”, concluiu, quando leu o ponto final na última página.

Dei as costas, com um pouco de dor de cabeça e lotado de informações. Mas feliz, porque tinha lido dez livros e sabia exatamente do que cada um havia tratado.

...

Claro que nenhum professor em sã consciência faria isso com um aluno. Muito menos um de literatura, que faria com que o jovem lesse de forma forçada dez dos livros mais importantes para alguém se interessar pela leitura.

Claro que não li dez livros de uma vez lendo duas a cada 20 páginas. E é óbvio também que não fiz resumos detalhados das páginas que li e muito menos das histórias finais. É humanamente impossível e cronicamente inviável.

Claro que não é possível que uma pessoa que viveu essa maratona em capas duras tenha saído feliz. Não dá para fazer coisas, ainda que você goste, sem continuidade. A continuidade talvez seja o segredo para trabalhos bem feitos. É muito provável que alguém sujeito a tal desafio ficaria infeliz e acumularia ódio pelos dez livros. E pelo professor também.

Claro que essa história não é verídica.

Ou é?

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Idiossincrasia

Poderia ser um dia normal. Coloquei o rádio relógio para despertar às 8 horas, travei uma briga com o aparelho eletrônico e só consegui de fato acordar às 9. Rodei a televisão de um lado para o outro entre os canais por assinatura na tentativa de ver o jogo da seleção feminina de futebol. Não achei, e depois que a partida terminou descobri que a Bandeirantes tinha transmitido a Copa do Mundo inteira. Justamente o canal que eu pulei. Sempre faço isso.

Saí para trabalhar no mesmo horário, ouvindo os mesmos sons de sempre no fone de ouvido. Peguei o metrô no mesmo lado da plataforma, sentei no mesmo vagão e no mesmo banco lateral. Fiz baldeação, desci na estação que me cabia e fui almoçar no mesmo self service de sempre.

Mas foi quando fui à videolocadora que tudo mudou. Enquanto olhava a capa de um dvd na mesma sessão em que procuro um filme todas as vezes, uma palavra simplesmente brotou na minha cabeça. Uma expressão nem um pouco comum, que talvez eu nunca tivesse falado anteriormente e sabe-se lá por que havia aparecido no meu pensamento. Mas fiquei com vontade de dizê-la.

Saí da locadora, olhei o relógio e vi que poderia matar um pouco de tempo. Sentei no mesmo lugar de sempre, reabri o livro e li mais algumas dezenas de páginas. Até que bateu o horário em que eu deveria bater o cartão e começar a trabalhar.

Tentei encaixar a tal palavra em todas as 19 notícias que coloquei no ar ao longo de um expediente preguiçoso de alguém que prefere o período matutino. Não consegui. Não era tão fácil de colocar uma expressão incomum como aquela em um relato do Campeonato Espanhol, por exemplo. E isso me deixou com mais vontade de pronunciar o termo talvez pela primeira vez na vida.

Desci para a faculdade, conversei com algumas pessoas. Muitas conversas, muitos assuntos, poucas aulas (a maravilha do fim de bimestre). Só que não deu para falar o vocábulo quiçá maldito. Normal. Se falasse aquilo, todos me olhariam feio e talvez pensariam que estava sob alucinógenos, psicotrópicos ou até mesmo cafeína.

Cheguei em casa, jantei, liguei a televisão e deitei na cama, como sempre. E então percebi que não havia conseguido encaixar o termo em nada do meu cotidiano.

Não é a primeira vez que isso acontece. E com certeza não será a última.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Sorriso Kolynos

Ao abrir o armário do banheiro, senti grande parte da minha infância passar na frente dos meus olhos por causa de uma besteira. O antigo creme dental tinha acabado e sido reposto por um novo, com a embalagem de um amarelo bem clarinho e a tampa escura.

Foi instantânea a imagem que veio à minha cabeça: era uma pasta Kolynos! Em frações de segundos, pensei que tinha ficado por fora de todas as notícias do mundo e acabei ficando por fora do retorno da antiga marca de cremes dentais. Mas pisquei duas vezes e vi que estava enganado: era apenas uma Colgate herbal fresh mint total 12 anti-tártaro branqueador tripla ação e algumas outras frescuras. Ou seja, não era nada de mais.

Mas fiquei com a imagem da Kolynos no resto do dia. E passei a ter algumas recordações de quando dormia na casa da minha avó quando eu tinha seis anos.

Dormir na casa da minha avó era legal. Assim que acabava a novela das sete da Globo, ela chamava todo mundo da casa para jantar. Todos (meu tio e eu) se sentavam no mesmo lugar da mesa (e ninguém ousava mudar) e se serviam de leite quente e pão com manteiga, queijo e presunto. Na verdade, ela fazia questão de preparar o meu sanduíche. Eu adorava.

Depois, todos iam para sala e viam tevê. Meu tio às vezes saía da sala e ia fumar no quintal. Tinha vezes em que eu ia atrás dele e a gente ficava conversando. Sempre gostei de conversar com o meu tio. Então voltávamos pra sala e ficávamos na frente da tevê. Minha avó não gostava que a gente falasse durante os programas, mas adorava conversar durante os intervalos.

Sempre víamos o Globo Repórter, mas apenas gostávamos daqueles que eram sobre animais. Minha avó adorava animais, e naquela época meu sonho era virar biólogo, para cuidar de animais. Era legal.

