quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Perfeição sonolenta

O momento de mais segurança da minha infância era a noite. Apesar das ameaças de bicho papão, bruxa Reizel, homem do saco e chupa-cabra, me sentia protegido dormindo na mesma cama que a minha mãe.

Ela, desde quando eu era pequeno, foi a minha protetora. E se eu acordasse no meio da noite com medo de qualquer coisa, bastaria abraçá-la forte que qualquer preocupação se esvairia. Era mágico.

Mas os anos passaram, eu cresci, passei a dormir na minha cama, meus pais se separaram e eu fiquei morando com meu pai... demorou até que eu voltasse a dividir a mesma cama com alguma mulher. Levou muitos anos, até que...

Faz um certo tempo. Deve ter sido em alguma noite perdida em um passado não muito distante. Depois de beber um bocado (naquela época, um copo de vinho já era demais para nós), pegamos no sono rapidamente vendo o filme preferido dela em seu quarto.

Não sei exatamente quando fechei os olhos e comecei a sonhar. Lembro-me apenas de acordar no meio da noite, ainda de madrugada, com um leve chute no tornozelo. Ao me virar para o lado, tive uma das visões mais bonitas que já vi até hoje: era uma garota linda, muito mais do que eu já achava. Com os olhos cerrados e os lábios entreabertos, me passava uma serenidade imensa, ao passo que a respiração ligeiramente ofegante me deixava preocupado: estava tendo um pesadelo?

Tentei virar para o outro lado e voltar a dormir. Não consegui. Fui tentado a voltar meus olhos para ela, que jazia a poucos centímetros de mim. Naquele momento, já estava virada para o outro lado, ainda mais encolhida: devia ser por causa de um pesadelo.

Com ela de costas para mim, comecei a notar a beleza de suas curvas. Engraçado. Só naquela hora consegui pensar na profunda beleza daquela garota... e também na perfeição da obra divina.
De tanto olhar, comecei a notar também alguns defeitos. Pequenas falhas bestas, mas que me surpreenderam a princípio: como um ser tão perfeito poderia ter aqueles defeitos? Mas bastaram alguns minutos mais de observação para que aqueles ‘pequenos erros de fabricação’ se tornassem os mais belos que eu já tinha visto até então.

Não consegui mais dormir e fiquei contemplando-a durante o resto da madrugada. Ao mesmo tempo em que tinha um desejo incomensurável de abraçá-la e jamais largá-la, fazia questão de respirar o menos possível e evitar movimentos desnecessários para não a acordar. Ainda levantei da cama, sorrateiramente, para ligar a televisão para ver a transmissão da Fórmula 1. Assisti a toda a corrida sem volume, claro.

Mas naquele momento acabei me lembrando das últimas noites em que tive uma mulher ao meu lado: quando dormia na cama da minha mãe. Antes, eu era o ser inofensivo que precisava de proteção. Naquele momento, com a garota, me sentia na obrigação de protegê-la e cuidar-lhe.

Depois do automobilismo, fui para a cozinha e preparei o leite com a pequena mancha de café de que ela gostava. Com a bebida ainda quente, levei para a cama e acordei-a.

Acordá-la talvez tenha sido uma das coisas mais cruéis já feitas por mim até hoje. Ela abria os olhos ainda atordoada com a claridade, enquanto eu via pela última vez aquela perfeição meio sonolenta. Algo que eu jamais encontrei novamente.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Corrente blogueira

Ter me livrado da Fuvest para todo o sempre (ou pelo menos até 2009) fez com que eu não me sentisse na obrigação de ler as obras obrigatórias que eu tive que ler ao longo de 2004 e 2005 para as provas que definiriam meu futuro.

Mas alguns meses atrás, enquanto matava as horas antes de entrar no cinema, descobri um sebo nos arredores da Paulista. E em uma das estantes apinhadas de livros – alguns deles com as bordas das páginas corroídas pelas traças –, encontrei uma obra obrigatória para o vestibular deste ano: Dom Casmurro.

Como na minha época a obra obrigatória do Machado era Memórias Póstumas, não li Dom Casmurro. Após uma rápida folheada, me senti na obrigação de desembolsar as 12 pratas e levá-lo para casa.

E era justamente este livro que aparecia sobre a minha impressora, ao lado do monitor, quando li a convocação do Emanuel para uma corrente literária. Como funciona?

1ª Pegar um livro próximo (PRÓXIMO, não procure)
2ª Abrir na página 161
3ª Procurar a quinta frase completa
4ª Postar essa frase em seu blog
5ª Não escolher a melhor frase nem o melhor livro
6ª Repassar para outros cinco blogs

Seguindo os pedidos, temos como quinta frase completa na página 161:

As for Manduca, I don’t think it was as a sin to have anti-Russian opinions, but if it was, he will have been expiating now for forty years the hapiness he had for two or three months – from which he will conclude (too late) that it would have been much better just to groan, and have no opinions at all.

Antes que ninguém entenda, a explicação: o exemplar de Dom Casmurro à venda naquele sebo era em inglês. Não tive dúvida ao desembolsar la plata: além de ser uma obra do Machado, ainda me serviria para continuar praticando o idioma bretão, já que não faço aulas há um bom tempo.

E agora a parte mais difícil: escolher cinco nomes para dar seqüência à corrente. Nãi sei se algum dos meus cinco escolhidos lerá ou fará isso, mas deixo a agradável tarefa para Júlio Simões, André Marmota, Pedro Pracchia, Bruno ‘Neguinho’ Gonçalves e o pessoal do Martini Seco.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Grand Champions Brasil, o retorno

Durante os últimos dias me perguntei, dentre outras coisas, sobre a existência ou não deste post. Como podem ver, optei por escrevê-lo. Pois bem, vamos a ele.

Momentos após acordar na quinta-feira (quando lia a coluna do Veríssimo no jornal, para ser mais exato), já imaginava como seria esse texto. Seria mais uma análise contra o jornalismo futebolístico e a favor da divulgação dos outros esportes. Só que as coisas mudaram, e o que consegui não foi mais do que a continuação do meu desabafo in loco, não mais in loco.

Achei que toda a minha saga de desventuras tinha terminado quando conseguir, depois de muito batalhar, um adaptador para ligar meu laptop no Ginásio do Ibirapuera no Grand Champions Brasil (Brasil, hem!?), na última quinta-feira. E, claro, me enganei: queimei a língua pela segunda vez no dia (a primeira havia sido ao tomar uma xícara de leite muito quente na coletiva antes do torneio).

Aliás, a coletiva. Nunca tinha ido a um hotel tão bonito como o Sofitel São Paulo, em uma região entre os bairros de Moema, Ibirapuera e um bocado de Vila Mariana. Lá, além de conseguir algumas notícias bacanas com o Fernando Meligeni, vi de perto e até entrevistei o Bjorn Borg, um dos principais jogadores de tênis da história. Para simplificar: ele fez um pouco mais do que tudo isso que o Roger Federer já fez ou está fazendo, mas com uma raquete pesada de madeira e sem roupas da Nike. E com uma baita concorrência.

Uma das perguntas que fizeram ao Borg na coletiva era sobre as chances que ele achava que tinha em superar o Bruguera e ganhar o Grand Champions Brasil. Ele disse algo do tipo “I’m here to win”.

Pois bem, de volta ao Grand Champions, já no Ibirapuera. Quando cheguei ao meu cubículo de imprensa e terminei de instalar meu laptop e, com a ajuda fundamental do Seu Jairo, da Jovem Pan, montei a minha redação. Alguém já viu como é a cabine de transmissão de imprensa, aquela que tem o Galvão Bueno e o Arnaldo César Coelho de terno e gravata, felizes da vida e em um lugar bem chique? Pois então... a que tinha Felipe Held era assim.

Foto: Felipe Held/Cavaleiro com Solitária
Outra coisa de que me dei conta era a condição das tomadas. Apenas a minha das cabines de imprensa disponíveis possuía uma tomada utilizável. Todas as outras tinham algo que parecia um ninho de minhocas ou uma mecha de cabelos da Medusa. Lamentável.

Foto: Felipe Held/CCS

Outra coisa: o placar do ginásio, desligado, não mostrava a pontuação da partida. Qualquer descuido e babau. Mas até que consegui contornar essa situação conseguindo o nobre favor de uma amiga sorocabana que ligou no Sportv e passou a me informar a situação do marcador.

Mas então começou o jogo entre Meligeni e Mats Wilander, que prometia ser o mais engraçado da noite. E o Fininho, que antes do jogo já tinha anunciado que seria mais descontraído do que o normal, não fez por menos. Apesar de não ser oficial, foi um dos melhores jogos de tênis que eu já vi. Consegui acompanhar a partida inteira enquanto escrevia o relato. Profissionalmente, uma catarse.

Então me ajeitei na escadinha de banheiro improvisada à espera do início do jogo entre Borg e Vilas. O 23º da história dos dois tenistas, que decidiram Roland Garros duas vezes na década de 1970. Uma das maiores rivalidades do tênis masculino na história. A minha maior esperança no Grand Champions Brasil... Uma... uma...

