terça-feira, 30 de outubro de 2007

Capas da Playboy

Hoje já não lembro mais qual foi a primeira personalidade televisiva vista ao vivo por mim com esses olhos ligeiramente míopes. Andei pensando nisso esses dias, mas não consegui me lembrar.

A primeira lembrança que eu tenho de famosos à minha frente vem de 1999. Com dez, quase 11 anos, ia com meu pai aos jogos do Palmeiras no Palestra Itália devidamente uniformizado e sempre entrava em campo com os jogadores.

Lembro que esperava a semana inteira pelo dia do jogo. Então entrava no vestiário, ficava em uma fila com sempre uns 50 moleques e entrávamos no Jardim Suspenso de mãos dadas com Zinho, Alex, Oséias, Marcos... uma vez entrei com o Evair e senti que ‘minha missão já estava cumprida’.

Ao longo dos anos fui vendo algumas pessoas relativamente famosas a poucos centímetros de distância e até mesmo conversava com algumas delas. Foram vários: apresentadoras, músicos, repórteres de televisão, atores, atrizes... então comecei a fazer pautas externas pela GE.Net e comecei a ver técnicos, jogadores de futebol, da NBA, dirigentes... Mas ainda faltava alguma coisa: uma capa da Playboy.

Vi minha primeira capa da Playboy em setembro, no fatídico teste de arbitragens da Fifa, que teria a participação da bandeirinha Ana Paula Oliveira. Quando ela chegou ao clube de São Caetano do Sul, vários fotógrafos dispararam seus flashes e seguiam a assistente, que, de óculos escuros e roupa de ginástica, se dirigiu para a pista de atletismo.

Acompanhei a Ana Paula de perto. E, então, percebi que ela não tinha nada demais. E nem tinha um brilho próprio, como toda capa de Playboy é esperada para ter. Ela era apenas... ela era apenas uma mulher comum. Com braços, pernas, olhos, pernas, coxas, peitos, cabelo... e só.

Conversei com algumas pessoas depois de ver a Ana Paula e a frase que eu mais disse em todas as conversas foi: já vi muita mulher no metrô que mereceria muito, mas muito mais estar na capa da Playboy.

Algumas semanas depois, em um jogo entre Corinthians x Sport no Pacaembu, vi as ex-BBBs Fani e Mariana (lembram delas? Eu também não...). Nada demais. Até que passou a Graziela Schmidt, muito menos badalada do que as ex-irmãzonas. Foi uma das mulheres mais bonitas que eu já vi. E que já pegaram na minha mão também.

O último capítulo dessa empreitada aconteceu no feriado de outubro. Enquanto me dirigia para meu recanto literário na Avenida Paulista, vi alguns metros na minha frente algumas dezenas de pessoas vestindo roupa preta. Inicialmente, pensei que era alguma manifestação da Gaviões da Fiel. Então o grupo começou a se mover rapidamente na minha direção. Não havia mais dúvidas: só podia ser um arrastão. Dois erros.

Cheguei mais perto ainda e vi que eram apenas os seguranças da Gisele Bündchen. Com ela no meio dos homens de preto. E, em volta, talvez uma centena de pessoas se aglomerava para olhar de perto a top model, extremamente bonita, mas que não havia saído na Playboy, não transformava as coisas em ouro e não daria a vida eterna àqueles pobres mortais que se esticavam ao máximo para até relar no braço dela. Caramba! E talvez até se gabarem disso.

Ver capas da Playboy ao vivo, a cores e com roupas talvez tenha sido uma das experiências mais frustrantes dos meus últimos 19 anos. É quando você vê que aquela imagem perfeita, inalcançável e quiçá imponente, nada mais é do que uma pessoa como eu e você. A foto da revista (vestimentas à parte) é muito mais idolatrada do que a própria personalidade.

Enquanto isso, milhares de mulheres que seriam dignas de capas da Playboy andam por aí normalmente, atormentadas com algum problema do trabalho, atravessando as ruas, esperando o metrô na plataforma... sem badalação alguma.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Relacionamento e comunicação

Uma das coisas de que muita gente duvida é como aquele casal conseguiu completar cinco anos de casado.

Era uma união que desde o começo estava fadada ao fracasso. Quando namorados, pouco se viam e raramente comemoravam datas importantes, como aniversários, reveillons e coisas do tipo.

Na época de noivado, então, esparsamente eram vistos em público juntos. E, quando decidiam quebrar a rotina e passar uma noite de sábado fora, quase nunca procuravam companhia. E passavam horas frente a frente em uma mesa de um restaurante, bar, café ou algo do tipo conversando e bebericando alguma coisa.

A cerimônia do casamento, porém, não foi diferente do tradicional: Igreja, atraso da noiva, nervosismo, suor, marcha nupcial, beijo quando o padre permitia, saída da igreja, festa, valsa, música anos 60, Biquíni de bolinha amarelinha, Twist and Shout...

Enfim, casaram. Mas quase ninguém botava fé no sucesso do matrimônio. Não por maldade, apenas por lógica. Ele, gerente de um shopping center, passava grande parte do dia fora. Saía bem cedo, poucos minutos depois de o sol nascer, e voltava já bem tarde, quando as ruas ficavam inóspitas. E trabalhava aos finais de semana quase sempre. Ela era escritora, mas poucas pessoas conheciam seus livros. Sua principal fonte de renda eram as aulas particulares de redação.

O casal quase nunca se encontrava. Quando ele saía para o trabalho, ela ainda estava dormindo. Quando chegava em casa, ela já estava dormindo. E ele, que tinha problemas para pegar no sono, sempre se esforçava para fazer o maior silêncio possível para não acordar a esposa. Ao se deitar na grande cama de casal, aliás, respirava lentamente para não acordar sua convivente.

E hoje, depois de cinco anos, decidiram organizar a primeira festa depois de cinco anos. Festa, aliás, é exagero. Chamaram alguns amigos, que até acharam estranho o convite.

Só que o que mais chamou a atenção na confraternização foi o fato de que passaram grande parte do tempo em lados opostos do salão. Ele, com os amigos, falava sobre política, esportes e piadas, enquanto ela falava sobre literatura, sociologia e afins com as amigas.

Todos foram embora com uma certeza em comum: o casamento não duraria mais três anos. Todos erraram.

Pouca gente sabe o que mantém aquele casal unido até hoje. Só ele e ela sabem.

Pouca gente sabe que, todos os dias antes de sair de casa, ele escreve algumas palavras para ela em um guardanapo, que ela lê, beija, dobra com cuidado e coloca no bolso da calça que usará durante o dia.

E pouca gente sabe também que ela, todos os dias, se senta na mesma cadeira da praça de alimentação do shopping em que o marido trabalha e escreve uma crônica, que deixa sobre a mesa da sala para o marido ler fervorosamente quando chega em casa.

domingo, 28 de outubro de 2007

Dança da chuva

A semana passada foi marcada por um fenômeno natural que há muito tempo não acontecia, nem em São Paulo e nem no deserto do Atacama: a chuva.