Acabava o Globo Repórter e íamos dormir. Meu tio ia para o banheiro dele e eu ia para o da minha avó escovar os dentes. Sempre tinha uma pasta Kolynos por lá (aqui em casa, todo mundo gostava de Colgate). E escovar os dentes com Kolynos era uma coisa de outro mundo. Era uma sensação fantástica.

E apenas então íamos dormir. Minha avó fazia questão de que eu dormisse com ela, no lado da cama que durante muitos, muitos anos dormia meu avô. Ela deitava, apagava os abajures e a gente conversava um pouco. Então ela dormia e eu me sentia esquisito, por não estar dormindo na minha cama. Mas confesso que tinha medo. Tinha um quadro enorme de Jesus no quarto da minha avó, bem em frente à cama. Ele sempre olhava para mim, e eu tinha medo.

Demorava, mas eu pegava no sono. E acordava sempre por volta das 3 da manhã com a minha avó roncando. Mas nunca reclamei e nem nada. Até porque Jesus estava sempre me olhando, e eu tinha medo de ser castigado se reclamasse do ronco da minha avó. Então eu voltava a dormir.

Acordava por volta das 6 da manhã, e minha avó não estava mais na cama. Ela já tinha levantado, tomado banho, preparado o café... Então eu saía da cama, cumprimentava a minha avó e ia para o quintal, onde meu tio fumava o primeiro cigarro do dia. Depois tomava café com leite, comia pão com manteiga e ia para sala ver Telecurso 2000. Até que o relógio anunciava 8 da manhã, e eu ia para o mercado com meu tio e a minha avó fazer compras.

Íamos ao Peralta, na Indianópolis. Gostava de lá, e achava engraçado o fato de a cabeça do P passar por cima das outras letras. Lá, minha avó comprava coisas para casa, carne, peixe, tomate e algumas verduras. Então colocávamos tudo no porta-malas e íamos para a feira.

Ir para a feira era legal. Gostava de andar ao lado da minha avó, ajudá-la a carregar a sacola abarrotada de frutas. E ela sempre dizia para os feirantes que eu era o neto dela, que era um bom menino, não dava trabalho, era um bom aluno... Minha avó tinha orgulho de mim.

Feliz por ser ajudada pelo neto, minha avó sempre me recompensava comprando algum brinquedinho qualquer na feira. Um bonequinho, um carrinho, qualquer besteira. E, antes de irmos embora, meu tio e eu comíamos um pastel, tomávamos caldo de cana (o dele era sempre com limão) e jogávamos um pouco de futebol com alguma laranja que havia caído de alguma barraca.

E então voltávamos para a casa da minha avó. Assim que abríamos o portão de casa, o papagaio gritava feliz do outro lado do quintal. Assim como todos os periquitos do viveiro, os 17 passarinhos [canários, canários da terra, canários belga, pintassilgos, coleirinhas, cardeais (que eu chamava de pica-pau), trinca-ferros, rouxinóis, azulões... e meu preferido era o pixoxó. Minha avó tinha um pixoxó, e eu gostava dele porque sempre tomava banho e ficava molhado, descabelado] e os cinco jabutis. Todos os bichos da casa recepcionavam a minha avó.

Assim que chegávamos, minha avó me preparava um suco de laranja lima. Na época eu não gostava muito, mas tomava com gosto porque os sucos que a minha avó fazia eram muito, muito bons. E só depois de fazer o suco para o neto que ela começava a guardar as compras na geladeira. Depois almoçávamos nhoque (eu sempre roubava alguns antes de serem cozidos) e minha mãe me trazia de volta pra casa.

...

Não lembro quando foi a última vez em que fui à feira com a minha avó. Mas faz muito tempo.

Nunca mais fui à feira. O Peralta foi comprado pelo Pão de Açúcar. Meu tio não fuma mais no quintal porque não há mais quintal. Aquela casa grande, bem cuidada e que emanava alegria foi vendida. Às vezes passo em frente e fico triste por ver os muitos jardins que minha avó dava a vida para deixar em ordem estão destruídos.

Hoje gosto de suco de laranja. E sinto falta daqueles que a minha avó me preparava todas as manhãs. Nunca tomei nenhum igual.

Nunca mais escovei meus dentes com Kolynos. Em 1997, um comercial foi ao ar dizendo que, temporariamente, o nome da pasta de dente mudaria para Sorriso (lembro que estava na casa da minha avó nesse dia). E nunca mais voltou.

E nunca mais dormi com a minha avó. Pelo menos duas vezes por semana ela dizia que não chegaria aos 70 anos e não iria me ver formado. Ela acertou. Infelizmente.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

A Monte Carlo brasileira

O Rio de Janeiro continua lindo. Mas São Caetano do Sul também.

Depois de um ano da minha última visita, voltei ao C do ABC nesta quinta-feira. Desta vez, não fui de trem de bancos acolchoados e ar condicionado sentido Rio Grande da Serra como da última vez, mas no banco da frente de uma Ipanema branca, surrada.

Também não fui em uma tarde de sábado para conversar com uma garota dona de um estilo cativante, projeto frustrado de uma melhor amiga, mas em uma quinta-feira de manhã para falar com uma capa da Playboy.

E não fui por livre e espontânea vontade, mas por motivos de força maior. O que importa, no entanto, é que fui.

As pessoas costumam dizer que basta uma fração de segundos para o mundo mudar drasticamente. Mas isso não se aplica a São Caetano do Sul.