Uma interrogação brotou na minha cabeça quando o Borg entrou em quadra e pediu o microfone. Até pensei comigo mesmo, em tom de piada: “Ele é sueco e não fala português, o que vai querer dizer pra todo mundo aqui? Ele vai, sei lá, falar que é gay ou então que também está envolvido no escândalo de apostas do tênis. Ou então...”

Aconteceu a terceira opção: ele desistiu do torneio. O motivo? Uma lesão no braço, contraída há algumas semanas. Sim, caro leitor, Bjorn Borg, a lenda viva do tênis, desistiu do Grand Champions Brasil. Já sabia que iria desistir, mas ainda assim a organização da competição fez marketing em cima do duelo Borg e Vilas, cobrou 90 pratas dos espectadores que foram ao Ginásio do Ibirapuera naquela noite de quinta-feira... uma palhaçada.

Poucas pessoas já me viram falar tanto palavrão em um espaço de tempo tão reduzido como aqueles 10s que sucederam o anúncio da desistência do Borg. Não pude extravasar, mas peguei três álibis na arquibancada: o simpático Pedro Portes, o carrancudo Aílton Sérgio e o idoso e quase surdo Alberto V. (uma das coisas que aprendi nos primeiros meses de faculdade era não fazer isso. Claro que na hora nem me importei).

Cheguei em casa à 0h32 absolutamente morto. Morto, mas extremamente feliz. Apesar de tudo, consegui ter essa vista.

Foto: Felipe Held/CCS

E de graça, apesar de muitíssimos contratempos.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Sobre a gripe

Não sou do tipo de pessoa que se deixa abater por qualquer coisa. Muito embora esteja satisfeito com alguma coisa, procuro não deixar que isso se reflita no meu dia-a-dia e tento continuar levando uma vida mais ou menos normal.

Mas, confesso, tenho um ponto fraco. Fraquíssimo, para falar a verdade: a gripe.

Desde pequeno desenvolvi uma tendência incrivelmente enorme para adquirir doenças leves. Ainda que eu nunca tenha tido problemas como cárie, bronquite, gastrite, sarampo ou qualquer coisa do tipo, sou incrivelmente vulnerável aos resfriados. Uma droga.

Ficar resfriado talvez seja uma das piores coisas do mundo. Tudo começa de madrugada, quando você acorda no meio da noite com o nariz entupido e um pouco de frio. De manhã, o princípio de dores no corpo constata o início da doença.

Com o passar das horas, a dor de cabeça e a preguiça até para falar evidenciam ainda mais o mal que ainda o acometerá. O primeiro dia de gripe termina com um sono incrivelmente forte. Enquanto as horas passam de forma muito lenta, consegue-se sonhar com coisas estranhas, especialmente com suas células combatendo os vírus que aterrorizam seu organismo.

Não é raro deixar esse sono pesado com febre na manhã seguinte – quando é iniciado o pior momento do resfriado. Enquanto se sua bastante e os olhos ficam extremamente pesados, o mundo fora de sua cabeça parece conspirar contra você. As pessoas ficam ainda menos simpáticas, o metrô fica ainda mais lotado, o frio é ainda mais frio e o calor, putz, o calor é ainda mais quente.

Mas o pior e tudo mesmo é cumprir obrigações com gripe. Se já é ruim ficar em casa esperando os sintomas baixarem, é terrível ter que ir para a escola ou, então, para o trabalho. A capacidade de concentração é reduzida a um ponto quase nulo, a predisposição natural do ser humano é substituída por uma moleza fortíssima e uma iminência de sono. Tudo isso combinado com enjôos, tonturas e muita, mas muita coriza. Terrível.

Só que tudo começa a melhorar depois do expediente. O almoço e a sesta combatem os germes que fazem a festa em seu organismo e a vida volta a ficar feliz. E, embora os sintomas gripais continuem evidentes por mais uns quatro ou cinco dias, o mundo retorna às suas origens.

No entanto, nada apaga a tragicidade dos primeiros momentos da gripe. Para evitá-la, já tentei tomar aquelas pastilhas efervescentes de vitamina C, parei de tomar gelado, de andar descalço pela casa e de tomar chuva, evitei tomar friagem... nada funcionou. Além disso, percebi que pequenos detalhes relevantes da vida foram suprimidos em nome da gripe. Não valia a pena.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Desabafo in loco

Quando vi pela primeira vez o anúncio de que Bjorn Borg, Guillermo Vilas e Mats Wilander viriam a São Paulo disputar partidas de tênis, não pensei em outra coisa que não “Putz, não tem como perder”. O tempo passou e, hoje, o evento teve início hoje e eu fui credenciado para cobrir o primeiro dia.

Fenomenal a idéia da Nossa Caixa, do Hotel Sofitel, da Hugo Boss e do meu sempre achincalhado Sportv em trazerem tenistas de tal magnitude para um país em que, há alguns anos, o tênis é só aquela coisa bacana que a gente coloca nos pés. Mas nem tudo são flores.

Sempre achei que ao longo do percurso a algum lugar recebemos dicas do que nos espera. Pois vindo para o Ginásio do Ibirapuera, uma seqüência de coisas aconteceu. Primeiro, Túlio Vidal e eu esperamos durante dez minutos o elevador especial no 12º andar até de serviço ter a boa vontade de aparecer. Não apareceu e tivemos que fazer baldeação de elevadores até a garagem, além de nos atrasarmos para a saída. Já foi o bastante para me deixar com a cara um pouco amarrada.

Já no carro, mais um empecilho: o cartão do motorista não foi aceito pela cancela, e esperamos mais uns cinco minutos até que fôssemos liberados. Ok, ok. O evento já estava prestes a começar, mas e daí?

Do prédio da Gazeta até o Ginásio do Ibirapuera não se gasta mais do que dez minutos de carro. A não ser às 17 horas, quando o trânsito é ligeiramente insuportável. A adivinha a que horas estávamos na rua? Na Manuel da Nóbrega, rua da arena, mais trânsito. Por incrível que pareça, pior do que na Paulista.

Ao aportarmos no ginásio, mais uma decepção. A sala de imprensa, para os jornalistas escreverem os relatos do jogo, não dava para a quadra e nem tinha uma televisão para que acompanhássemos os jogos. Era preciso escolher: escrever ou ver o jogo. Acabei não escolhendo nenhuma das duas e fui procurar um outro lugar onde ficar.

Depois de subir vários lances de degraus, cheguei às cabines de rádio e televisão. Só que em nenhuma das várias disponíveis havia uma cadeira. E é difícil digitar em pé, ainda mais em um laptop. Depois de andar que nem uma besta de um lado para o outro, indicaram um lugar reservado para a imprensa. Maravilha! Ou... ou não.

Quando entrei no lugar reservado a nós, pobre mortais credenciados, tirei o laptop da mochila e o liguei. Antes de começar a montar, comecei a procurar uma tomada. Claro que não achei nenhuma. Perguntei para a tiazinha da recepção, que me indicou a algumas gostosinhas que vestiam minissaias e usavam vários quilos de maquiagem. E uma delas me apontou para um outro cara.

Enquanto isso, Sergi Bruguera e João Cunha Silva (quem?) dividiam o tempo em quadra com pegadores de bola, Dácio Campos e até Ícaro de Paula, o repórter vesgo global, mas que não é dotado de humor como o original.

O cara da organização enfim me atendeu. Ao ouvir o meu desabafo – algo como “a sala de imprensa não tem nem televisão. Nas cabines, só veríamos o jogo pela televisão... seria muito mais fácil cobrir o evento da redação, mas preferimos vir aqui prestigiar (essa palavra sempre funciona)... mas é difícil, não tem como trabalhar. E a bateria do laptop dura o quê, 1h30? –, o rapaz ocupado se limitou a gracejar: “Esse ginásio é de 1900, você tem que entender. E olha que a bateria do seu laptop tá durando mais do que a minha, que não passa de 30 minutos”.

Entre falar todos os palavrões que já aprendi em português, inglês, espanhol, holandês e outros que eu poderia inventar e sair batendo o pé, fiquei com a segunda opção. E expressar toda a minha insatisfação.

Rodei de um lado para o outro. Em um ataque de insanidade, cheguei até a sair do ginásio e ir ao Pão de Açúcar mais próximo (na Brigadeiro, a 400m do local) para ver se achava um adaptador para plugar o laptop na cabine de imprensa. Obviamente, o grupo do Abílio não vendia adaptadores.

De volta ao Ibirapuera, comecei a aporrinhar todos os assessores. Embora tenha me queimado com todos eles, consegui às 19h13 uma tomadinha que me deixaria ligar o laptop na rede elétrica. Com muita ajuda do Seu Jairo, da Jovem Pan, consegui improvisar o meu local de trabalho nesta noite de quinta-feira. Com direito até a uma escadinha encontrada no banheiro servindo de cadeira.

E enquanto o mundo do tênis festeja a realização de um evento como o Grand Champions Brasil (ênfase no Brasil, de acordo com a trupe de comentaristas), um estagiário tenta, inutilmente, revelar as histórias de bastidores. Ah, besteira!