É isso mesmo. Depois de muito tempo, a água voltou a cair de pé e correr deitada na maior cidade da América Latina. Por mais que tenha sido um bocado surpreendente, não deixa de fazer parte da tradição que se mantém há cinco milhões de anos na região, que vive uma seca danada durante grande parte de outono e inverno e volta a ver o combinado de hidrogênio, oxigênio e mais algumas impurezas ao longo de primavera e verão.

Curiosamente, a chuva já estava anunciada. No domingo, estava conversando com uma amiga de Sorocaba e ela dizia que por lá estava um vento de chuva. Batata: algumas horas depois, caiu uma chuva tremenda por aqui também. E continuou chovendo até ontem, mas com menos intensidade.

Por pura preguiça e por saber que certamente eu esqueceria meu guarda-chuva na redação se o usasse, decidi que não me protegeria da garoa forte enquanto fazia o tradicional caminho casa-metrô-metrô-Paulista-Gazeta. E isso me fez perceber algumas coisas que talvez eu não notasse se estivesse mais preocupado em me defender dos pingos ácidos.

Se um dia eu fizesse um top 5 dos meus lugares preferidos em São Paulo, a Avenida Paulista certamente estaria entre os três primeiros. Mas seguindo a máxima de que nem tudo é perfeito, em dias chuvosos a avenida mais famosa do Brasil apresenta talvez o seu maior defeito: a calçada (que aliás está sendo trocada pela Prefeitura, aumentando ainda mais o caos nas calçadas na hora do rush e diminuindo a área útil dos bares).

Quando chove, é praticamente uma bosta andar pelas calçadas da Paulista. É a mesma sensação de andar em um campo minado: a menor desatenção e o pedestre descuidado chafurda o pé em uma poça de um misto de água, sujeira e areia. Isso sem falar que é praticamente impossível de tentar imprimir mais velocidade aos pés pra fugir da chuva: os ladrilhos, quando molhados, adquirem uma textura semelhante a um sabão. Precisa falar mais?

Imagino que para as mulheres fica ainda mais desagradável, especialmente as executivas. Se não é raro ver uma dama perder um salto ao cravar o pé em um buraco e sair andando com o calçado na mão, imagina ter que andar com os pés desnudos na Paulista? Pois então...

Outra coisa que eu percebi é que andar na Paulista com um guarda-chuva em uma semana como a que passou faz bem para os olhos. É como se você adquirisse uma defesa natural contra todos os guarda-chuvas das outras pessoas, que estão sempre rondando o seu globo ocular. Mas na falta de um guarda-chuva é possível usar um escudo artificial. Basta usar um óculos.

Só que nem só de espinhos é feito um blog. A chuva na Paulista também tem seu lado bom, e prova disso são as pessoas, que se tornam muito mais generosas quando vêem uma pessoa se molhando gratuitamente na fila para atravessar a rua. Todos os dias, quando me postava para mais uma aventura, digo, para atravessar a Brigadeiro, uma velhinha solidária ou alguma moça simpática me olhavam, balbuciavam algo do tipo “menino, você vai se resfriar” e, discretamente, dividiam o guarda-chuva comigo ao longo da travessia do principal cruzamento da região. E isso em pleno século 21!

Outra coisa legal é a Paulista horas depois da chuva. Não faz muito sentido andar em uma avenida que normalmente é marcada sobretudo pelo cheiro de fumaça dos ônibus, mas que, depois de algumas horas de chuva, fica com o ar úmido. Fica até abafada no finalzinho da tarde ou à noite. E, como todo mundo sabe, as coisas que não fazem sentido são sempre as melhores.

Mas a temporada de chuvas de verão está aberta. Para mais aventuras e desventuras daqueles que todos os dias passam pela Avenida Paulista.

sábado, 27 de outubro de 2007

Numerologia

Achei estranho hoje à noite quando, após salvar um número de telefone novo na agenda do meu celular, o aparelho vibrou e me mostrou uma mensagem que jamais havia aparecido ao longo dos quase 12 meses em que ele me acompanha: ‘Contato nº 100 adicionado com sucesso’.

É claro que não acreditei no que havia acabado de ver. Teimoso como uma mula, fiz questão de contar um por um os números que estavam na minha agenda. E, para a minha surpresa, a somatória do celular estava correta: havia 100 números armazenados na minha agenda.

Ao longo da minha contagem centenária, fui percebendo alguns detalhes da minha modesta lista de telefones. Coisas que eu jamais havia percebido ao longo dos últimos anos.

Entre os meus contatos, há números para os quais eu ligo todos os dias, ou então para os quais eu tenho vontade de ligar todos os dias. Por outro lado, tem também aqueles que estão anotados, mas para os quais eu nunca liguei. E, sinceramente, não faço questão alguma de ligar.

Também tenho anotados alguns telefones dos quais eu espero todos os dias receber uma ligação. A maioria deles, para minha infelicidade, raramente me ligam (e, quando ligam, eu nunca presto atenção para atender). Claro, há também aqueles dos quais eu não quero receber ligação alguma. Alguns deles até aparecem anotados com o nome ‘Não atender’, por se tratarem de uma ameaça à sociedade.

Tem um número anotado no meu celular que eu não sei de onde surgiu. O nome consta como ‘Guto Fra’, mas eu não tenho a menor noção de onde tenha surgido tal pessoa. Até porque o único Guto que eu conheci foi um moleque que estudou comigo na sexta série. E eu não tinha o telefone dele.

E também tem um telefone que eu não sei como foi parar lá. Não por eu não conhecer a pessoa, mas por não acreditar nas minhas capacidades de ter conseguido o número tão rapidamente. E tão ocasionalmente. Mas isso é outra história.

Tenho também o número de uma garota que mora na fronteira com o Uruguai, para quem eu liguei uma vez há algum tempo e tenho vontade de ligar novamente até hoje (mas o valor do interurbano me impede) para ouvir aquele sotaque engraçado. Tenho também o telefone de um jornalista romeno, que às vezes me liga para perguntar se eu sei de algum jogador de futebol brasileiro prestes a acertar com o Steaua Bucareste. O sotaque dele também é engraçado.

Alguns velhos amigos têm seus números de telefone gravados na minha agenda. São os últimos registros que tenho deles. Se um dia der uma pane e eu perder o celular, eles serão praticamente apagados da minha vida. Dos 100 contatos, no entanto, não há números de outros velhos amigos com os quais eu não falo há quase uma década, mas cujos números sempre vão ficar marcados na minha memória. Como o 6969-66X9, de um amigo da quinta série.

A agenda do meu celular não tem alguns telefones para os quais eu tenho uma vontade imensa de ligar, mas cujos números esqueci. Ele também tem alguns números para os quais eu ligo meio sem vontade de vez em quando, mas que eu torço, a cada toque, para não serem atendidos.

E o mais legal de tudo isso é que há 100 números diferentes armazenados no meu celular. E essa quantia poderia ser reduzida pela metade sem muito trabalho, por se tratarem de pessoas para as quais eu nunca liguei. E pensar que eu já apaguei números muito mais importantes...

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Transições

Há tempos vinha me perguntando que sinal eu receberia da vida e enfim perceberia que não era apenas mais um jovem menininho mimado, mas sim uma pessoa adulta.