A cidade continua no mesmo lugar de sempre, de difícil acesso para aquelas pessoas que se aventuram de carro no local. Para alcançá-la, é preciso pedir informações aos frentistas dos postos de gasolina, as únicas pessoas que sabem dizer onde fica a entrada para o município. Como se fizessem parte da guarda costeira, que só aponta o caminho certo àqueles dignos de conhecer o local.

Mas para chegar a São Caetano do Sul é preciso atravessar a favela Heliópolis, uma das maiores da América Latina. Enquanto você passa de carro, as pessoas em volta olham para você com um rosto sofrido, algo que definitivamente o desestabiliza. Mas é preciso fechar sua mente, pelo menos por um instante, e aguardar um sinal que significa que o postulante a visitante foi aceito. E essa mensagem vem de uma cabine abandonada, onde se lê, em letras amarelas garrafais, ‘Vende-se cartães’. É o sinal.

Justamente depois da mensagem, a paisagem muda. A favela fica para trás e você se depara com uma avenida comprida. Por um momento, tem a sensação de estar em uma via reta, muito reta, mas logo depois a paisagem muda novamente: você se vê em uma avenida sinuosa, tanto quanto a palavra ‘sinuosa’ pode insinuar.

Depois das ilusões que a via que antecede a cidade pode proporcionar, você se depara com o portal de entrada. E a primeira diferença é no guarda eletrônico que controla a entrada dos veículos na cidade. Um semáforo, com contagem regressiva, informa aos visitantes dentro de quantos segundos terão a honra de entrar em São Caetano do Sul. Demais.

Passados os testes, a redenção. São Caetano do Sul é uma cidade que, de longe, lembra São Paulo, mas com um certo toque interiorano e também europeu. Como uma cidade que parou no tempo – no bom sentido da palavra. Suas principais vias não são retas, apinhadas e conturbadas como as marginais e a Avenida Paulista, por exemplo. São ruas com muitas curvas, muitas bifurcações e muitas, muitas praças. E muito bem cuidadas.

Em volta das praças há lojas que vendem o açaí. Quem toma um açaí em São Caetano do Sul entende por que a cidade do ABC paulista tem o melhor açaí na tigela de... talvez de todo o globo. Mas só sabe disso quem já provou.

As vendas de açaí estão sempre lotadas. Em geral, estudantes saem dos colégios por volta das 12h20 e reabastecem suas energias com a fruta, cuja lenda diz ser típica da região amazônica. Seria, não fosse São Caetano do Sul.

Os estudantes tomam açaí conversando e sorrindo. Andando mais um pouco, há os pais dos estudantes na porta da padaria, sentados na sarjeta conversando e rindo. Os cachorros, que saem para passear com os pais dos estudantes, brincam na calçada abanando o rabo. Ou o que lhe sobra.

Deixando-se guiar pelas curvas e bifurcações das avenidas de São Caetano do Sul, cai-se nos bairros residenciais da cidade. Com ladeiras, muitas ladeiras, sempre vazias. E casas coloridas, com muros altos, enfeitados por trepadeiras. Uma coisa linda.

Anda-se mais um pouco pelo município e, então, percebe-se que todas as ruas levam a um único local: a praça central da cidade, onde a sua trajetória foi iniciada. É como se você não pudesse mais sair de São Caetano do Sul. Ou não quisesse sair de lá.

Mas às vezes é necessário deixar de lado o ímpeto de ficar em um local que parece ser o melhor lugar do mundo para se morar. Uma pena.

E assim que você deixa São Caetano do Sul, cai em lágrimas. Na Estrada das Lágrimas. Rodeada pela periferia paulistana, a rua que conduz o viajante para fora da cidade vive na contramão. Não sabe se quer ir, se quer voltar e se quer ficar onde estar.

Isso se percebe pela numeração das... casas? Digamos que sejam casas. A contagem regressiva começa no número 4.100. Mas logo em seguida cresce, diminui, cresce e diminui. Quando parece manter uma seqüência lógica, volta a crescer, diminuir, crescer, diminuir. Até que chega o número 1.404. São duas casas com o número 1.404. E então a numeração volta a crescer, diminuir, crescer e diminuir. Sem lógica alguma.

E então as lágrimas chegam ao fim e você enfim se despede de São Caetano. Mas com uma dor no coração: como se estivesse abandonando Monte Carlo.

Correlação que sequer existiria não fosse o arquivo de 18/04/2005 de Emanuel 'cabelos-para-trás' Colombari.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Encontros

Uns quatro meses atrás, se não mais, encontrei uma velha amiga no metrô. Na bem da verdade, não se tratava de uma amiga que eu não via há certo tempo, mas sim de uma antiga paixão dos tempos de colégio, com quem eu não me encontrava desde o dia da formatura, há quase três anos.

Naquele dia havia sonhado com ela, um sonho um bocado esquisito de que eu não me lembro mais. Coincidentemente, havia saído mais cedo do trabalho naquele dia, todos os semáforos ficaram vermelhos quando eu ia atravessar, o metrô na linha verde demorou mais do que o normal para chegar.

Fiz baldeação e esperei no primeiro vagão na plataforma da Ana Rosa. Olhei no relógio, fiz alguns cálculos rápidos e percebi que poderia encontrar ocasionalmente com aquela velha paixão, que saía do cursinho por volta daquele horário. O trem chegou, espiei rapidamente na janela do primeiro vagão e vi muitas mochilas e roupas coloridas. Gente de cursinho. Então optei pelo segundo.