Obs: Atualizado aqui, em 27/11.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O melhor da festa

São poucos os momentos vividos no passado que eu guardo até hoje na minha memória, ligeiramente debilitada com o tempo. Uma das melhores lembranças que tenho até hoje, no entanto, me remete a uma festa de uma amiga de uma amiga minha do colégio.

Tinha 13 anos naquele mês de maio, se não me engano. E foi naquela noite de sábado que aprendi a lição mais importante da minha vida.

Não, não foi naquela festa que conheci a garota da minha vida. Também não foi lá que dei meu primeiro beijo, que vi meu xaveco dar certo ou coisa do tipo. E não foi lá que tomei meu primeiro gole de álcool.

Na verdade, a coisa mais sábia que aprendi até hoje veio depois da festa, quando já estava de volta no carro com a minha mãe. Como de praxe, ela perguntou como tinha sido a festa e eu, sem fugir do protocolo, respondi com um “ah, legal” bem xoxo.

“Você parecia estar mais empolgado hoje à tarde, antes de sair de casa”, ela disse. Concordei e, em seguida, ouvi a coisa mais profunda até hoje. “Sabe, filho, o melhor da festa é esperar por ela”. Claro que no momento não percebi que isso pautaria a minha vida nos próximos anos e, provavelmente, nas próximas décadas.

Nas últimas duas semanas, por exemplo, contava os dias esperando o dia da entrega do último trabalho da faculdade. Fiz todas as leituras ‘obrigatórias’, resenhas, reportagens e apresentações com apenas um pensamento: ‘menos um. Tá acabando, tá acabando’.

Quarta-feira passada, entreguei o último trabalho. A sensação de alívio e libertação que vivi naquele e nos dois dias seguintes são praticamente indescritíveis. Pensar que não teria mais que passar 3h30 diárias dentro de uma sala pequena e quente vendo muitas aulas que beiravam o insuportável era algo sensacional. Afinal, era aquilo que eu mais esperava desde fevereiro, quando as aulas começaram.

Até que hoje cheguei em casa às 14 horas depois do trabalho e, momentos depois, me peguei riscando uma caixa de fósforos. Assim, compulsivamente. Riscava o palito, esperava a chama consumir uma parte considerável da madeira, apagava, jogava-o no lixo e acendia outro... foi a minha diversão durante alguns momentos. Notei enfim que, assim como nas festas, o melhor das férias é esperar por elas.

Foi quando, mais uma vez, lembrei daquela conversa no carro com a minha mãe. Talvez ela não saiba, mas aquela frase construiu grande parte da minha personalidade e influenciou uma série de atitudes que eu tomei ao longo dos últimos seis anos.

Muito mais importante do que os ensinamentos de, por exemplo, não falar palavrões, não mastigar de boca aberta, falar obrigado ou respeitar os mais velhos.

domingo, 18 de novembro de 2007

Recepção do 12

Era o segundo domingo consecutivo em que eu trabalharia. Não bastasse isso, era também o segundo domingo consecutivo em que eu acordava às 4h45 da manhã e iniciaria o meu trabalho antes de o sol nascer.

Não preciso dizer que acordei como um zumbi, fui peguei o metrô ainda mais sonolento e andei pela Paulista ainda meio grogue. E foi só quando eu cheguei à recepção do prédio da fundação que eu acordei de vez. O motivo? Um papo com o porteiro.

A recepção do prédio mais famoso da Paulista estava uma zona, com os porteiros-seguranças recebendo as entregas dos vários jornais que os vários setores da FCL assinam. Me dirigi ao homem de preto mais próximo e, automaticamente, lancei um “Opa, tudo bom? Vê a chave da recepção do 12, por favor?”. Em outras palavras, eu precisava da chave pra abrir a redação, localizada no 12º andar. Não é difícil.

O porteiro olhou para mim com cara de espanto. Muito espanto. E pediu para eu repetir. “A chave da recepção do 12”, obedeci. Se antes ele achava que não tinha entendido direito, desta vez a suspeita fora confirmada. E não restou a ele fazer a pergunta mais óbvia naquele momento para ganhar tempo. “A chave? Pra quê?”. Respirei fundo e expliquei educadamente (eu acho): “Pra abrir a redação, que tá trancada”.

O truque de ganhar tempo não havia funcionado para ele. Sem saber o que responder para um cara ainda meio sonâmbulo que pedia uma chave, restou ao porteiro repetir as minhas palavras. “A chave... do 12... que 12?”. “O 12º andar”, expliquei. “Ah, a chave... da sala 12!”. Corrigi: “Isso, a chave... mas do 12º andar”. “Hum... chave... chave... chave do 12, né?”

Não pensei que poderia ser um porteiro novo: já o havia visto outros dias. Foi então em que eu achei que tudo poderia ser armado. O Serginho Mallandro poderia ter sido contratado novamente pela Gazeta e iniciado a gravação das pegadinhas com os próprios funcionários de empresa.

Ou então (e o mais provável), a Carol, também escalada para madrugar no domingo, tinha chegado antes de mim, tomado posse da chave e o porteiro apenas me achou com cara idiota e decidiu curtir um pouco comigo. Até porque aquela cara de espanto dele não poderia ser tão anormal apenas por causa de uma chave. Claro, tava combinado!

Mas essa minha teoria foi por água abaixo quando meu sorriso meio impaciente que queria dizer “já saquei a piada” não foi correspondido pelo porteiro, que me perguntou: “E por que você não tá com a chave?”. Evitei a resposta e apenas indiquei. “Olha, naquela caixinha costumam ficar as chaves... não tem nada lá não?”

Ao pegar a caixa de madeira com várias chaves, o porteiro se sentiu aliviado. Deu para ver no olhar dele. Até que ele sacou a primeira chave e leu na placa metálica. “Porta dos fundos, 12º... é essa, né?”. “Humm... não, essa é outra. Eu queria a da recepção”. Ele sacou outra chave. “E essa daqui, com o nome desse cara? Serve?”. “Também não. Esse é o chefe geral e essa deve ser a chave dele. Olha, mas se a da recepção não tiver aí, serve a dos fundos mesmo, vai”.

Para a minha sorte, a famigerada recepção do 12 estava lá. Bastava apenas assinar o livro de controle e pronto, estava livre. Ou não.

“Assina aqui, por favor. Qual o seu nome?”. “Felipe”, respondi. “Hum... Felipe... Felipe Massa?”. “Eh, quase isso. Talvez um dia, quem sabe?”, brinquei. E o porteiro entrou no clima. “Já pensou se você fosse o Felipe Massa? Aposto que não ia ter que vir trabalhar de domingo e ainda tão cedo”, filosofou.

Coloquei a caneta no papel para assinar e, escrevi Felipe, ainda pensando o que eu não estaria perdendo se fosse um piloto de Fórmula 1. Ao terminar meu primeiro nome, escrevi o M e parei. “Ué, não tem M na minha assinatura. Puts, eu não tenho M em nenhum sobrenome”, pensei, antes de falar para o porteiro. “Olha aí! Você falou tanto que eu quase escrevi Felipe Massa aqui!”, brinquei, já rindo.

O porteiro, antes na defensiva, conseguiu o que queria e me lançou um olhar triunfante. Se pudesse, tenho certeza de que ele falaria “Eu posso não saber o que é a recepção do 12, mas pelo menos não esqueço meu nome”.

sábado, 17 de novembro de 2007

Improbabilidades possíveis

Andar de metrô todos os dias nos últimos oito anos fez com que eu tivesse inconscientemente a sensação de que posso encontrar alguém conhecido a qualquer momento. Tanto que, sempre que estou desacompanhado, mantenho meus olhos atentos para um possível encontro.

E tudo isso não deixa de ser uma grande besteira. Por quê? Bom, para isso vão ser necessárias algumas contas. Vamos lá?

São Paulo tem 10,8 milhões de habitantes, sendo que cerca de 1.936.141 pegam o metrô diariamente. Destas, ‘apenas’ 324 mil freqüentam as mesmas estações que eu. Por dia. E digamos que meu senso comum contenha, sei lá, 500 pessoas.

As plaquinhas nas estações também dizem que o tempo máximo de espera por um trem na plataforma é de três minutos. Logo, temos 20 trens por hora. E se o horário de funcionamento do transporte público subterrâneo é de aproximadamente 20 horas, temos que, por dia, são 400 trens fazendo a viajem em um sentido. Como são dois os sentidos (o que vai e o que volta), temos 800. E eu, ultimamente, tenho pegado quatro deles (indo e voltando duas vezes, é bom citar).

Agora, as contas propriamente ditas; a começar por uma regra de três para supor quantas pessoas do meu campo de conhecimento, teoricamente, freqüentam as mesmas estações que eu. 324 mil estão para 10,8 milhões assim como x está para 500. Depois de muito quebrar a cabeça, cheguei à conclusão de que x = 0,000015.