A primeira vez em que eu achei que tinha recebido o toque foi aos 13 anos, quando fiz a barba pela primeira vez. Mas meu mundo não mudou depois disso, a outras coisas continuaram acontecendo e me faziam refletir um bocado.

Passei por muitas coisas que poderiam ter sido decisivas para deixar de ser apenas um garotinho. Terminar o Ensino Fundamental e iniciar o Ensino Médio? Humm... não. A primeira namorada? Também não. Então o que seria?

Por um tempo achei que tinha descoberto o tal sinal: fazer a barba com pincel, espuma de barbear, uma Mach 3 e com direito a loção pós-barba (da mais ardida) no final. Mas também não era isso o que mudaria a minha vida.

Terminar o colegial poderia ser considerado alguma coisa importante? Não. Poucos meses depois, entrei na faculdade e as coisas não mudaram muito. Nem quando fiz 18 anos. E tirar a carteira de motorista? Poderia ser mais independente, dirigir... Não, não. Não era isso que me faria um homem.

E abrir uma conta no banco? Ir ao caixa eletrônico, passar um cartão com o meu nome, digitar uma senha criada por mim? Ou então ver os envelopes plásticos da minha carteira recheados de cartões? Humm... ah, talvez. Mas eu ainda sentia que faltava alguma coisa. E essa coisa eu não encontrei quando fui ao pronto-socorro sozinho, sem a companhia da mamãe ou do papai.

Achei que tinha descoberto a vida adulta quando fui à minha primeira entrevista de emprego. Camisa, calça, sapato... apertos de mão, palavras ensaiadas, barba feita... ah, ainda não. Conseguir o primeiro emprego? Ser demitido no primeiro emprego? Quer saber, não era isso ainda...

Comecei a trabalhar na GE.Net e ainda assim sentia que faltava alguma coisa. Humm... a minha primeira notícia assinada? Não. O meu primeiro furo jornalístico? Menos. Talvez a minha primeira pauta externa, o meu primeiro colete de imprensa, a minha primeira credencial, a minha primeira matéria especial, a minha primeira entrevista, o meu primeiro jogo do estádio? Não, acho que não encontraria a resposta no trabalho.

Sabe como percebi que tinha deixado de ser apenas mais um molequinho espoleta e um novo adulto? Quando cheguei em casa alguns dias atrás com dores nas costas. Então tomei um café e, instantes depois, o desconforto passou. Assim, como mágica.

Coisas de adulto.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Convite noturno

Um telefonema no meio da noite.

Do outro lado da linha, uma voz feminina. Doce, suave, de tom um bocado meloso.

“Alô?”, atendeu o homem, soltando o copo de uísque sobre o balcão do bar.

“Amor, onde você tá?”, perguntava a garota.

“Alô? Ah... eu... eu tô no bar...”

“Ah, querido, por quê? Vem aqui pra casa, vem. Tá frio, eu tô sozinha... vem pra cá, amor”, pediu a voz feminina.

O homem ainda hesitou.

“M-mas... eu to bêbado, e... e talvez você não goste, e...”

“Deixa de ser bobo! Eu gosto de você. E vem aqui pra casa, meu amor. Vou te esperar, tá? Um beijo, Rô”.

“Ahn... outro”.

O homem desligou o telefone e colocou-o sobre a mesa.

Virou o copo de uísque que ainda estava pela metade e pediu mais um ao garçom. Também pediu um maço de cigarros, do mais forte que tinha, e um isqueiro. Não fumava, mas a ocasião requisitava muitos cigarros.

Fabrício não entendia. Por um instante, achou que alguma garota o havia convidado para deixar aquele bar pequeno, abafado, malcuidado e até malcheiroso. Mas foi apenas um engano, pois se tratava da namorada do Rô.

Quem era Rô ele não sabia. Não conhecia Rodrigos, Robertos, Róbsons e nem Robervais. Sabia apenas que esse Rô devia ser um cara de sorte.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Piloto da Vez I (ou chica guapa e suco de xubáqui)

Não acho que seja loucura dizer que um dos principais sonhos de qualquer homem é o de pegar uma estrangeira. As mulheres brasileiras podem ser as mais belas, as com mais gingado e tudo mais, mas o fetiche de ter um caso com uma gringa de fato provoca. É claro que eu não sou diferente. Mas como nunca tive lá muito contato com garotas de outro país, nunca pude pôr a teoria em prática. Até ontem.

Confesso que me surpreendi ao ser escalado para cobrir o Piloto da Vez – projeto da (Keep Walking) Johnnie Walker para conscientizar de que tomar um porre e voltar para casa dirigindo não dá certo –, com a presença do Mika Hakkinen. Até porque já fazia um certo tempo em que eu não fazia uma pauta externa de outros esportes. Enfim.

Não sabia exatamente do que encontraria no Kartódromo Internacional de Barueri. Cheguei ao lugar ainda meio perdido, tentando me encontrar no meio de muitos garçons servindo taças repletas de... água (e eu achando que o evento teria Black Label adoidado). Mas tudo bem, vai.

Acabei parando para ver o que estava acontecendo dentro da pista. Vários domingueiros aprendiam dicas de direção segura em carros novinhos enquanto o pessoal de fora via e comentava. Entre um desses comentários, algumas palavras em castelhano me chamaram a atenção. Segui o som da voz e percebi uma garota de não mais do que 25 anos. Olhos azuis azuis azuis, cabelos castanhos e lisos... muy guapa.

Passei a olhar para ela de canto de olho. Ela estava ao lado de uma amiga e conversavam sobre muitas coisas que eu não consegui identificar. Mas consegui pelo menos perceber que o sotaque dela era de argentina. Como? Não sei. Só percebi que era diferente do sotaque de espanhóis, chilenos e bolivianos. Talvez fossem os filmes. Não sei.

Continuei olhando para ela de vez em quando. Já ela... bom, não sei se ela olhava para mim ou para as garrafas de uísque que estavam na prateleira atrás de mim. Bom, melhor pensar na primeira opção.

Claro que imaginei um milhão de maneiras de abordá-la. A melhor delas talvez fosse perguntar se ela tinha conseguido tirar uma foto com o Hakkinen. Independentemente da resposta, poderia dizer em um portunhol arrastadíssimo “humm... ah, se você quiser... soy periodista y o fotógrafo que está comigo sacou algumas de usted e... bom, yo puesso enviarte via e-mail. Isso, claro, se quiser passarme su e-mail”. Pensei algumas vezes antes de colocar o plano em prática e desisti. Era bem capaz de ela achar que eu estava vendendo a foto.

Acabei não indo falar com ela e fui encher a cara. De suco, claro. Assim que peguei uma taça de suco de abacaxi, ela apareceu do meu lado e perguntou o sabor das bebidas. “Naranja e... aaahn... eehh... abacaxi”, disse o barman. Ela também se serviu de uma de abacaxi e, no mesmo instante, uma amiga apareceu ao seu lado. Perguntou de que eram os sucos. “Este és de naranja y este és... no se, eh... xubáqui? No se, pero és muy raro”.

Dei uma risada contida. Ela também. A porta estava aberta para uma aproximação.