Estava meio sonolento, e só acordei de verdade quando as portas se fecharam e quase deixaram minha mochila do lado de fora. Acabei me encostando nas portas, que só se abririam novamente no ponto final, e passei a olhar com quem dividiria o vagão. Notei uma garota de roupa preta e cabelo louro, brilhante, intenso. Um pouco mais baixa que eu e estava de costas. Olhei melhor e pensei que... que talvez fosse aquela garota dos tempos de colégio. Difícil. Pelo que me lembrava dela, tínhamos o mesmo tamanho e o louro do cabelo dela era lindo, mas não tinha tanto brilho. Nem quando voltávamos juntos para casa sob o sol das 13 horas.

Dei dois passos e percebi que era ela. Meu coração não deu um salto e ela não me viu. Pensei em fingir não ter visto nada, mas como não me encontrava com ela há quase dois anos e meio, parei para matar as saudades. Cutuquei seu ombro. Ela me olhou e demorou alguns décimos de segundo para se lembrar de mim. Lembrou. Deu um sorriso, falou oi. Arrisquei um abraço. Em vão.

Começamos a conversar. Ela disse que estava estressada por causa do cursinho, que estava estudando quase o tempo todo, que estava fazendo aulas práticas pra tirar habilitação. Contou que ia prestar não sei quantos vestibulares para medicina, que desta vez iria passar e... e essas coisas. E perguntou como eu estava.

Contei que estava trabalhando e estudando, que só voltava para casa para dormir e que quase nunca dormia mais do que seis horas por dia. Ela não pareceu se comover. Reclamou que tinha aula de redação aos sábados de manhã. Contei que eu trabalhava sábados e domingos sem muito horário definido. Às vezes muito cedo, às vezes até muito tarde. “Pelo menos você faz o que gosta”, redargüiu, da mesma forma que as pessoas que ainda não entraram na faculdade ou que ainda não trabalham costumam responder.

Trocamos mais algumas palavras sem muita intensidade. Ela falou que o pessoal da sala precisava se reunir, que não via muita gente há muito tempo. Coisas assim. Tentei puxar alguns outros assuntos sobre nada, que ela respondia sem muita intensidade. Até que chegou a estação em que ela sempre descia e nos despedimos. Ela deu a bochecha para eu beijar. Virei o rosto o quanto pude e, em vez de beijar-lhe as bochechas, fiz com que elas se chocassem. Sem beijos, sem nada. Desta vez não arrisquei um abraço.

As portas se fecharam e a gente não se viu mais. E me arrependi por ter tentado falar tantas coisas a troco de nada: havia operado a língua três dias atrás e, a cada palavra que eu dizia, sentia dores incríveis. Deveria ter me calado.

...

Hoje estava indo para o trabalho à tarde, pouco depois da hora do almoço. Havia almoçado em casa, algo que não costumo fazer desde que comecei a trabalhar. Não sei por que, mas senti que estava com preguiça de encarar o self service.

Quando fiz baldeação para a linha verde, me encostei na porta do vagão, que só se abriria novamente quando eu chegasse ao meu destino. Reabri o livro e voltei a ler, sem a vontade de ser incomodado. Li algumas linhas até que o trem abriu as portas na estação seguinte e ficou abarrotado de gente. Levantei a cabeça, olhei para um lado, para o outro e voltei ao livro.

No segundo seguinte, voltei a olhar para uma garota de roupa branca e cabelos castanhos, talvez pretos, sem um brilho estonteante, mas cujo rosto me pareceu estranhamente familiar. Olhei uma vez, olhei duas vezes, olhei três vezes. Olhei umas cinco vezes. Ela olhou para mim uma vez e desviou o olhar. Olhou duas, três, quatro vezes e deu um sorriso. Fechei o livro e me aproximei.

Não era uma paixão antiga e nem uma velha amiga. Era apenas uma garota, amiga de um amigo meu, com quem eu me encontrei ocasionalmente umas duas ou três vezes três anos atrás. Não nos víamos desde então e não havia sonhado com ela nos últimos 19 anos.

Assim que cheguei perto dela, retribuí o sorriso. Ela se levantou e me deu um abraço. Não falei muito da minha vida e ela não contou muito da dela. Mesmo assim, conversamos bastante em três estações de metrô. E poderíamos ter conversado muito mais se eu não tivesse percebido que já havia passado pela estação em que eu desceria e fui uma para frente. Percebi isso e comecei a me despedir. Ela se levantou e me deu mais um abraço. Falei em seu ouvido que aquele cara engraçado que estava ao lado dela havia sido meu professor de química no colegial. Ela deu risada. Eu também. E enfim nos despedimos.

Talvez não nos vejamos novamente. Ou talvez nos vejamos novamente daqui uns 15 ou 20 anos, na fila do supermercado ou na porta da escola de nossos filhos. Não sei. Mas desta vez não me arrependi, como aconteceu com a paixão antiga.

Incrível como encontros completamente ocasionais são mais divertidos do que aqueles que você sente que vão acontecer.

E incrível como uma demonstração de afeto, como um abraço, faz tanta diferença.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Desejos doentes

O mundo tem ouvido incessantemente aquele som que parece ser nada mais do que o jingle do comercial do Fiat Punto – prova quase viva disso é o aumento de quase 100% dos membros na comunidade do Shout out Louds no orkut, saltando de 88 membros em 13 de agosto para 165 até as 1h29 de 17 de setembro. Só faltou aparecer um artigo em português na Wikipedia.