Agora... se aproximadamente 0,000015 passam pelas mesmas estações que eu diariamente, quais as chances de encontrá-las? 0,000015: 800 (trens) = 0,00000001875. Calma, o número não pode ser tão baixo assim... quer dizer, como ultimamente eu tenho feito quatro viagens por dia, multipliquemos essa cacetada de zeros por quatro. 0,00000001875 x 4 = 0,000000075.

Ah, outra coisa que eu acabei de lembrar. Um trem tem seis vagões. Dividindo esse número mínimo por seis...0,0000000125? E por mais 500, que é o tamanho do meu ciclo social, 0,00000000025... Multiplicando por 100 para ter números percentuais, chegamos a 0,0000000025%. Ou seja, uma chance praticamente nula de eu encontrar uma determinada pessoa.

Ok. Apesar de a matemática jogar contra, nutro tal expectativa com certa veemência. E tenho até divido essa possibilidade de encontro em seis grupos: 1. pessoas que eu evito; 2, pessoas que eu não gostaria de encontrar; 3. pessoas com quem tanto faz me encontrar ou não; 4. pessoas que eu gostaria de encontrar; 5. pessoas com quem seria muito divertido de se encontrar e, por fim; 6. pessoa por quem (há pouco mais de um ano) nutro um desejo incontrolável de um encontro (algo que, aliás, nunca aconteceu).

Esses encontros são capazes de mudar o meu ânimo para o restante do dia. Se encontro certas componentes do grupo 3 ou então pessoas dos grupos 4 ou 5, costumo ter um dia mais agradável. Do 1 e do 2, além de alguns do 3, fazem com que meu dia não seja tão bom.

E foi o que aconteceu hoje: voltando da Gazeta, tive a sensação de que encontraria alguém, embora meu pensamento estivesse absorto na construção da notícia da Masters Cup de tênis, cuja final acontece amanhã (bem) de manhã.

Enquanto esperava o metrô na plataforma, imaginava algumas coisas para o iminente tetracampeonato do Federer e o Green Album tocava nos meus ouvidos. O trem chegou, abriu as portas e eu, ainda com as mãos nos bolsos, tive meu olhar, antes errante, desviado para uma garota com um piercing de argola no nariz (meu confesso ponto fraco).

Depois de perceber o piercing de argola no nariz, olhei para o restante do rosto da garota. Cabelos, olhos, bochechas, lábios... humm, conhecia aquele rosto. Droga. Uma antiga, frustrada e conturbada paixão platônica colegial. Grupo 1. Talvez até menos, se houvesse designação possível.

Nossos olhares, que se cruzaram por instantes de segundo, refletiram toda a nossa decepção. Ambos sabíamos que a chance de nos encontrarmos era de apenas 0,0000000025%.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Teste de fidelidade

A primeira lembrança que eu tenho de um corte de cabelo data dos primeiros anos da década de 1990. Se bem me lembro, ainda nem estava na escola. Deveria ser 1991, não sei.

Se não sei a data com exatidão, compenso em alguns detalhes do lugar. A começar pela dificuldade de a minha mãe achar uma vaga da rua. Logo depois de entrar, subia uma escadinha de uns quatro ou cinco degraus e me deparava com uma das coisas mais legais da minha infância: um viveiro bem grade, repleto de papagaios, agapornis e outros parentes dos papagaios.

Não percebia o tempo passar. Apenas ficava olhando as aves coloridas voarem de um lado para o outro. Mas então chegava a minha vez e me dirigia ao salão. A cadeira, na verdade, tinha um formato de carrinho, com um volante. Apesar de desde pequeno eu não ser fãs de carros, adorava.

Mas não demorou muito, meus pais descobriram um lugar perto de casa. Era a uns três ou quatro quarteirões de casa, em uma ladeira logo depois do metrô. Chamava Ditinho, nome do proprietário, que cortava cabelos na última cadeira do salão. O meu barbeiro oficial, no entanto, era o Jorge, da cadeira do meio. À esquerda ainda tinha o Calado.

Passei grande parte da minha infância cortando cabelo no Ditinho. Lá tive uma das minhas maiores surpresas ao ver que o Calado, que sempre cortava o cabelo do meu tio, não era mudo: ele falava. E embora o Jorge sempre cortasse o meu cabelo, o Ditinho, um velhinho baixinho, de bigodinho e quase careca, dizia que me considerava quase um neto. Dizia que eu era um menino especial, de uma inteligência extraordinária, que se daria muito bem na vida.

Nunca acreditei no Ditinho até o dia em que ele pediu para que a minha mãe, grávida, estendesse a mão para ele. Ele sacou um pingente do bolso e, estranhamente, o objeto começou a girar, girar e girar... “Vai ser um menino”, disse. E meses depois nasceu o meu irmão.

Anos depois o Jorge e o Calado deixaram o salão, e comecei a cortar meu cabelo com o Ditinho. Até que um dia, não sei por que, comecei a ir em outro lugar. Se não me engano, dos meus 8 a 12 anos cortei o cabelo em outro salão, em um lugar onde não me sentia à vontade. Embora fosse dois quarteirões depois do Ditinho, sentia que era uma das viagens mais longas. Resumindo: não suportava cortar o cabelo.

Até que um dia voltei ao Ditinho. Não consegui mais chamá-lo de Ditinho, mas de Seu Dito. Mesmo assim, passei a cortar o cabelo com mais freqüência e... com mais alegria, para falar a verdade.

Apesar do meu retorno ao velho reduto, por volta dos 15, 16 e 17 anos dividia o meu corte de cabelo entre o Ditinho e um ou outros dois salões, que cobravam um pouco menos do que os R$ 10 que eram de praxe com o Seu Dito e que tinham barbeiros que cortavam meu cabelo mais curto do que o Seu Dito, que sempre se mostrou assustado com a possibilidade de cortar demais e deixar a minha cabeleira ficar espetada.

Sempre que cortava o cabelo em um outro salão e depois voltava ao Ditinho, me sentia relativamente mal. Não contava para ele que tinha feito o corte em outro lugar, mas ele sempre comentava: “ih, a última pessoa que cortou seu cabelo cortou muito curto, né?”. Ficava sem graça e sempre inventava uma desculpa: “Eu tava viajando e meu cabelo começou a me incomodar. Tive que cortar e aí fizeram isso”.

Era muito ruim a sensação de trair o barbeiro que me conhecia desde pequeno. Até que um dia tomei vergonha na cara e assumir essa relação monocapilar, com apenas um barbeiro. E ele, apesar dos 81 anos, diz que uma das melhores sensações que teve foi o de passar a máquina zero no meu cabelo no dia depois do trote da Cásper.

E até hoje mantenho minha lealdade ao Seu Dito. O velhinho simpático, que até hoje fala que eu sou um garoto com um futuro brilhante pela frente, que não cobra extra por fazer a minha barba, que sempre me reserva um calendário do Palmeiras a cada fim de ano e que diz me considerar um neto.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Descontrole

Quando eu atingi o ápice do meu cansaço mental com estresse combinado na noite de quarta-feira, fiquei tranqüilo ao pensar que já eram 21 horas e que, dentro em breve, seria um novo dia e as coisas tenderiam a melhorar.

Só que quando eu atingi o ápice do meu cansaço mental com estresse combinado na noite de quarta-feira, não sabia que iria acordar atrasado na quinta-feira. E que o dia promissor, bom... não seria tão bom assim.

Tudo começou quando a quarta-feira terminou. Eram 3h30 quando eu me deitei e, ao colocar a cabeça no travesseiro, me dei conta de que teria apenas 2h30 de sono até o despertador tocar. “Puts, e será que eu agüento?”, pensei. “Claro que sim. Fiz isso nos últimos 11 dias, não seria agora que daria errado”, respondi, antes de cair no sono.

O despertador soou pela primeira vez às 6h07. Ainda cambaleando, levantei, apertei o snooze e me recoloquei sob os cobertores para mais nove minutos de sono. Só que, quando abri os olhos novamente, estava mais descansado. Levantei a cabeça, olhei no visor eletrônico do rádio-relógio e vi que o aparelho marcava 49 minutos. “Puuta merda, me atrasei. Mas tudo bem, 6h49 ainda dá tempo de fazer a barba, tomar banho, pentear o cabelo, escovar os dentes e chegar antes das 8 horas na redação”, calculei.

Antes de levantar da cama, porém, ouvi o locutor da Jovem Pan anunciar a hora exata. “Agora são 7h49”. “Repita”. “Sete e quarenta e nove”. Sete e quarenta e nove? Puuuta que pariu, que merda!

Risquei da lista de afazeres a barba, o banho, o cabelo, os dentes... apenas abri o armário, peguei as primeiras calça e blusa que vieram à mão e vesti. Passando pelo espelho da sala, vi um cara com uma barba de duas semanas ao longo do rosto, barba de três dias do pescoço, ao cabelo despenteado. Tudo isso combinado à roupa escolhida a esmo, a única coisa que consegui dizer foi “Puta que pariu, que cara de louco!”. Mas não havia tempo para muita coisa.