(continua...)

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Piloto da Vez II (ou sobre sublimações)

Recapitulando: havia uma argentina lindíssima no evento em Barueri. Trocamos alguns olhares rápidos, mas o conquistador aqui não sabia como iniciar um papo com a garota do país vizinho. Até que ambos se encontraram pegando um suco de abacaxi e trocaram um sorriso. Certo. Voltando...

Era a melhor chance de começar a puxar assunto com a argentina de olhos azuis. A única. Um mínimo deslize e qualquer possibilidade de uma troca de culturas iria por suco abaixo. Não podia falhar. A pressão era grande.

Quando eu abri a boca para explicar que aquela fruta não se chamava xubáqui, mas sim abacaxi, a assessora de imprensa do evento me chamou. Iria começar a coletiva do Mika Hakkinen. “Vamos lá?”. Argentina, trabalho, argentina, trabalho, argentina, trabalho, argentina... suspiro... trabalho. Destampei a caneta para começar a anotar a entrevista com a mesma sensação de estar tampando para sempre a chance de tomar um café em Buenos Aires com uma chica guapa. Mas a vida é assim.

Aos poucos estou me acostumando a ver pessoalmente pessoas que eu vi a minha vida inteira na tevê. Não é fácil. Na telinha, as personalidades sempre parecem ser muito mais altas do que realimente são, possuírem um certo brilho próprio. Ao vivo, meu amigo, isso não existe. E as pessoas são tão normais quanto você ou eu.

Pois bem. Entrei na sala de imprensa improvisada, com um sofá para o Hakkinen e algumas cadeiras para os jornalistas. Sentei na primeira fila e já traduzia mentalmente as perguntas para fazer. E ainda ganhei um tempo, já que as mídias impressas são sempre as últimas a perguntar.

A coletiva não rendeu nada, como é de costume. Coletivas sempre são assim. Como ainda tinha algumas perguntas para fazer, perguntei se poderia falar com o Mika depois. Fiquei surpreso quando disseram que sim, mas que teria de esperar. Sem problemas.

É estranho imaginar que as coisas podem dar certo mesmo quando tendem a dar errado. Se antes eu achava que seria uma pauta meio perdida, estava prestes a conseguir uma entrevista reservada com o Mika Hakkinen. Isso, aquele piloto que eu costumava escolher no videogame quando tinha 11 anos.

Só que aconteceu mais do que isso. Antes de falar com o reles estagiário, o Mika deu algumas voltas no circuito do kartódromo. Os profissionais de imprensa estavam convidados para serem passageiros do ex-bicampeão de Fórmula 1. Já andou de Mercedes com um piloto de F1 dando slalons, acelerando em curvas, cantando pneu? É quase a mesma sensação de andar em uma montanha russa, mas com bancos de couro, ar condicionado, direção elétrica... e, claro, muito mais seguro.

Depois das aventuras a bordo da Mercedes, enfim aconteceu a entrevista. É estranho como as coisas podem dar incrivelmente certo em seqüência. Foi o que aconteceu na entrevista. Por causa de uma frase mal formulada em inglês, ganhei a confiança do cara. E por causa de várias frases bem formuladas por parte dele, saí da sala de imprensa com a sensação de ter conseguido a matéria da minha vida. Ou quase isso.

...

Voltei para casa hoje um pouco de cabeça cheia, meio revoltado com o frio, com o calor, com a garoa, com o trânsito, com a minha dor de cabeça... com tudo. Até com o sol, com o galo, com o porco... e com os cavalinhos, se bobear. Coisas que só uma terça-feira pode proporcionar.

Mas bastou abrir a porta do meu quarto e ver uma cópia da entrevista com o Hakkinen. A minha terceira profissionalmente, mas um bocado mais especial do que a primeira, que simplesmente caiu no meu colo. Essa era especial, por vários motivos.

Outra coisa: essa entrevista me lembra um outro assunto. Sabe aquela argentina? Não encontrei mais com ela depois da coletiva com o Mika. Não peguei o e-mail dela, não a ensinei a falar abacaxi e nem sequer perguntei o seu nome.
Foto do Túlio Vidal/Gazeta Press
O que me restou dela? Apenas uma foto, que realça alguns 'defeitos' dela: o nariz grande (típico de um argentino portenho), o queixo saliente, o rosto magrelo... Não importa. Era uma garota charmosa, bonita, de olhos azuis e um sorriso cativante. Que vai me lembrar um raríssimo suco de abacaxi.

Auto-promoção: Não gosto muito de divulgar meus textos de trabalho. Prova disso é que, sempre que citei neste espaço algumas notícias, optava por aquelas que não foram escritas por mim. Mas já que os dois 'capítulos' não existiriam se não fosse a entrevista com o Hakkinen, ei-la: Hakkinen prevê início da "era Raikkonen" na Ferrari

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

O noivado de Luciana

A vontade que a Luciana tinha de ser igual à mãe impediu-a de conseguir cumprir tal objetivo.

Em todos os lugares as pessoas diziam que a Luciana era a cópia em miniatura da dona Elisa. E não era para menos: os olhos grandes e azuis, os cabelos louros, lisos e longos e a pele branca, um pouco mais clara do que leite, eram idênticas às da mãe. Isso sem falar no enrubescer ao gargalhar e no jeito delicado de morder uma bolacha salgada. Idênticos.

A Luciana queria tanto ser igual à mãe que um dia, quando a dona Elisa foi fazer uma visita rápida a uma amiga no hospital, decidiu passar um café quentinho para o pai, que voltava do trabalho todo dias às 17h45. Pequenina, a garotinha de sete anos teve problemas para alcançar o bule quente no fogão quando a água ferveu. Uma grande gota, quente e cruel, se desgarrou das demais e queimou a bochecha esquerda da Luciana.

A partir de então, ninguém nunca mais falou que a Luciana parecia com a dona Elisa. E não era para menos: a menina ficou com uma marca vermelha, do tamanho de uma cereja robusta, estampada no rosto. Para sempre. Não tirava a sua beleza, mas chamava a atenção de todos.

A menina entrou na adolescência tendo enrubescido poucas vezes ao gargalhar depois do fatídico acidente. Quando corava, ninguém percebia. Mas ela não se importava com o descaso alheio. Com o tempo, aprendeu a não ligar para muita coisa. Tanto não se importava com ações e pensamentos alheios que nunca teve crises existenciais. E olha que ela deu o primeiro beijo aos 15 anos de idade, dois anos depois que todas as suas melhores amigas. O primeiro beijo da Luciana, aliás, mereceria um capítulo à parte se um dia alguém resolvesse fazer uma biografia dela.

Tudo aconteceu em uma festa de 15 anos de idade de uma menina da sala. Todas as garotas tinham ido ao baile de debutante maquiadas como modelos. Só a Luciana não passou base, blush, sombra, batom... nada. As amigas achavam estranho. “Você bem que poderia esconder a sua... queimadura”, sugeriam hesitantes. “Não quero. Se um dia alguém gostar de mim, vai ser por causa da beleza interna”, rebatia. A Luciana, para falar a verdade, adorava quando ouvia coisas assim na tevê. E chorava quando via filmes sobre o tema.

