Domingo sempre foi o dia mais chato da semana. Digo isso não por mim, mas por Felipe. Para ele, tudo de pior acontece aos domingos. E, claro, é quando o tédio atinge o apogeu. Digo isso não só por mim, mas por toda a população mundial.
Após uma noite muito, muito longa - e perfeita -, o garoto acordou às nove da manhã e ligou a televisão, como faz todos os dias. No entanto, não teve vontade de mudar de canal, como faz todos os dias, e ficou vendo o programa de esportes. Era tudo uma cobertura maçante sobre a corrida de Fórmula 1. Não é lá muito fã de corridas e muito menos de carros. Não sabe dirigir e nunca se importou muito com isso. Só assistiu a todos os detalhes da programação porque era uma data especial. Quer dizer, era o que o apresentador anunciava a todo instante. Na verdade, Felipe se manteve na frente da telinha porque, desde pequeno, só gostava das corridas de Fórmula 1 e não sabia muito a razão disso.
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Domingo sempre foi o dia mais importante da semana. Digo isso não por mim, mas por Felipe. Para ele, tudo acontece aos domingos. E, claro, é quando ele é visto como a maior promessa de todo um país. Digo isso não só por mim, mas por todos que entendem do assunto.
Após uma noite muito, muito longa - e mal dormida -, o jovem acordou cedo e se preparou psicologicamente para o resto do dia. No entanto, não teve problemas em controlar o cansaço que o abatia pela noite em claro que passou; apenas viveu tudo de acordo com o que era previsto: treinos, cálculos, estratégias, minutos, segundos, cobranças... Isso porque toda a imprensa de um país que se orgulha apenas de seu esporte fazia comparações, e tudo isso o cansava. Era uma tremenda chatice a cobertura feita em cima de uma corrida. Tá certo que era a última do ano, a última do amigo e seria em sua terra natal; mas, na verdade - e essencial para Felipe -, o mais importante disso tudo era o momento. Era viver o sonho desde quando pequeno, desde que se apaixonou por carros, aceleradores, marchas e ultrapassagens. Era a razão de viver.
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Quando a corrida começou, Felipe estava deitado em sua cama. A transmissão, por mais chata que fosse por causa do narrador ufanista, servia como exterminadora do tédio. Domingo, o dia do tédio. Sempre foi assim, desde quando era pequeno. Algo deveria mudar, e o garoto sabia bem o que seria. A realização de um sonho seria tudo o que tiraria o ar entediante dos domingos.
Viu, torceu, acompanhou tempos de paradas nos boxes, analisava ultrapassagens, freadas, fazia projeções sobre pilotos. Felipe sempre gostou de corridas de Fórmula 1, e apenas de corridas de Fórmula 1. Aos poucos, entendia a razão por essa paixão: quando pequeno, adorava acordar às nove da manhã para ver as corridas. Não exatamente para ver as corridas, mas para ver a vitória de Senna. Para ver as vitórias de ponta a ponta do piloto brasileiro. Para ver o hino nacional, o pódio, o estourar dos champanhes... para ter orgulho de ser brasileiro, embora não entendesse muito disso aos cinco anos de idade. E era por isso que se mantinha vidrado na frente da televisão enquanto a corrida acontecia.
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Quando a corrida começou, Felipe estava concentradíssimo dentro do cockpit. O autódromo estava apinhado de torcedores ufanistas que davam alguns cavalos de potência a mais para o seu carro. Domingo, o dia da adrenalina. Sempre foi assim, desde quando era pequeno. Nada deveria mudar; se pudesse, congelaria o momento. Tudo isso significava um sonho realizado.
Freou, acelerou, parou nos boxes, arriscou. Felipe sempre gostou de corridas automobilísticas, não necessariamente da Fórmula 1. Aos poucos, entendia toda essa paixão: desde pequeno, adorava correr nas pistas de kart e sonhava em chegar à principal competição da categoria. Em ganhar de ponta a ponta, em subir ao pódio, em ouvir o hino nacional sendo tocado para ele, em participar da festa do champanhe. E era isso que o mantinha nessa empreitada, nesse sonho.
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Quando a corrida terminou, Felipe ouviu gritos e estouros de fogos de artifício ao redor. Não ouvia isso desde a Copa do Mundo, uma celebração pela vitória do Brasil. Entretanto, os sons da rua não eram as coisas que mais empolgavam Felipe, e sim a música que tocava na televisão. O garoto pôde se lembrar de quando tinha cinco anos e comemorava a cada vitória do Brasil na Fórmula 1. Era demais. Na época, sentia orgulho de ser brasileiro, e não entendia muito o porquê. Hoje, o sorriso que era arrancado pelo momento ia além dos motivos que Felipe supostamente teria para dá-lo.
Depois, o pódio. Ao fim da transmissão, olhou-se no espelho, e achava que iria ver uma criança de cinco anos que se deleitava ao ver uma vitória de Senna da Fórmula 1. Achava que, agora, o vencedor da corrida de hoje fará o garoto voltar a acordar às nove da manhã para assistir às corridas.
Assim que se lembrou de que se olhava no espelho, Felipe viu o que se passava. Embora o olhar esperançoso fosse o mesmo de 13 anos atrás, a barba hirsuta era a principal evidência de que os tempos agora eram outros. Mas a esperança de torcer se mantinha. Fato.
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Quando a corrida terminou, Felipe não ouviu mais nada. Sabia que ouvia gritos e estouros de fogos de artifício ao redor, e que a música, o tema da vitória, tocava na televisão. Contudo, o que mais o empolgava era imaginar as milhões de pessoas comemorando o seu fato. O jovem provavelmente não se lembrou de quando tinha cinco anos e comemorava a cada vitória do Brasil na Fórmula 1. Hoje, sente orgulho de ser brasileiro, e passava a entender o motivo ao olhar para cima e ver as arquibancadas em festa. O sorriso que era arrancado pelo momento ia além dos seus sonhos.
Depois, o pódio. Ao fim de todo o praxe, olhou-se no espelho, e achava que iria ver um homem acima das nuvens de tanto prazer. Achava que, agora, fará milhões de pessoas acordar às nove da manhã para assistir às corridas.
Assim que se lembrou de que se olhava no espelho, Felipe viu o que se passava. Embora o olhar sonhador fosse o mesmo de 13 anos atrás, a principal diferença era que, hoje, tudo era real. E a euforia se mantinha. Fato.
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Domingos não são tão ruins assim se você souber aproveitá-los.
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