Foi descendo as escadas do prédio que me lembrei de que havia esquecido de colocar um livro na mochila. No entanto, logo em seguida veio à cabeça que era dia da coluna do Veríssimo no Estado e... bom, se não tem livro, vou lendo o jornal mesmo no metrô.

Parei na guarita do condomínio e falei automaticamente a frase de sempre. “Opa, bom dia. O Estado do 1013”. O porteiro, depois de um minuto de busca, respondeu: “Olha, a assinatura do 1013 foi cancelada”. “Como assim? Não tem nem uma semana que eu comecei a assinar”, expliquei, elevando o tom da voz automaticamente. “Tá aqui, ó. Cancelada”, respondeu, mostrando um papel.

Atrasado, não tive tempo de discutir. Agradeci, abri a porta da rua e veio à minha cabeça mandar um “Vaitomarnocufilhadapuuuuta” ao periódico que, do nada, havia cancelado a minha assinatura. Ao ver que as pessoas em volta olhavam para mim com cara feia, percebi que não tinha apenas pensado, mas também gritado.

Bom... chovia e eu estava atrasado. Não tardou muito para eu perceber que eu deveria começar a correr. Antes de pensar se eu deveria ou não iniciar a disparada, já estava correndo velozmente em direção ao metrô. Ao mesmo tempo, percebi que, se a barreira entre consciente e incosciente é desfeita durante o sono, quando se perde a hora demora um pouco mais para que tudo seja reestabelecido.

Besteiras à parte, acabou que eu bati o cartão às 8h38. Nada mal para quem tinha transformado um atraso de 1h42 em apenas 38 minutos. A primeira coisa que eu fiz ao chegar à redação foi ligar para a central do assinante do Estado. Depois de muito monólogo do atendimento automático, fui transferido a uma atendente com voz de verdade.

“Olha, senhor... consta aqui que a assinatura foi cancelada porque o nosso controle de qualidade ligou para a sua casa ontem e ninguém atendeu. Por motivo de segurança, decidimos cancelar a assinatura”.

Não adiantou eu dizer que não estava em casa porque estava trabalhando justamente para pagar a assinatura. No entanto, ela pediu meu CPF para reativar a entrega. Percebi que meu dia não seria dos melhores quando esqueci o número do meu CPF e só fui lembrar depois de algumas dezenas de segundos. E, quando ela pediu o número do meu celular, tive que pensar durante uns cinco segundos para responder.

A atendente, que não se desculpou pela falha da empresa, prometeu que o jornal seria entregue dentro de três horas, no máximo, na portaria do prédio da Gazeta. Não preciso dizer que, quando saí do prédio às 14 horas, não havia periódico algum. E o atendimento ao cliente já havia encerrado o expediente. Maravilha.

A tônica do meu dia não foi muito melhor fora do trabalho, para falar a verdade. Mas... agora há pouco, lembrei que hoje é 15 de novembro. E também lembrei que, desde pequeno, os feriados de 15 de novembro são os piores do ano para mim. Algo tão inerente como a chuva no Dia de Finados.

Quer saber? A vida é estranhamente sensata...

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Febre

Alguns meses atrás, preparei um post cujo final não me senti à vontade para escrever naquele momento. Deixei o arquivo encostado para algum período de vacas magras e acabei esquecendo o probrezinho nas profundezas do meu pendrive improvisado. Mas recentemente me lembrei daquelas palavras e senti que a hora de publicá-lo era esta. Só que acabei não o encontrando mais. Melhor.

Lembro que minhas primeiras palavras eram “Se o Pink e o Cérebro não conseguiram conquistar o mundo foi porque não tiveram a idéia de lançar um jornal gratuito”. Por quê? Bom... achei que tinha chegado a essa conclusão por causa da febre e da acirradíssima rivalidade entre o Destak e o Publimetro, que polarizavam a distribuição nos semáforos das principais avenidas de São Paulo.

Tudo isso começou quase ao mesmo tempo em que iniciei minha jornada matutina na Gazeta. Logo no metrô Jabaquara, via cerca de 90% dos passageiros munidos de um Destak. O tablóide de raízes lusitanas era rapidamente devorado e algumas de suas notícias invariavelmente eram comentadas ainda dentro do vagão do trem. Isso começou a me assustar um pouco.

Mas foi na Avenida Paulista que talvez por pouco não tenha rolado uma guerra. Vendo o sucesso do Destak, o Metrô decidiu aumentar a tiragem do Metronews, que há tempos era distribuído em quase todas as estações, mas que nunca chegou a cair no gosto do leitor. A destakmania, porém, fez com que o pequeno diário voltasse à ativa.

Em junho, no entanto, o capítulo mais notável foi escrito. De um dia para o outro, brotaram garotas vestidas de um verde marca-texto distribuindo um outro tablóide: o Publimetro, originado na Suécia, mas no Brasil vinculado ao grupo Saad – o mesmo da Bandeirantes.

Com uma diagramação diferente e uma impressão muito próxima da perfeição, o Publimetro praticamente matou o Metronews e passou a ganhar parte do público do Destak com uma tática infalível: quando os semáforos da Paulista ou de suas alamedas fechava, um batalhão de vaga-lumes distribuía um exemplar.

Batata: sucesso na certa. E não era para menos. E na própria redação ouvia vários elogios ao jornalzinho dos Saad, que aliás eram clientes de foto e texto da Gazeta Press.

Vendo isso o Destak não ficou para trás. Comprou uniformes de um tom vermelho-florescente, carrinhos iguais ao do Publimetro e também passou a fazer a distribuição nos semáforos. Tinha dias em que ia trabalhar de manhã e via uma disputa luminosa ao longo de toda a Paulista. Era até engraçado. Mas, no fundo, me perguntava uma coisa: será que a moda ia pegar mesmo, e os jornais gratuitos substituiriam os da banca?

Tive a resposta para essa pergunta em setembro, quando o editor-chefe do Destak (um jornalista cujo nome eu esqueci) realizou uma palestra na Cásper e, para o terror do coordenador do curso e para os universitários mais inocentes, quase me convenceu de que o Destak era a oitava maravilha do mundo. Por quê? A tiragem era enorme, o ganho com publicidade mais ainda, a circulação de um exemplar era muito maior do que as de Estado e Folha, por exemplo, e que uma boa fatia da sociedade paulistana estava migrando para os novos impressos... e o melhor: o formato tablóide, muito mais prático do que o standard.

De fato o formato tablóide é algo relevante. Leitor assíduo do Lance! na sétima série, tinha muito mais facilidade para me organizar no metrô. Prova mais concreta disso hoje em dia é testemunhada por centenas de pessoas diariamente, que devem até achar engraçado a luta atrapalhava que eu travo com o Estado todos os dias dentro de um metrô no horário do rush.

Só que... é tudo? Comecei a ver que as publicações gratuitas não eram tão boas assim na mesma palestra. Primeiro, perguntaram para o editor do Destak como era feita a apuração pela reportagem do jornal. A resposta, que eu já intuía, foi simples: as notas eram chupadas de outras mídias. Matérias in loco? “Não, eh.. .veja bem...”. Estava respondido.

E, ao mesmo tempo, todos os dados apresentados pelo experiente jornalista se tornaram irrelevantes para mim. Será que o Destak de fato tinha todo aquele número de leitores ou eles achavam que todos que pegavam o jornal no semáforo eram clientes assíduos da publicação? E também... é muito fácil dizer que você despacha 100 mil exemplares diariamente sendo que você não os vende.

A prova real foi tirada em uma segunda-feira de manhã, quando peguei um Publimetro pela manhã: as notícias não passavam de simples notinhas de, no máximo, dois parágrafos (geralmente o lide e uma aspa). Profundidade? Humm...

Ao mesmo tempo em que percebi que os jornais gratuitos não eram tão perfeitos assim, comecei a trabalhar à tarde e perdi os rituais da distribuição dos tablóides. Nas últimas semanas, com meu retorno ao expediente matutino, percebi que não havia mais disputa. O Destak acumulava nas mãos das distribuidoras de calçada. Na avenida, era raro ver alguém entregando nos carros. E o Publimetro? O Publimetro tinha desaparecido?

Achei que o tablóide Saad tinha desaparecido como muitos outros. Até hoje, quando, coincidentemente, recebi um exemplar. Fazendo uma rápida comparação entre os destaques do Estado e do Publimetro, bom... para se ter uma idéia, o gratuito tinha como uma das manchetes “Tropa de Elite é o filme nacional mais visto do ano”. Humm... tá. E a notícia, cadê? Dentro das páginas, outra coisa: o conteúdo, que já era pouco, perdeu ainda mais espaço para os anúncios publicitários.

Passei o dia tentando refletir sobre o caso e percebi o quão enganado estava ao imaginar que os jornais gratuitos eram o segredo para se conquistar o mundo. O fenômeno dos tablóides for free não passou de uma febre passageira que não durou nem um ano. Talvez por isso o Pink e o Cérebro sequer tenham pensado em tentar tal plano infalível.