Mas enquanto Shut your eyes toca a cada 30 segundos nas televisões brasileiras, a banda sueca sai em turnê para divulgar seu segundo disco: Our ill wills, que foge um pouco ao estilo animadinho do Howl Howl Gaff Gaff, o álbum de estréia da banda.

Our ill wills já havia sido lançado há um certo tempo na Escandinávia, tendo chegado às lojas em 25 de abril deste ano. Pouco mais de um mês depois, em 21 de maio, cruzou o Estreito de Kattgatt (vulgo ‘Buraco de Gato’, no mais puro sueco das periferias de Estocolmo) e chegou à Dinamarca. Quatro dias depois, espalhou-se por Alemanha, Áustria e Suíça, e em pouco já estava em toda a Europa Ocidental. Em 11 de setembro, chegou aos Estados Unidos.

Ao primeiro play é estranho. Não bate, não combina. Não parece ser aquela banda de riffs simples de guitarra porém animados, que cantava canções de um jeito diferente em relação a grande parte das bandas de indie. As novas músicas do Shout out Louds lembram irritantemente, tanto nos arranjos como na voz de Adam Olenius, Robert Smith.

É preciso uma certa insistência ouvindo o CD para se familiarizar ao novo estilo do Shout out Louds. Depois de um tempo, os toques de violino, o aumento dos backing vocals femininos de Bebban Stenborg em relação ao Howl Howl Gaff Gaff, as melodias mais ritmadas e sobretudo as letras revelam um som mais maduro. Claro, com uma forte influência do The Cure.

O primeiro single do novo álbum do Shout out Louds é da faixa número um do CD: Tonight I have to leave it. Dá pra ver que não foi só o som que ficou diferente). O clipe é muito mais bacana do que aquela máquina de lavar que revelava um novo mundo para as pessoas em Shut your eyes.

Os novos sons da banda, no entanto, perdem em relação aos antigos não só porque ficaram ‘menos originais’, como já ouvi dizer. Faz um pouco de falta os solos ligeiramente desconexos no meio das músicas.

Para os poucos que conhecem Shout out Louds, uma má notícia: o lugar mais perto que a turnê de Our ill wills irá passar em relação ao continente sul-americano é a cidade de Austin, Texas. Ou pelo menos essa é a programação até o final de novembro. Uma pena.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Maravilhas virtuais

Depois que descobri as maravilhas de ter um leitor RSS no meu computador, disponibilizei as assinaturas para feed aqui no blog e fui encaminhado para um site que mostrava informações sobre as pessoas que acessavam esta página.

Na hora não me empolguei e imaginei que seria apenas mais um contador de acessos, mas depois de alguns dias percebi que o serviço grátis detectava como os internautas chegavam a este blog e também de onde são. Confesso que achei um bocado estranho quando apareceram por aqui pessoas de Apoti, Carnaxide, Campo Magro, Conselheiro Lafaiete, Engenho da Rainha, Erechim, Mato Dentro, Muzambinho, Pomerode e Viamão, além das estrangeiras Aguiló (Espanha), Hobolici (Croácia), Norfolk e Sheffield (Inglaterra), Park Leeuwenberg (Holanda), Quinta do Anjo (Portugal) e Södra Transbodarna (Suécia).

A segunda coisa que mais me surpreendeu foi ver quantas pessoas entram aqui. Eu, que imaginava ser lido por no máximo sete ou dez pessoas por semana (um número muito além das expectativas para alguém que começou escrevendo sem público), percebi que cerca de 35 pessoas diferentes acessam essa bagaça diariamente. E que, depois dos paulistanos, meus leitores mais fiéis são de Brasília e Rio de Janeiro.

Apesar de os números terem superado a minha expectativa, ficou bem claro que grande parte dos acessos (65% deles) provém de sites de busca. Engraçado ver como algumas pessoas sem noção chegam a este blog – muitos deles, depravados virtuais que digitam no Google algo do tipo “putaria sexo loira gostosa peituda vídeo download grátis silvia saint” em busca de mais um site de pornografia sem pagar nada.

Depois de dez dias de estatísticas, elenquei os resultados mais bizarros que trouxeram pára-quedistas a este blog sem qualquer utilidade pública por meio de um site de busca. Curioso, decidi checar para ver se as pesquisas virtuais apontavam este blog entre os resultados. Incrível como sim – e muitos deles na primeira posição. Tudo isso porque muita gente não aprendeu que, para uma busca refinada (e, provavelmente, sem blogs) basta digitar os termos compostos entre aspas.

E isso serve de alerta também àquelas pessoas que acreditam que o Google é o principal invento da humanidade depois da banda larga. Seguem as jóias raras:

- Blusa com gola de palhaço
- Boné azul sem nada com aba vermelha
- Fazendo assalto
- Sonhar com solitária
- Aids tudo sobre ela (e tem também a variante Ai Aids Mal)
- Missa do canal de tv 2 mostra a transmissão
- Tatuagem do Flávio Saretta
- Eu quero saber como era o Gama antes só que eu quero ver fotos
- Acabou o namoro vai para net video
- Professora de putaria
- Filho a foder com mãe
- Eu já fui preso e ainda não peguei a reservista
- Como conversar com uma garota por telefone

É bom provável que mais pára-quedistas apareçam nos meses a seguir. E, dependendo do conteúdo, talvez este post tenha mais e mais edições.

Sobre o assunto: Não sou o único privilegiado pela ação dos pára-quedistas. Muitos blogs muito (e bota muito nisso) mais acessados do que este já trataram o tema. Além da explicação bem humorada feita pelo André, o Alexandre Inagaki explica com números o fenômeno em questão. E os dois textos ficam ainda mais engraçados depois que se descobre as alegrias que o Google já deu ao Rafael Galvão.