Enfim. Sem maquiagem e apenas com seu jeito cativante, Luciana deu seu primeiro beijo na tal festa. O Leandro, um dos meninos mais populares do segundo ano, se aproximou dela. Conversou com a garota como ninguém nunca dantes o havia feito. Luciana, por sua vez, sentiu algo que jamais havia sentido. E, durante o beijo, ela percebeu que ruborizou.

O Leandro não ligou para a Luciana no dia seguinte. Na segunda-feira no colégio, passou pela menina e nem sequer olhou para ela. As amigas explicaram: “Ele estava bêbado, Lu. E nem deve se lembrar. Você não percebeu?”. A Luciana não chorou ao saber. Também não odiou o Leandro. Apenas tentou esquecer. Conseguiu, mas com um trauma: jamais colocou uma gota de álcool na boca.

No geral, a Luciana não se abalou com o que aconteceu. Tanto que no mês seguinte conheceu o Ricardo, um garoto que havia se mudado para a casa da frente. Começaram a namorar dois meses depois.

Hoje, 12 anos depois do primeiro beijo entre os dois, o Ricardo pediu a Luciana em noivado. Antes de fazer o pedido, escreveu um poema bastante pueril, mas bonitinho, que arrancou algumas lágrimas da moça.

A causa do pranto? Uns versos que sequer tinham rima, mas que significaram muito para Luciana. Não vou conseguir transcrevê-los aqui, mas era algo como "Esqueço meu nome, esqueço o mundo e viajo para um mundo a parte quando te beijo / Mas nesse meu universo paralelo, sempre sinto que meu rosto está ficando vermelho".

domingo, 21 de outubro de 2007

Leitura dinâmica

Tem dias em que você acorda com uma vontade enorme de ler. Poderia até devorar um livro de 468 páginas fazendo apenas uma pausa para tomar um copo d’água e outro para atender o telefone.

Em dias assim é difícil de se focar em apenas uma leitura. Você começa com o jornal e passa por vários blogs. Depois de ler vários arquivos dos blogs, fuça pelos favoritos de algumas páginas até encontrar textos tão bons a ponto de serem lidos durante muito tempo.

Acordar e ter vontade de ler é uma das coisas mais divertidas que há. Mas depois de realizar todas as suas leituras espontâneas, você se lembra de que precisa ler aquele texto de 50 páginas para a prova de amanhã da faculdade.

O tema de economia é importante para a sociedade, mas não convidativo para vpcê. Nem um pouco. Mas a vontade de ler algo é tamanha que talvez não seja tão complicado assim. Não custa nada tentar.

Então você deita na cama, acende os abajures e começa pelo título. “Dados macroeconômicos da economia brasileira”. Bom, o primeiro passo já foi dado. Faltam apenas 500. E... olha, tem uma tabela... menos trabalho ainda! Vai ser fácil!

“Os dados da tabela acima contam em números a história da economia brasileira...”. Hum, hoje à noite talvez tenha alguma coisa para fazer. Puts, tem a final da Copa do Mundo de rúgbi à tarde!... “Essa história é importante para visualizar o que poderia acontecer se uma política de crescimento fosse implementada para...”. África do Sul ou Inglaterra? Depende. O Jonny Wilkinson vai estar inspirado? Se não, acho que a África do Sul leva. Não, voltando. Onde eu parei? Ah, no título.

“Os dados da tabela acima...”, ué, acho que eu já li isso. Ah, verdade. Ia começar o segundo parágrafo. “O câmbio era controlado pelo Banco Central que desvalorizava o real cerca de ...”. Ei, por que não está escrito Real, em caixa alta?.......... ah, onde eu parei? “A taxa overnight (SELIC) de juros, que flutuava ao redor de 1,65% ao mês (17% ao ano) até outubro, subiu para 3,04% ao mês (43,34% ao ano) em novembro e para 2,97% ao mês (42,1% ao ano)...”. Será que eu vou ter que decorar tudo isso? Por que tanto número?... E será que se eu multiplicar os números menores por 12 vai dar o número maior? Ah, faz de conta que sim, vai.

Então você se levanta. Abre a janela, respira um pouco. Vai à cozinha, toma um copo d’água. Mais um. E mais um. E volta determinado para a leitura.

“A desvalorização do real ficou em apenas...”. De novo em caixa baixa? “... real ficou em apenas 8,26% e a inflação ficou em nível mínimo de 2,49% ....................................”

Ahn? Ah... Inflação... inflação... cadê inflação? Ah, achei.

“... inflação foi um crescimento nulo (0,13% do PIB) e um... um... ... ... um ....................................”

“..................................................”

“..................................................”

Então você dorme. E se esquece de tudo. Até de que sabe ler.

sábado, 20 de outubro de 2007

Sobre álcool e traições

Já ouviu falar na história do Ângelo?

Tudo bem, não são muitas as pessoas que conhecem. Nem mesmo o próprio Ângelo conhece. Afinal, quem é o Ângelo?

Bom... o Ângelo era um cara sensível. Inocente em muitos casos. Ou quase todos.

Para se ter uma idéia, quando era adolescente, ele se apaixonou por uma menina do mesmo bairro em que morava. Na esperança de vê-la todos os dias, mudou o caminho de casa só para passar na casa dela. Acabou se acostumando, e faz o caminho até hoje. Mesmo sabendo que ela não mora mais naquela casa.

O Ângelo fazia muitos amigos. Não tinha problemas em conhecer as pessoas e nem em confiar nelas. Muitas vezes, contava muitas coisas de sua vida porque confiava cegamente nas pessoas. O Ângelo, você deve ter percebido, não era um cara normal.

Uma dia desses, o Ângelo estava voltando para casa quando decidiu alugar um filme para ver de madrugada. Escolheu uma comédia romântica italiana e continuou o trajeto. No meio do caminho, entretanto, encontrou um velho amigo e começaram a confabular. Decidiram parar em um bar para conversar sobre a vida, mas acabaram falando sobre mulheres. O Ângelo era um pouco diferente, mas nem tanto.

No bar, Ângelo tomou uma caipirinha. Claro, levantou para ir embora e percebeu que estava meio bêbado. Mesmo assim, pegou o trem no Brás com destino Estudantes. Quando o trem parou e abriu as portas, levou um susto ao ver uma garota que conhecia e tentou disfarçar. Acabou entrando na porta ao lado e tentou não ser visto.

Quando as portas se fecharam à sua frente, percebeu que poderia espiar a garota pelo reflexo do vidro. Mesmo assim, abriu um livro em uma página qualquer e fingiu ler, enquanto espiava a menina se engraçar com um amigo.

Sentindo-se um detetive, Ângelo ficou de olho na menina, que se abraçava ao outro cara. O outro rapaz, aliás, tentava a todo momento dar um beijo na menina. Ela dava um sorriso, desviava o rosto... e os dois ficaram nisso durante algumas estações. Algumas. Quando chegaram à estação Suzano, Ângelo viu uma mão em uma nuca, um braço em um ombro, duas cabeças ritmadas. Um beijo? Um beijo...