Se você perdeu todo esse tempo, leu tudo isso e, assim como seu, sentiu que esse texto não tem conteúdo algum, confira a opinião do André. Menos crítica, mas muito mais embasada do que a minha.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Sabatina

Algumas pessoas dizem que eu me entrego demais ao trabalho. Que valorizo muito mais o emprego do que a minha vida social. Que perco horas do meu escasso sono vendo algum jogo da NBA ou da Copa do Mundo de vôlei até altas horas da madrugada para colocar o relato no ar com mais informações do que apenas acompanhando os resultados em outro site. Que deixo de sair nas madrugadas de sábado para domingo nos finais de semana em que sou escalado, sendo que poderia muito bem emendar a madrugada ou ir de ressaca para a redação.

Não discordo de nenhuma dessas pessoas: às vezes até eu mesmo acho que me preocupo em demasia com coisas relativamente bestas. Mas poucas pessoas sabem o quanto de experiências fascinantes eu vivo durante o expediente.

Apenas para enumerar algumas coisas: andar de Mercedes com um bicampeão de Fórmula 1, ver o Corinthians perder para o Sport em pleno Pacaembu, conversar com uma capa da Playboy, pegar a estrada em uma quinta-feira de manhã... mas foi no último sábado que, talvez, tenha vivido uma das coisas mais inusitadas e prazerosas.

Cheguei ao número 900 da Paulista às 6h40 e iniciei minhas tarefas minutos mais tarde, depois de abrir a redação, ligar o quadro de luz e esperar meu computador – lerdo e barulhento, porém meu xodó – embalar de vez. Como ficaria sozinho na redação até 10 horas, aproveitei para descalçar os tênis e ficar apenas de meia. E puxei a cadeira do lado, estiquei as pernas... ah, a liberdade solitária!

Tinha que fazer o relato de Brasil x Coréia do Sul pela Copa do Mundo feminina de vôlei, e dediquei toda a minha atenção para Paula Pequeno, Sheilla e cia. limitada.

Não percebi quando a Globo encerrou a transmissão da partida e começou a passar um outro programa. Concentrado nos resultados da NBA, tive a atenção desviada apenas por uma voz praticamente indecifrável, mas inconfundível, e que me remeteu a um dos melhores momentos da minha infância.

Enquanto o Pato Donald fazia suas palhaçadas na televisão com os esquilinhos Tico e Teco, percebi que lá fora caía uma chuva até que bastante forte. Foi quando o cenário de redação praticamente desapareceu e eu me vi com cinco ou seis anos, às 9 horas de uma manhã fria logo após acordar, deitado no sofá da sala de casa vendo desenhos de Mickey, Pateta e Pato Donald.

No mesmo instante senti falta de algo fundamental para uma fria manhã sabatina com os clássicos desenhos animados do Walt Disney: uma bebida quente. Entre o leite com chocolate feito pela a minha mãe que beira a perfeição e o café grande com gosto de água suja do Monet, fiquei com a segunda (e única) opção.

Decidi, então, pegar o elevador, descer nove andares e comprar o café, que, apesar de horrível, poderia fazer aquele momento ser ainda melhor. Depois de pegar a tradicional fila causada sobretudo pela, digamos, incompetente atendente de caixa, peguei a bebida e voltei para o 12º andar.

Mas assim que cheguei novamente à redação, olhei pela janela e a chuva já tinha parado. Até um sol se arriscava timidamente entre as nuvens. Só que o pior de tudo foi ver que já não passava mais o Pato Donald na Globo, mas sim algum dos desenhos japoneses que a emissora insiste em passar diariamente. Confesso que foi uma decepção bem grande.

A lição que ficou disso tudo? Trabalhar sábado de manhã pode não ser a melhor coisa do mundo, mas proporciona coisas inesperadas. E o mais importante: forçar algo inesperado para se tornar próximo ao perfeito é um risco, que pode custar o fim do acontecimento.

domingo, 11 de novembro de 2007

Pesadelos

A natureza, meu amigo, é fria. Fria e calculista. A tal ponto de não parecer natural.

Faz algum tempo tive um sonho. Um pesadelo, talvez. Nele, eu era escalado para trabalhar aos domingos, do final da madrugada ao início da manhã. E deveria sair de casa antes mesmo de o sol nascer.

Lembro que acordei no horário certo. Tomei banho, tomei alguns copos de café, comi um pão de fôrma passado na torradeira. Tomei mais um pouco de café e saí de casa.

Ao abrir o armário para pegar a roupa, apenas duas peças estavam disponíveis. Uma calça preta e uma camiseta, também preta. Entre elas e nada, elas. Melhor que nada.

Quando o carro saiu da garagem, uma gota d’água caiu do céu com um peso tão grande que não parecia ser de água, dado o barulho que fez quando se chocou com a lataria do carro. Talvez tenha até amassado o capô. Estranho. O céu estava escuro, era noite... mas não havia prenúncio de chuva.

Além disso, as ruas, sempre abarrotadas e engarrafadas, estavam livres. Não havia um outro carro sequer saindo de casa. Ninguém se atreveria. E as avenidas, assim, não pareciam avenidas. Pareciam longos tapetes de concreto estendidos em um dia sombrio.

A atenção à direção foi interrompida com um ruído. Um arrepio atravessou a espinha no mesmo ritmo cadenciado que o vibracall do celular no bolso. O alô tradicional, um pouco desconfiado, é respondido por uma voz trêmula.

Depois da saudação automatizada, a única coisa que se poderia responder àquele tipo de chamada é ‘fica calma, tô indo praí agora’. E, no exato momento em que a ligação é encerrada, uma tromba d’água caiu na rua. Uma chuva nunca dantes vista. Uma chuva que já era anunciada.

O volume da água era grande. Além de repentina, não parecia ser natural.

Aliás, não era natural. Passado o choque da ligação, os pingos rarearam, afinaram e pararam. O sol apareceu, as pessoas saíram à rua e as calçadas não tinha indício algum de água.

sábado, 10 de novembro de 2007

Chuva torrencial

Um velho ditado escandinavo diz que pessoas de caminhos opostos, quando se cruzam e descruzam em seguida, tornam-se opostas ao que eram antes do encontro.

Mas aquele cara nunca gostou de provérbios. Nem dos chineses, que estão na moda, e muito menos dos escandinavos, que ninguém conhecia. E, certamente, ele não pensou em nenhum adágio (nem o da cigarra e das formiguinhas) quando fugiu da repartição 40 minutos antes do término de seu expediente naquela tarde quente de dezembro.

E também posso apostar o quanto quiserem que ele sequer cogitou a hipótese de imaginar em um aforismo quando, ao dobrar a esquina, o sol se esvaiu e uma nuvem pesada e negra tomou conta do céu.

Apesar da tempestade torrencial iminente, preferiu voltar para casa a retornar ao trabalho. Petulante, tentou até andar mais rápido do que a aproximação da chuva. Quase conseguiu, mas a alguns quarteirões de sua casa, foi surpreendido por uma tromba d’água, no mínimo, aterrorizante.

Instantes depois de amaldiçoar a si mesmo por não ter consigo um guarda-chuva qualquer, tomou uma atitude precipitada. Ao atravessar a rua, enfiou-se sob uma sombrinha alheia, que servia de abrigo para uma mulher que se preparava para atravessar a avenida.

Sabia que a sua nova parceira de guarda-chuva olharia feio ao notar a estranha e inesperada companhia. Agiu então com naturalidade e cinismo, como se fosse normal se enfiar sob um guarda-chuva alheio, decidiu não retribuir a repreensão visual. Mas não foi bem isso o que aconteceu.

“Além de não me falar tchau da última vez, não vai nem pedir licença?”, reclamou a conhecida voz feminina que partia de sua esquerda.

“Ah, tá brincando!? Nossa, quanto tempo!”, surpreendeu-se, com um sorriso brotando no rosto molhado.

“Tanto que eu nem lembro mais quanto. E aposto que você também não. Você nunca se lembrava e nem se importava com nada!”, censurou a mulher.

“Eh... desculpa, eu também não lembro. Pra falar a verdade, estava pensando nisso hoje de manhã e fiquei confuso. Não sei se faz cinco anos, dez meses e 28 dias ou se cinco anos, dez meses e 29 dias”, lamentou.

“Como assim, você se lembra? Aposto que está inventado! Você sempre inventava historias...”

“Não, não. É verdade. Não foi em fevereiro que a gente terminou...”

“Você terminou, lembra? Ou você se esqueceu desse detalhe?”, ironizou a garota.

“Desculpe. Não foi em janeiro que eu terminei com você? Então... mas agora eu não lembro se aquele domingo era dia 16 ou 17. E... bom, como hoje é dia 15 de dezembro... E também tem que eu sempre confundo as contas quando tem um ano bissexto no meio”

“Me estranha você se lembrar de uma data como essa. Você nunca se importou com nada. E, pra falar a verdade, aposto que ainda não se importa”.

“Não é bem assim. Você pode não acreditar, mas eu mudei um bocado nesses últimos cinco anos, dez meses e 28 ou 29 dias”

“Aposto que não. Por exemplo, tenho certeza de que você não sabe que dia foi o nosso primeiro beijo”.

“10 de março, né?”.