Atualizado (15/09): O Google pode não acertar todas, mas pelo menos uma coisa foi interessante de perceber. Já experimentou digitar Vergonha Nacional no maior site de buscas da rede? Olha só:

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Legitimação

Filas de banco no quinto dia útil do mês são um excelente convite àquelas pessoas que vivem em um mundo paralelo onde a meta do dia é passar horas para pagar uma conta. Para os outros 6,8 bilhões de habitantes da Terra, é mais um motivo de stress.

Por exemplo: a velhinha que se demora no mesmo caixa por mais de dez minutos. E, assim que as oito operações são concluídas, passa quase o dobro do tempo pedindo informações para a atendente. O cara que quiser obter legitimidade precisa apenas reclamar com o cara da frente da fila reclamando e ensaiando um “Vai cozinhar, vovó!”.

Só que o mais importante vem a seguir. Quando quatro ou cinco pessoas começam a conversar e reclamar do atendimento, o cara entra na conversa e toma a palavra. “O país não tem jeito mesmo. Sabe o que tem que fazer pra que tudo isso seja mais rápido? Tem é que botar fogo na agência!”. Os interlocutores se assustam, mas o catastrófico se explica. Era o que faltava para ser eleito o líder da tribo.

“O ano é 1986”, inicia o cara de 50 anos, passando as mãos no cabelo acaju e desabotoando mais um botão da camisa. “Nessa época eu estava em Paris. Oui, oui. O governo francês decidiu aumentar em 17 centavos de franco (naquela época não existia o euro ainda) do bandeijão dos universitários. O almoço não custava muito, mas iam aumentar em 17 centavos de franco pela primeira vez na história. Os estudantes puseram fogo no restaurante. O preço aumentou?”, terminou, olhando em volta e, pomposo, fazendo sinais negativos com a mão.

Enquanto isso, as outras pessoas da fila olham para o sujeito e parecem refletir a situação. É hora de dar mais um exemplo. “Em Lisboa foi assim. Eu estava lá quando isso aconteceu também. Foi em 1990, quando o governo português decidiu aumentar a passagem de ônibus depois de sete anos sem reajuste. Sabe o que a população fez? Incendiou oito ônibus. E o preço aumentou? Negativo”, prosseguiu.

Foi o bastante para que todos concordassem com o ponto de vista do companheiro de fila. Então chegava o momento de consolidar a tese recém formulada. “É por isso que eu digo que o Brasil não vai pra frente enquanto a população não se unir e incendiar o congresso. Se isso não acontecer, a gente nunca vai ver evolução alguma. E os senadores vão continuar sendo absolvidos”, emendou. Nesse momento, a caixa chamou o próximo da fila. O líder da tribo sacou o bolo de notas de R$ 1.000 em notas de R$ 50, deu uma contada rápida e se dirigiu para o atendimento.

Depois de efetuar os pagamentos, despediu-se da fila. Deu tapinhas nos ombros de uns cinco. Outros disseram “a gente se vê, amigão!”. Juro que ouvi alguns aplausos também.

São poucas as pessoas que são legitimadas em uma fila de banco em uma manhã de segunda-feira.

Atualizado (12/09): E não é que o cara tava certo mesmo quando disse dos senadores?

sábado, 8 de setembro de 2007

Desaproveitamento

Noite de sexta-feira, a mesma praça dos últimos 12 anos.

Dois amigos e duas latas de cerveja. Não discutiam um método de curar o câncer, sobre a política econômica do governo e nem sobre mulheres. Também não falavam sobre futebol. Na verdade, não falavam nada. Olhavam fixamente cada um para um lado.

Um deles quebrou o silêncio, que já durava uns 30 segundos.

– O ano já acabou, cara.
– E ontem mesmo tava todo mundo aqui comemorando o reveillon.
– Puts, é verdade. Parece que foi ontem mesmo.
– É complicado. Olha isso: eu vou fazer 20 anos no mês que vem.
– Você, 20... caramba, é verdade! E no ano que vem é a minha vez...
– 20 anos, cara, você sabe o que é isso?
– Mais ou menos. Quando a gente tinha uns dez anos, eu imaginava como seria a minha vida com 20.
– Como era?
– Eu teria dois carros. Um deles importado, claro. E dois apartamentos: um aqui e um na praia... isso sem falar no meu sítio. Ah, também tem que eu iria trabalhar todo dia de terno e gravata, já estaria casado e com uns dois filhos.
– Não vou rir porque eu imaginava alguma coisa assim também.
– Quando a gente tinha dez anos, chegar aos 20 significava independência. E dinheiro. E também eu imaginava que seria mais alto que todo mundo.
– Eu também. E agora você vê: meu irmão tem 15 anos e está mais alto do que eu.
– E do que eu também.
– Lembra quando a gente fazia o maior esforço pra se pendurar no travessão da quadra?
– A gente tinha que dar pezinho um pro outro...
– Hahahahaha. É verdade. E todo mundo tinha medo de soltar e cair com tudo, de tão alto que era.
– Naquela época, a gente não podia ficar na rua até essa hora.
– Todo mundo subia às 17h30.
– Era perigoso ficar fora de casa à noite.
– E a gente ia pra casa sempre reclamando por ser tão novo e não poder fazer nada.
– A gente queria ter 18 anos pra poder ser independente.
– Hoje, eu queria estar em casa todo dia às 17h30. E jantar com a minha família, conversar sobre o dia de todo mundo.
– Ninguém gostava de fazer isso. E todo mundo deve sentir falta.