Ângelo sentiu um aperto no coração. A garota, noiva de um amigo, estava beijando um cara no trem.

Ângelo desceu duas estações depois e voltou para casa perturbado. Sentia-se na obrigação de ligar para o amigo e contar tudo o que tinha acontecido. Pensou em como explicar a situação. Seria complicado.

A dúvida corroía o pensamento de Ângelo quando ele abriu o portão de casa. No mesmo instante em que girou a maçaneta da porta da casa, acabou se esquecendo do mundo. Seu pai, imediatamente, deu-lhe um abraço. Era gol do Brasil, que ganhava o campeonato. Que campeonato? Que importa!?

Ângelo e o pai comemoraram. Tomaram uma, duas, cinco caipirinhas.

Ângelo acordou no dia seguinte de ressaca. Não sabia como tinha chegado em casa e nem como tinha colocado o pijama antes de dormir.

A única coisa de que se lembrava era o título do Brasil.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Oscar e Bárbara. E Danilinho.

A vida do Oscar mudou em um final de tarde de janeiro muitos anos atrás. Quando tinha seis anos de idade recém completados, voltara da praia com o pai e, ao chegar em casa, correu para abraçar a mãe, que preparava o jantar no fogão velho daquele lugar, esquecido durante os outros 11 meses do ano.

“Agora não, filho, dá um tempo! Não tá vendo que a mamãe tá fazendo a comida? Depois, depois você me abraça”, ralhou a mãe. Naquele instante, Oscar percebeu pela primeira vez que a vida pode ser ruim. E que os relacionamentos podem ser abalados de acordo com o que vai haver para o jantar.

Hoje o Oscar quase não se lembra daquela história. O Ivo, um amigo antigo, uma vez ouviu um dos poucos depoimentos sobre o caso. Não foi nada de mais. “Faz 19 anos que isso aconteceu, cara. Lembro só que um dia eu cheguei em casa muito feliz com uma estrela-do-mar no bolso... mas não tive vontade de jantar, agora não me lembro por quê. Faz muito tempo...”

E é só disso que o Oscar se lembra. No entanto, muitas coisas ficaram guardadas em sua mente, ainda que de forma imperceptível. Por exemplo: ele nunca convidou nenhuma namorada para jantar. Se fosse uma noite especial, tomavam um café. E rápido.

Mas o Oscar gostava mesmo era de almoçar com suas garotas. Quando completava um mês de namoro, sempre levava a namoradinha para almoçar. E fazia com que não fosse apenas uma refeição singela. Antes, ele sondava as amigas de sua quase amada para tentar descobrir a descendência da menina. Descoberto o país, ia com a sua pequena no melhor restaurante típico da cidade. Tudo isso começou quando ele tinha 12 anos e almoçou com a Juliana, sua primeira namorada e filha de árabe, na Esfiha Chic.

Uma vez Oscar namorou a Marina, cujo pai, Urmas Terehhov, havia vindo da Estônia. Foi a única que não almoçou com o namorado no primeiro mês de relacionamento. Não foi culpa dele.

Só que os namoros do Oscar nunca duravam muito tempo depois do almoço típico. O Oscar tinha um defeito: entregava-se tanto no relacionamento que se subordinava a todos os pedidos da garota. E o pior: ele deixava muitos compromissos de lado para atender às vontades de suas parceiras amorosas. Elas, inevitavelmente, se cansavam.

Uma vez, para se ter uma idéia, ele deixou de ir ao casamento do Ivo para acompanhar a Natália, a namorada da vez, em um chá de bebê. Ela, claro, terminou o relacionamento no dia seguinte. “Preciso de uma aventura nova”, disse a garota, que até hoje guarda as cartas de amor que ele escreveu.

Uma vez o Oscar decidiu mudar. E foi justamente quando namorava a Bárbara, descendente de armenos, que adorou o almoço na Casa Garabed. Uma vez, todavia, ela chamou o namorado para ir ao show do Pato Fu. Ele odiava. Falou que não iria. E não importava que ela o aniversário dela. Ele tinha que comemorar o aniversário do Danilinho, filho do Ivo, que completava dois anos na mesma data.

A Bárbara gritou. Ameaçou terminar o namoro. Queimou as cartas de amor. Foi ao show sem aliança no anular direito. Olhou para todos os caras no show e até piscou para um deles. O Oscar, enquanto isso, tomava um copo de uísque com o Ivo. E até fumou um cigarro só para deixar a Bárbara nervosa. Ela odiava cigarros. Ele também, mas nunca havia contado isso para ela.

O Oscar chegou em casa bêbado naquela noite e dormiu sem sequer lembrar da namorada. Mas sonhou com ela, claro. A Bárbara, sóbria, não conseguiu pregar os olhos. Pensava no Oscar. Estava amando.

Oscar e Bárbara, hoje, estão casados. O Oscar começou a fumar depois daquela noite. A Bárbara também, mas só para alegrar o marido.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Volatilidade

Fábio era um cara que tinha seus hábitos peculiares. Desde pequeno.

Quando criança, gostava de acompanhar o Jornal Nacional para ver a cotação da Bolsa de Valores. Sempre que o âncora anunciava o valor, anotava em um caderninho e ia correndo falar para o pai que a Bovespa tinha caído em meio ponto percentual pela oitava vez em 15 dias.

Um pouco mais crescido, no início da adolescência, acordava mais cedo do que a família inteira e ia pegar o jornal na porta de casa. Antes de sequer ler a manchete de capa, abria o periódico para ver a cotação do dólar. E logo em seguida mandava um e-mail para o tio, que morava na Escócia e vendia Havaianas com o preço variando de acordo com o mercado internacional.

Chegou aos 17 anos e fez a inscrição para o primeiro vestibular. Pensou em vários cursos, mas acabou se candidatando para Economia. Não entendia muita coisa sobre o assunto, mas gostava de economizar. Prova disso era a nota de R$ 100 que guardava no fundo do armário desde os sete anos.

Passou na faculdade de economia, mas preferiu fazer outro curso: havia percebido que gostava de Publicidade e Propaganda. E que se daria melhor na área de comunicação do que em um outro curso qualquer. Acabou se mudando para a cidade grande e alugando um apartamento.

Poucos meses depois de ingressar no Ensino Superior, conseguiu um estágio na maior agência de publicidade do país. Como ia ganhar um salário generoso, decidiu abrir uma conta em um banco. Quase ninguém sabe do orgulho que ele sentiu quando recebeu seu primeiro cartão de débito.

O Fábio era um cara estranho, lembra? O segurança do banco percebeu isso alguns dias depois de ver o jovem adulto abrir uma conta e, todos os dias, às 23h40, passar no mesmo caixa eletrônico da agência, depositar uma quantia e depois retirar o extrato.

Duas coisas que não explicaram para o segurança. Primeiro, que o Fábio desde pequeno gostava de ir ao banco com o pai e digitar a senha no caixa eletrônico. A outra é que o Fábio tinha percebido que, se depositasse uma pequena quantia na conta poupança, teria um rendimento diário, ainda que praticamente insignificante. Mas tinha a sensação de ganhar um pouco mais.