“Hmm... é. Mas e daí? E o dia do meu aniversário, você lembra?”, inquiriu a mulher.

Silêncio.

“Tá vendo? Sabia, você não mudou!”, exclamou vitoriosa.

Andaram mais alguns passos em silêncio sob o guarda-chuva até que ele parou. Ela, assustada, também. E ele começou a falar com o mesmo orgulho que teria se tivesse descoberto a teoria da relatividade.

“Sabe quando foi a última vez que a gente pegou chuva?”, perguntou.

Mais um silêncio.

“Foi quando eu te pedi em namoro. E isso foi em 23 de maio”.

“Grande coisa. Mas do número do meu apartamento você não deve se lembrar também!”

“Não. Mas lembro que a escada de emergência onde você me escondeu quando seu pai chegou mais cedo em casa em uma sexta à tarde tinha 18 degraus”.

Pela primeira vez na conversa ela riu. E ele aproveitou o momento para dar mais uma prova de que era um novo homem. E de uma forma, no mínimo, inesperada.

“Lembra essa casa vermelha, que na época era amarela?”

“Esse puteiro, você quer dizer?”, corrigiu a mulher.

“Eh... é, digamos que sim. Você sabe que ele é bem especial pra mim, né?”

“Aham, você me disse. Foi nele que você perdeu a virgindade, com 13 anos de idade”, respondeu, meio entediada.

“Não, era mentira. Eu perdi minha virgindade com você, e com 16 anos. Mas é que foi na frente dele que...”

Foi na frente dele que os dois ex-namorados mataram as saudades. Cinco anos, dez meses e 28 (ou 29?) dias depois.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

O lado iluminado

A vida passa rápido de verdade. Muito mesmo, pra falar a verdade. Tanto que hoje já não sei se faz dias, semanas, meses ou até mesmo alguns anos que conheci uma amiga.

Era uma garota especial. Por mais que não conversássemos todos os dias, era bom estar perto dela. Ela me passava confiança, me fazia prestar mais atenção em algumas coisas antes corriqueiras... enfim. Era uma menina diferenciada.

Nossa amizade, porém, não durou muito. Por um motivo que não vem ao caso agora, ela teve que se mudar para muito, muito longe. Para um lugar que também não vem ao caso agora. Só que antes de ir me ensinou algumas coisas que eu, teimoso, relutava para ver.

Ela me fez perceber que algumas coisas na vida são ruins e poderiam muito bem enlouquecer qualquer um. Outras, por outro lado, apenas te fazem ter vontade de xingar. Mas ela me disse para que, quando eu estivesse roendo os ossos da vida, para não reclamar, mas assobiar. Segundo ela, isso ajudaria a fazer com que tudo se tornasse melhor.

Se isso não funcionasse e as coisas parecessem ter se estragado, eu é que teria me esquecido de algumas coisas, como rir, sorrir, dançar, cantar... Mas se ainda assim eu me sentisse um monte de lixo, tudo ficaria mais divertido se eu apenas assobiasse.

Com a garota aprendi que viver é algo meio absurdo, já que morrer é o fim da linha. Por outro lado, sempre que eu acordasse, deveria abrir a janela e cumprimentar o sol ou até mesmo quem estivesse passando pela rua. O que ela queria dizer é que eu deveria deixar as minhas preocupações de lado e sorrir para o mundo, pois poderia ser a minha última chance.

Caso um dia isso não fizesse sentido e eu inventasse de ter alguma tendência suicida, então eu deveria olhar também o lado bom da morte. Mas isso só quando eu estiver à beira de dar meu último suspiro. Minha amiga sabia que eu não teria coragem de tomar atitudes tão extremistas.

Minha amiga foi embora e, inevitavelmente, perdemos o contato. Não sei onde ela está e, sinceramente, não faço muita questão de procurar também. Só que, ainda assim, me lembro dela de vez em quando. Quando? Humm... quando eu acho que a vida é mesmo uma merda, reflito um pouco mais e percebo que tudo não passa de uma piada. Tudo isso não passa de um show.

E então continuo sorrindo. Nem que seja por uma besteira qualquer.


segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Flit

Alguém com um conhecimento intermediário de inglês deve saber que flit significa se mover rápida e instantaneamente de um lugar para o outro (voando, inclusive). Em países de língua bretã, pessoas desligadas e até mesmo ignorantes também são chamados de flit.

No entanto, o que a maioria das pessoas que sabem o significado de flit em inglês não tem conhecimento que a palavra, durante muitos anos, fez parte do vocabulário de grande parte da população nacional, como o principal inseticida do mercado.

Eu mesmo passei um bom tempo da minha infância convivendo com as quatro letras. Sempre que algum inseto indesejável adentrava a casa da minha avó, ela pedia para alguém pegar do Flit e dar um cabo na mosca, barata ou seja lá o que for.

Talvez minha avó soubesse a história do Flit, só que nunca pensei em perguntar. Mas andei indo atrás de algumas informações sobre o inseticida e consegui algumas informações nem um pouco relevantes.

Por exemplo. Ao longo da década de 1920, os principais hospitais do Rio de Janeiro utilizavam gases sulfurosos, obtidos por meio da queima da flor de piretro, para dedetizar os quartos de alguns pacientes. Mas como o enxofre não é a substância mais cheirosa da tabela periódica, era preciso isolar grande parte das alas para que o odor não atrapalhasse alguns pacientes.

Inevitavelmente o método utilizado se tornaria inviável. E se tornou praticamente obsoleto em 1928, quando chegou ao mercado a lata mais temida por todos os insetos: o Flit, da Esso.

Mas... peraí, lata? E como aplicava? Virava o veneno em cima do inseto? Dependendo de como for, talvez fosse mais fácil tentar esmagar o animal indesejado com o a lata, e não com o seu conteúdo...

Só que a indústria pensou nisso, e o Flit era aplicado com o auxílio de uma bomba: a famosa bomba de Flit, pai do spray e avô do aerosol. E era inconfundível: uma bomba como essa só poderia ser aplicada com o inseticida. Diferentemente das latas de spray que hoje estão no mercado.

Não sei até quando o Flit ficou no mercado, mas nunca mais ouvi falar em tal palavra desde que minha avó morreu. Para falar a verdade, nem sei se naquela época aquela bomba cor-de-laranja continha Flit ou já um dos famosos Baygon, SBP... e não sei nem se o Detefon ainda perdura nas prateleiras de supermercados.

Contudo, uma coisa que eu não esqueço é o cheiro do Flit: forte, ácido e atordoante. Deixava o ambiente inteiro e alguns cômodos vizinhos também. Hoje em dia há os inseticidas à base de água, que não poluem, não fazem mal para a família... isso sem falar naqueles que são ligados na tomada e garantem uma noite de sono tranqüila.

Resumindo: os novos inseticidas acabaram com a magia de exterminar insetos.

domingo, 4 de novembro de 2007

Florisbela

A verdade dói. Machuca. Magoa. Aflige, agonia, angustia. Arde, queima, inflama, infecciona. A verdade, caríssimo(a) leitor(a), faz sofrer.

Desde pequeno as pessoas são obrigadas a esconder a maioria das verdades. Em nome de uma vida em sociedade harmoniosa, aprendemos algumas... ahn, digamos, mentiras sociais. Ou vai falar que aquela carne com gosto de borracha que a mãe da sua namorada fez no domingo passado estava mesmo uma delícia como você disse? Ah, bom.

Não é apenas da mãe das nossas namoradas que ocultamos a verdade. Das nossas também. Não? Hum... quer dizer então que aquele dia em que cruzou a porta de casa de lado, quase realizando a dança do siri às 4 da madrugada, você não estava bêbado, como a sua mãe, preocupada, perguntou. Você estava apenas com sono, como você explicou? Ahn, bom saber.

As mentiras sociais ganharam ultimamente uma dimensão tão grande que não é apenas para os seus pais, sogros, chefes, melhores amigos e ilustres desconhecidos que você as conta. Tem horas em que você faz uso das ‘guardiãs de uma vida social’ até para você mesmo.

Duvida? Então quer dizer que aquela garota que você chama para ir ao cinema há seis meses e que sempre se esquiva com uma desculpa esdrúxula (como a morte de avós) está apenas se fazendo de difícil, mas está caidinha por você? Ah, por favor! E, além do mais, as pessoas podem ter no máximo duas avós... e não as cinco que já empacotaram, coincidentemente, na noite de sábado.

A verdade absoluta se tornou algo tão obsoleto que alguém que faz uso de tal advento é considerado antiquado, ultrapassado... e muitas vezes careta. Pessoas que são sinceras ao extremo geralmente são mal interpretadas e, curiosamente, perdem a confiança das pessoas com quem se mantém a veracidade. É estranho.

Só que ninguém percebe que uma verdade bem encaixada, em determinados momentos, satisfaz o indivíduo de tal forma que é praticamente impossível de descrever.

Quer um exemplo? Vamos lá.