Mais uns 30 segundos de silêncio.

– Cara, a gente reclamava sem motivo.
– Foi a melhor fase das nossas vidas. E muitas vezes a gente perdeu tempo reclamando à toa.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Filme velho

É incrível como todos os feriados são sempre iguais.

A data ociosa vem se aproximando e, uma semana antes, planejo umas cinco viagens diferentes para fazer. Penso em várias partes do Brasil, mas com a dor no coração de saber que não posso viajar para Buenos Aires porque não tenho um passaporte. Nem mesmo um falso. Um absurdo.

Fico planejando as viagens, vejo em alguns sites as passagens aéreas mais baratas, alguns hotéis, pousadas.... coisas assim. Fico com tudo em mente até dois dias antes do feriado, quando percebo que acabou ficando muito em cima da hora para fazer uma viagem ligeiramente longa e adio para a próxima folga.

Sem viagens, imagino coisas para fazer pela cidade. Várias. Parques, cinemas, teatro, bares, chopes... alguma coisa perdida. Sempre tem alguma coisa interessante para fazer. E fico com algumas em mente.

Chega a véspera do feriado. O dia amanhece com cara de véspera de feriado. Você se lamenta por ter que ir trabalhar na véspera de um feriado e imagina o quão legal deve ser tirar uma folga antes. E ter um feriado ainda maior.

O expediente na véspera de feriado é devagar. Mas, quando você sai, sente-se em um mundo paralelo. É feriado, afinal. E vai ter alguma coisa para fazer, certamente. Não só porque tem seis dvds em sua mochila, selecionados a dedo na locadora.

Então começa o feriado oficialmente. E aí cai a ficha de que a única coisa a ser feita é ficar em casa sem fazer nada.

Talvez o mundo fosse mais divertido antes dos oito anos. Foi quando eu entendi metade do sentido da vida ao ouvir a minha mãe dizer que o mais legal da festa é esperar por ela.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Orgulho

O orgulho é um sentimento esquisito, prejudicial para uma boa vida em sociedade por motivos lógicos. Muitas vezes, ele é o responsável pelo fim de amizades (que muitas vezes já estão estremecidas), de relacionamentos promissores e pelo acontecimento até de alguns crimes. Basta pegar alguma edição do extinto Notícias Populares, que vai conter pelo menos algum assassinato causado pela soberba.

Mas sempre tem um outro lado. Não que seja muito bom armazenar o orgulho, mas é um sentimento que às vezes pode protagonizar algumas situações engraçadas. A que vem a seguir, por exemplo, não é tão impossível de acontecer por aí. Não mesmo. Embora se trate de um puro devaneio causado de madrugada depois de quase uma semana sem internet.

Conheciam-se há pouco mais de um ano. Tinham algumas coisas em comum, como o curso universitário que faziam na mesma faculdade, mas em períodos distintos. Tiveram o primeiro contato de uma forma talvez normal, na biblioteca. Ele procurava esclarecimento em Sócrates, enquanto ela era mais adepta aos clássicos de Goethe. Acabaram se esbarrando em um meio-termo, na estante com livros do Bandeira.

Passaram meses intensos, trocando mensagens diárias e vendo-se pelo menos uma vez a cada 15 dias. O cara tinha um jeito bacana de se comunicar timidamente, enquanto a garota tinha um estilo engraçado aos olhos do rapaz. Até que um dia pararam de se comunicar, sem um motivo que fosse lá muito relevante. Ficaram talvez oito meses sem se encontrarem, sem se esbarrarem acidentalmente. Apenas uma vez, no mesmo lugar onde se conheceram, durante um dia das férias. Ele devolvia um livro do Dostoievski, enquanto ela procurava por explicações em Pierre Bourdieu. Haviam trocado de interesses. Mas foi um encontro casual, e os dois e cumprimentaram apenas por obrigação social. E continuaram sem se falar. Apenas pensavam um no outro quando o tédio parecia bater. E só.

Voltaram a ter contato apenas seis meses depois do encontro na biblioteca. Acidentalmente, a garota atravessara a rua correndo ao mesmo tempo em que o rapaz jogava conversa fora com alguns amigos esperando o semáforo abrir do outro lado da calçada. Ele não estava muito entretido no assunto com os amigos, tanto que elogiou a roupa que a garota usava e se desvencilhou do grupo para trocar algumas palavras com a antiga amiga. Ela achou estranho o contato, mas deixou que a conversa fluísse.

Depois de umas duas horas de conversa, despediram-se e prometeram se encontrar algum dia novamente em algum lugar incomum para as ‘pessoas normais’, mas comum aos dois.

Como não podia ser diferente aos dois, cruzaram-se na fila do caixa de uma livraria. Ela levava um livro do Marcelo Rubens Paiva, enquanto ele esperava para pagar um do Érico Veríssimo. Era junho, dia do aniversário dela. Ele lembrou, deu os parabéns e lhe pagou um almoço. E conversaram por mais duas horas.

Perceberam que tinham muita coisa em comum e combinaram de se encontrar mais uma vez, desta vez em um lugar comum para todos, mas incomum para eles. Foram para um bar. Passaram muito mais do que duas horas conversando, bebendo, conversando e bebendo. Em plena segunda-feira. Contaram histórias íntimas e se sentiam mais próximos do que o normal a cada palavra, a cada troca de olhar, a cada sorriso. Ela disse que um dia mostraria fotos da infância para ele, que propôs que o encontro acontecesse em sua casa. Bastava manterem o contato depois disso – algo que não era impossível, visto que trocavam pelo menos 20 e-mails por dia.