Fábio era tão ligado no dinheiro que praticamente não gastava o salário. Dos R$ 1.400,00 que ganhava por mês, tirava o necessário para pagar água, luz, condomínio, telefone e supermercado (que não era muito) e guardava o resto na poupança. Viveu essa rotina durante dois anos. Até que um dia deu um pulo de alegria ao ver que sua conta havia chegado à dezena de milhar.

Ter mais de R$ 10 mil na conta era muito mais do que o Fábio podia imaginar. Aproveitou um dia de folga para retirar todo o dinheiro da conta e comprar um carro. A gerente tentou persuadi-lo a deixar a grana toda na conta, deixar render por mais alguns meses. Em vez de pegar o carro usado, poderia conseguir até um zero km. Mas não teve jeito. Ele decidiu encerrar a conta. E no mesmo dia saiu do banco com uma sacola de supermercado abarrotada de notas.

Fábio se sentiu a pessoa mais importante do mundo ao sair do banco com R$ 10 mil. Tanto que até esboçou um passo de dança quando virou a esquina. Mas justamente no momento em que dobrou a esquina, foi abordado por um cara com uma arma.

Fábio foi assaltado, e em menos de nove segundos perdeu todo o dinheiro que tinha batalhado tanto para conseguir.

Fábio, então, entendeu o que significava capital volátil.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Legado

Um e-mail de uma colega da faculdade em uma tarde longínqua.

Nenhuma saudação. Nenhuma pergunta do tipo "como você tá, sumido?", nem nada. Apenas a transcrição de um diálogo com uma outra garota:

Garota: Você conhece o Fê Held? Eu costumava trocar cartas com ele...
Colega: Hahahaha
Garota: Eu sei que ele estuda jornalismo na Cásper tbm.
Colega: Sim, sim. Hahahaha

“Isso faz algum sentido para você?”, perguntava a remetente da mensagem.

O sentido para mim? Foi uima surpresa, seguida por um atordoamente de algumas horas. Porque se tratavam de duas garotas de mundos diferentes, que jamais se conheceriam em um planeta supostamente tão grande como a Terra.

Logo depois a remetente do e-mail me explicou o que aconteceu. Era uma coisa óbvia: haviam se conhecido pela internet. Internet, aquela responsável pelo início de muitos relacionamentos. E pelo término de todos os outros.

Mas não foi isso o que me chamou a atenção.

Não tinha contato com a tal garota que aparace na conversa há quase um ano e, conseqüentemente, não tinha notícias dela. Não sabia exatamente se ela ainda morava em São Caetano do Sul, se ainda estava namorando e muito menos se ainda cultivava um sorriso cativante.

Depois do e-mail, recebi algumas notícias. Ela ainda morava na Monte Carlo brasileira, mas muita coisa havia mudado em sua vida.

Por exemplo: um ano atrás, a tal menina do ABC paulista tinha o sonho de fazer faculdade de teatro. Eu nunca tinha visto a garota contracenandom, mas já havia lido alguns textos escritos por ela. Muito bons, por sinal. Perguntei se ela já tinha pensado em cursar jornalismo. Falei um pouco do curso, essas coisas. Ela não pensou muito antes de falar que não era a praia dela.

A antiga amiga também adorava assistir a filmes. Conhecia vários. Sobre muitos deles eu nunca tinha ouvido falar. Perguntei, inocentemente, se ela conhecia um filme alemão que eu tinha visto uma vez no colégio. Ela disse que não. Sugeri, mas ela pareceu não dar muita bola.

Muitas coisas mudam depois de um ano. A tal garota de São Caetano do Sul não ia ficar de fora da velha máxima, e suas 'transformações' foram relatadas pela colega de faculdade.

A menina não queria mais estudar teatro na faculdade. Hoje, o seu maior sonho é fazer jornalismo na Cásper. E já vai prestar o vestibular este ano.

Além disso, recentemente ela tinha assistido um filme alemão. “O melhor que ela já viu até hoje”, segundo a colega de faculdade. Coincidentemente, era justamente aquele que eu tinha indicado um ano atrás.

Por um momento, senti que fui importante para a tal garota que, ainda que por algumas semanas, foi deveras importante para mim. Prova disso é que o e-mail segue guardado até hoje na minha caixa de entrada.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

O indivíduo e a alcachofra

Alguns dias atrás, tive a sensação de estar prestes a descobrir o sentido da vida. O mais legal disso tudo é que aconteceu enquanto eu comia uma alcachofra no almoço. Ah, um detalhe que é bom ser citado: o que acompanhava a refeição era um suco de maracujá, e não vodca.

Mas... será que é loucura imaginar que o cerne do indivíduo tem uma correlação gigantesca com o ato de comer uma alcachofra? Acho que não. Eu explico.

Pessoas normais (ou pelo menos minha avó me ensinou assim) começam comendo uma alcachofra de folhinha em folhinha. Uma por uma. Banhando a parte molinha em um molho e raspando com os dentes.

Depois as folhas vão ficando gradativamente menores, mais finas. Chega um momento em que é preciso juntar duas ou três folhinhas, pouco desenvolvidas e praticamente sem cor, para tirar alguma coisa boa de lá.

As folhas vão ficando menores e menores até o momento em que você se depara com uma coisa bizarra: um monte de pêlos. Para seguir caminho em sua alimentação, é preciso retirá-los. E com cuidado, claro, porque aquela coisa estranha espeta os dedos.

Concluída a ‘barbeação’ da alcachofra, ei-lo: o miolo, tenro, ainda quente. Esperando apenas ser cortado, salpicado com um pouco de molho e, então devorado.

E aí você termina de comer o miolo e tem vontade de mais um. Para isso, porém, é preciso encarar outra alcachofra inteira, com folhas verdes, não tão verdes, roxas, rosas, sem cor e com pêlos. Já pensou em comprar um vidro de miolos de alcachofra em conserva? Não tem graça alguma!

OK. E agora, já pensou em transferir isso pra sua vida?

Você começa uma tarefa qualquer, seja ela parte do seu trabalho ou algo prazeroso, aos pouquinhos, em doses homeopáticas. Esses pequenos atos praticamente não têm sentido lógico. Para que tudo isso faça sentido, é preciso ter alguma explicação paralela. Alguma relação com comer de folhinha e folhinha, desprovidas de 'conteúdo', e salpicando o molho para dar um sabor?

Chega um momento em que você já está tão acostumado a fazer as suas tarefas de pouquinho em pouquinho que passa a fazer várias coisas ao mesmo tempo. Afinal, aquelas tarefas anteriores não tinham muito sentido lógico e muitas delas podem ser concluídas simultaneamente. Se você fosse concluir coisa por coisa, ficaria louco e perderia um tempo enorme na sua vida. Lembrou das folhinhas sem cor e saboreadas unidas?

Inevitavelmente você se depara com um problema gigantesco na atividade em questão. Abandonar o seu desafio não é algo tão impossível de ser feito, basta arranjar alguma desculpa esfarrapada boa o bastante. Ah... e a parte peluda da alcachofra, hein?