Não muito tempo atrás, fui a uma festa de 15 anos. Desde os primeiros instantes em que sentei na mesa reservada, fixei meu olhar em uma garota na mesa da frente. Não deveria ser mais velha do que eu; talvez tivesse até a minha idade. Estava desacompanhada e cuidando de umas menininhas pequenas, que não ultrapassavam os oito anos de idade. Não sei se foi o vinho, mas às vezes olhava para a tal garota, e sentia que ela também me olhava. Bacana.

Festas de 15 anos são divertidamente previsíveis. Depois da cerimônia de praxe, sempre muito emocionante e divertida, todos os convidados, independentemente da idade, vão para a pista dançar YMCA, Elvis, Twist and Shout... é a tradição. Até mesmo uma garota de belos traços que cuidava, talvez, das irmãs mais novas.

Durante as músicas, pensei em dezenas de mentiras sociais para me aproximar da garota. Desde perguntar se ela era parente da debutante até fingir ser um estilista de renome com trejeitos não muito heterossexuais, elogiar o vestido dela, dar risada da abordagem bizarra e emendar uma séria de mentiras sociais. Achei melhor não.

Estava quase me arrependendo por não ter arriscado nenhuma mentira social quando peguei o paletó, coloquei no ombro e me preparei para ir embora. Impulsivamente, porém, voltei à pista, respirei fundo e me dirigi à garota. Dei um leve toque no braço dela, que se virou para mim meio sem entender o que acontecia. Ou então prevendo o que iria acontecer.

“Hum... eh... oi”, gaguejei.

“Oi!”, respondeu, de forma surpreendentemente simpática.

“Então... não me leva a mal, mas... eu já estou indo embora e... bom, eu só queria te dizer uma coisa: você é muito bonita. Muito mesmo, de verdade. Parabéns!”

Deu para ver que ela não entendeu o que estava se passando, tanto que me olhou até com um ar de espanto. “Ah, brigada. Brigada mesmo!” E deu um sorriso tão sincero que me deixou orgulhoso da minha sinceridade.

Mas a minha satisfação, de certa forma, se misturou a um pequeno arrependimento. Eu deveria ter pelo menos perguntado o nome dela.

sábado, 3 de novembro de 2007

Sapientíssima

É uma coisa lógica: quanto mais o tempo passa, mais eu envelheço (e não é nem preciso ser gênio para se chegar a tal conclusão). Quanto mais eu envelheço, mais fico confiante comigo mesmo e com algumas das minhas teorias furadas sobre o mundo. Resumindo: quanto mais o tempo passa, mais eu acho que estou por dentro das coisas.

Há dias em que a confiança é tanta que eu até resolvo desafiar a natureza. Muito embora minha mãe diga para eu levar o guarda-chuva para o trabalho porque vai chover, olho para o céu e não vejo uma nuvem sequer. Mas basta eu sair de casa para um vento noroeste mudar o aspecto do céu, trazer algumas nuvens e, conseqüentemente, água.

Outra prova de que mães sabem das coisas aconteceu comigo alguns meses atrás. Acordei um sábado de manhã com um desconforto na garganta, que parecia ter sido arranhada. Fui me queixar para minha mãe, que se limitou a dizer “ih, você vai ficar resfriado”.

Bom, eu já fiquei resfriado algumas vezes e quase nunca senti dor de garganta. Certo de que não estava resfriado e sim com algum problema na garganta, fui para o trabalho e voltei para casa à noite com febre. Era a prova que eu precisava para mostrar que não estava resfriado: eu, além de quase nunca ter dor de garganta quando me resfrio, raramente tenho febres. Ou seja, era alguma outra coisa. Talvez fosse preciso até tirar as amídalas. Resfriado? Humpf... conta outra!

Com febre, dormi. Acordei no dia seguinte sem febre ou dor de garganta, mas com o nariz mais entupido do que o normal e a moleza característica de alguém resfriado. E, evidentemente, fui obrigado a reconhecer a superioridade da minha mãe nas minhas primeiras palavras daquela manhã: “É, mãe, você acertou. Eu tava resfriado mesmo”.

Só que... tem alguém que pode ser mais sábia do que as mães? Pensando bem, sim. Quem? As mães das mães.

E tenho um motivo para dizer isso. Quando era muito pequeno, uma vez ouvi minha avó comentar com a minha mãe em um fatídico 2 de novembro (não sei agora se em 95 ou 96), em que o sol brilhava no céu e a chuva era algo, no mínimo, impossível de acontecer: “Acho que hoje ainda vai chover. É... sempre chove em Dia de Finados. Desde que eu sou pequena, não me lembro de um Dia de Finados sem chuva”. Isso por volta das 14 horas. Às 16h30 caiu o maior pé d’água. E eu não conseguia acreditar.

Ano após ano, a chuva se tornou algo tão tradicional nos dias 2 de novembro que eu praticamente não liguei mais para o fenômeno natural no tal dia. Até ontem.

Saí do trabalho na hora do almoço e fiquei vagando pelos arredores da Paulista durante a tarde toda, passando por cinemas, livrarias, praças e afins. O sol a pino, a falta de vento e o céu incrivelmente claro até as 19h30 mostravam que a teoria da minha avó seria infelizmente quebrada. E não era tão impossível de isso acontecer: com esse aquecimento global...

Mas não. Entre um chope e outro com Mané e Pedro (a Carol já tinha ido embora), um clarão enorme cruzou o céu da Joaquim Eugênio e, frações de segundos depois, um mundo de água assolou a região da principal avenida paulistana.

Enquanto todos do bar se surpreendiam com a chuva inesperada, eu apenas constatava uma certeza: ainda que aos 40 minutos do segundo tempo, a sabedoria da minha avó venceu o efeito estufa, o degelo dos icebergs, o desmatamento das florestas tropicais... Mais uma vez.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Toque mágico

Gosto de escrever desde pequeno. Há boatos de que me alfabetizei aos três anos de idade e, aos quatro, já ficava rabiscando algumas palavras em papéis espalhados pela casa. Mesmo antes de entrar na escola.

Uma das coisas nos meus escritos, digamos, amadores, de que eu mais gostava era escrever errado e pegar emprestado do meu pai um frasco pequeno, de plástico, com uma tinta branca que corrigia, de forma praticamente mágica, as falhas cometidas com as canetas. Tinha vezes em que eu errava de propósito para usar o corretivo.

Nos meus dois primeiros meses de escola, contudo, os alunos não podiam usar canetas. Nossos materiais na pré-escola para escrever eram apenas lápis 2B e borracha. Macia, de preferência, para não rasgar a folha do caderno, que também ensinava caligrafia. Meu maior sonho, então, era entrar na primeira série e poder ser igual aos adultos, que escreviam com caneta.

Uma das coisas mais sublimes que eu vivi em toda a minha carreira escolar foi ver que a escola requisitava canetas na lista de materiais da primeira série. Apesar de ter começado minha trajetória no Ensino Fundamental em fevereiro, demorou alguns meses para que a professora nos deixasse usar as canetas.

Tenho uma vaga lembrança de como foi o meu primeiro dia munido de uma Bic azul. Ainda que tivesse uma certa experiência com as hidrográficas em casa, usá-las em um caderno escolar (meu documento mais valioso àquela época) e sem alguém da família por perto era algo, no mínimo, sensacional.

Acho que foi na terceira série que a professora liberou o uso dos corretivos em sala de aula. Nenhuma das séries anteriores permitia, não sei muito bem por quê. E, claro, se antes a minha maior vontade era usar canetas, na terceira série o que eu mais queria era errar as palavras e poder corrigir com o Helio’s Carbex.

Com o tempo peguei algumas manhas dos corretivos (chamados também de branquinho e liquid paper pelo restante da sala). Escrever por cima logo depois de passar a tinta no papel era praticamente impossível: era preciso esperar um bocado para secar. E errar duas vezes a mesma coisa, e assim forçar uma segunda mão de tinta, dificultava ainda mais a escrita.

Mais tarde a Pritt lançou aquele corretivo de fita, e a versão líquida do corretivo se tornou algo raro e obsoleto. Eu, apesar de também ter aderido à fitinha, preferia o toque artístico da tinta. E assim foi até o terceiro colegial.

Hoje eu praticamente não escrevo mais, e sim digito. Utilizo a velha técnica de caneta sobre papel apenas para escrever alguns lembretes para mim mesmo em casa, ou então no trabalho, tentando anotar entrevistas. Na faculdade praticamente não anoto coisa alguma. Quer dizer, minto. Faço anotações apenas da melhor aula do curso, que foge do blábláblá de sempre. Mas enfim.

Dia desses, porém, vi alguém escrevendo com uma caneta e, logo depois, sacar um potinho, tirar a tampa com um pincel acoplado e corrigir um erro no papel. Achei um bocado estranho. Tive a sensação de que daqui uns 40 anos, em um dia qualquer pela rua acompanhado do meu neto, vou entrar em uma loja de antiguidades e ver um Helio’s Carbex no balcão. Talvez eu até diga ‘nossa, isso é do meu tempo’ para ele, que não vai entender a magia de tentar corrigir com uma pincelada de tinta, ainda que de forma grosseira, um erro feito à caneta em um papel branco.