Despediram-se e não prometeram se ver novamente: tudo já estava marcado para um próximo encontro. Bastava alguém tomar iniciativa e combinar o dia, o horário, a marca da bebida... Não seria nem um pouco complicado.

Mas aconteceu que nada aconteceu durante os dois meses que se seguiram. Todos os dias ele abria as suas cinco caixas de e-mail esperando encontrar o nome da garota, enquanto ela mantinha viva a esperança de receber uma mensagem a qualquer momento. Fosse por carta, e-mail, mensagem de celular. Qualquer coisa, mas ele deveria tomar a iniciativa e se comunicar.

Como não se falaram, acabaram perdendo contato mais uma vez e vieram se encontrar de mais um modo incomum. Meio sonolento em um sábado de manhã, ele decidiu parar em uma cafeteria de esquina, comprar um café grande e acordar de vez. Mas sequer precisou comprar coisa alguma, pois despertou ao ver um borrão amarelo enquanto revirava a carteira para pegar o dinheiro trocado e pagar a xícara de café. Sismado, colocou o óculos e percebeu que o borrão amarelo se tratava de um casaco. No corpo da garota.

O coração dele teve um leve disparo. A taquicardia só foi contida com um movimento da mão esquerda, que aumentou o volume da música que tocava em nos fones de ouvido. Descordenado, colocou no máximo. E então ele passou a disfarçar o olhar, fingiu um bocejo, fingiu mexer as pernas no ritmo da música. A esse tempo ela já o havia percebido. Então, pegou espelho e arrumou a franja do cabelo para ter alguma coisa para fazer. Até porque a franja já estava arrumada.

Ficaram nesse fingimento mal feito durante dois minutos. Foi quando ele passou por ela e simulou um esbarrão na senhora da mesa ao lado para poder fingir que não viu a amiga. Ela, por sua vez, chamou o garçom e pediu mais um café. A xícara que chegou à mesa dela no momento em que o rapaz atravessava a rua meio aturdido, olhando para os dois lados várias vezes.

Quando os dois chegaram em casa, ligaram os computadores e abriram suas caixa de e-mail. Os dois clicaram na opção para criar uma nova mensagem. Os dois digitaram uma mensagem bastante longa. Os dois leram três vezes a mensagem antes de editar algumas partes. Os dois saíram nas janelas de seus respectivos apartamentos antes de enviarem as mensagens (ela acendeu um cigarro nesse meio-tempo e ele procurou um até se lembrar de que não fumava). Os dois voltaram para os computadores e digitaram mais algumas linhas.

Até que os dois, impulsivamente, desligaram os computadores sem enviar as mensagens.

E ficaram pelo menos mais um ano sem se encontrar.

sábado, 1 de setembro de 2007

Durcheinander

Algum dia do mês retrasado, em um restaurante por quilo da Avenida Paulista.

Fila do caixa, 15h30.

Deu R$17,30, moça disse a caixa.
Hum? interrogou a cliente, uma loira de 1,80m, olhos verdes e talvez uns 25 anos.
R$ 17,30 respondeu a funcionária.
I’m sorry, but I can't understand you. I don’t speak Portuguese justificou-se a loira.

O gerente é chamado.

Essa moça disse um negócio estranho. Acho que ela é estrangeira apontou a caixa.
Boa tarde? cumprimentou o gerente.
I am from Germany. I don’t speak Portuguese explicou.
Ela disse que é da Alemanha e não fala português, Rosa traduziu o gerente, direcionando-se à caixa.
Nossa, que chique! Fala pra ela que deu R$ 17,30, Gerson exclamou Rosa.
The bill is seventeen reais and thirty cents. You are a tourist? perguntou Gerson, que não lembrou das regras gramaticais do Inglês.
Yeah, yeah. I’m here with my sister. She, Nadja disse a alemã, apontando para a uma garota morena, de pele clara, olhos azuis e talvez uns 21 anos, que vinha em terceiro lugar na fila.
And you are liking São Paulo? prosseguiu o gerente.
Yeah, very much. This is a fantastic city! Really nice! elogiou a loirona, tirando uma nota de R$ 50 da carteira e entregando à caixa.
Gerson, fala pra ela que ela é muito simpática e que eu gostei muito dela pediu Rosa, com o rosto ganhando uma tonalidade avermelhada.
She said... she said you are very… very… very nice gaguejou o gerente.
Oh, thank you! You too agradeceu a alemã, recebendo o troco e dando um sorriso gentil.

E então chegou a minha vez de ser atendido. Coloquei o prato na balança.

R$ 10,55 disse a caixa, enquanto eu me distraía vendo as luzes vermelhas na balança.
Hum? perguntei, voltando à Terra.
Ele não fala português, Rosa, presta atenção! Ele deve ser o namorado da loira disse o gerente, inconformado com o erro da funcionária.
Ai, é verdade. Que cabeça a minha! Mas como fala esse valor? desculpou-se a caixa.
Ten reais and fifty five cents, mister ensinou o gerente.

Paguei com o vale refeição e tirei a bandeja da balança.

Ao mesmo tempo, o gerente dizia para a caixa, crente que eu não entenderia:

Que cara rabudo! Queria nascer na Alemanha para ter sorte que nem ele!