Mas... já pensou em batalhar, suar, sofrer e ter o gosto de ter vencido um desafio? É algo incomparável. Você se sente em um mundo paralelo, mais do que satisfeito por ter chegado ao fim de um desafio e enfim obter a recompensa mais do que gratificante. Miolo... não se esqueça do miolo!

Só que o que acontece sempre que você chega ao fim de um desafio? A sensação de dever cumprido logo dá lugar à necessidade de sanar outra meta. Não dá simplesmente para ficar parado. E então se faz necessário comer mais uma alcachofra. Digo, pensar em um novo objetivo de vida e batalhar por ele.

Ou será que é legal apenas ver as coisas caírem no seu colo? Nem tanto, né?

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Obras de arte

Escrever o perfil de alguém é uma arte.

Inicialmente, demanda uma criatividade enorme para selecionar uma personagem bacana para se falar sobre. Dado o primeiro passo, você precisa se informar um bocado sobre o seu perfilado e pensar e conseguir marcar uma entrevista. Ou uma conversa informal, chame como quiser. Em seguida, é preciso uma apuração incansável. Com tudo na mão, é hora de quebrar a cabeça para arranjar um jeito diferente e cativante na hora de escrever.

Pareceu fácil? Pois não é.

Eu, por exemplo, fiz apenas um perfil em toda a minha ‘vida jornalística’, e ainda em um trabalho para a faculdade. Como a proposta foi feita ao mesmo tempo em que eu tinha algumas apresentações de modalidades nos Jogos Pan-americanos, acabei poupando a minha proposta acadêmica: já havia falado com um moleque da seleção brasileira de levantamento de peso uma vez em que estive no Pinheiros. Não precisei apurar mais nada, e me virei com o que tinha. Ou quase isso.

Meu professor gostou. Eu, nem tanto.

Um perfil feito decentemente gasta algumas muitas horas daquele que o escreve. Leituras, releituras, pedidos para alguém ler e reler. Pedir dicas. Esperar por mais inspiração. Apagar tudo o que já foi escrito e começar de novo. E isso gasta muito, mas muito mais tempo do que um post como este, que não me toma mais do que 20 minutos.

Mas o resultado final de um bom perfil vale a pena.

Um dia desses, li um perfil escrito por uma amiga. Era sobre o editor de esportes de alguma emissora de tevê a cabo, um homem de quem eu nunca tinha ouvido falar. Mas o texto estava muito bom e contava vários detalhes sobre a vida do cara. Depois de ler pela segunda vez, senti que conhecia o jornalista talvez melhor até do que conheço alguns amigos meus. Escrever um perfil bom faz com que todos os leitores tenham a mesma sensação.

Prova disso aconteceu comigo na semana passada.

Era terça-feira, se não me engano, e estava na fila do cinema. O tal editor estava também na fila para comprar o bilhete. Automaticamente, comecei a estender a mão para cumprimentá-lo como se eu já o conhecesse há algum tempo. Não era para menos: sabia onde ele morava, o que gostava de fazer, como era o computador dele na redação, quantos anos tinha... detalhes bestas assim. Mas contive o ímpeto rapidamente.

Afinal eu não o conhecia. Apenas havia lido um perfil sobre ele.

domingo, 14 de outubro de 2007

Praça de Pedra (parte I)

O feriado de outubro chegou e eu não pude viajar. Escalado para trabalhar no feriado, apenas vi São Paulo fazer as malas e se mandar para todos os destinos possíveis.

Se você, que além de não poder viajar, caiu aqui por acaso ou tem a vã ilusão de que encontrará algum conteúdo, não se preocupe. O Cavaleiro com Solitária preparou uma novela para te entreter até domingo, quando seus amigos voltam da praia, do campo ou da Lua.

Quer dizer, não é bem uma novela. Apenas um texto bem grande escrito algum tempo atrás. É tão grande que ninguém teria paciência para ler até o final. Nem minha mãe, se bobear. Então, fatiei a história em três pedaços. E cada fragmento será postado aqui em dias seguidos, começando hoje e terminando no domingo.

E um spoiler: aqui, ninguém mata ninguém no final. Muito menos a Thaís.
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CAPÍTULO I

Ler livros em uma praça é um hábito de velhos, mas que eu desenvolvi relativamente cedo. E foi justamente enquanto eu debulhava as páginas de uma história alguns dias atrás que essa história aconteceu.

Não sou muito de fazer amizade a esmo com pessoas na rua. Pelo contrário. Sou meio fechado e raramente me comunico com os transeuntes. Muito menos quando estou lendo. Mas aconteceu.

Era um dia de semana no final da tarde, quando quase todos os bancos estavam ocupados. O meu tinha um lugar vago, que um cara rapidamente ocupou. Não dei importância até ele me interromper e perguntar as horas. Respondi meio seco, arredondando os minutos para cima, e virei a página. Ele voltou a me chamar a atenção.

“Eu... eu já li esse livro, sabe?”, perguntou. Foi quando marquei a página com a orelha do livro e olhei ele. Vestia terno e gravata. Tinha uma barba de algumas semanas e aparentava uns 35 anos. Devia ter saído do trabalho, apesar de estar meio bêbado. E continuou falando. “Eu li quando eu devia ter mais ou menos a sua idade. E você tem 20 anos, acertei?”

“Sim”, menti.

“Tive que ler para a faculdade. Fiz faculdade de jornalismo”, explicou. Respondi que também fazia jornalismo e ele se animou. “Bacana. Você tem cara de que vai ser jornalista”, tentou me animar. Não retribuí a gentileza. Ainda estava tentando me livrar de vários preconceitos inerentes a... enfim, deixa pra lá.

“Você deve estar estranhando eu, bêbado, atrapalhando a sua leitura, né, cara? É que... posso te contar uma história?” pediu.

“Vamos lá. Essa é a sua vida!!”, brinquei. Ele não entendeu a piada. Ou entendeu e achou uma bosta. E começou a falar.

sábado, 13 de outubro de 2007

Praça de Pedra (parte II)

O personagem principal da nossa trama havia deixado de ler seu livro para a faculdade e corria o risco de ficar sem nota em uma resenha valendo dois pontos na média final. Um risco enorme (ah, corta essa, vai!).

E o que será que o jornalista bêbado teria para falar? Seria uma revelação sobre o submundo da imprensa brasileira? Seria apenas uma história furada? Ou enfim havia chegado a hora: os marcianos haviam invadido a Terra?

Acabe com essa e outras dúvidas no segundo capítulo de Praça de Pedra! *

* Se você, pára-quedista, não entendeu nada, leia o primeiro capítulo da trama clicando aqui.
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CAPÍTULO II

Antes de dar início ao seu discursou, o cara ao meu lado afroxou o nó da gravata. Respirou fundo, prendeu o ar e soltou devagar. E então começou a falar.

“Tinha uns 22 anos quando conheci uma amiga. Linda, cara, a mulher mais linda que eu já vi na vida. Claro, estou exagerando. Mas eu achava a mina uma gata de verdade. Um corpão. Um rosto de boneca. Quer saber? Um tesão.

“A gente conversava todos os dias até que... pô, você sabe... não tinha como não me apaixonar. Isso aconteceu depois de uns seis meses que a gente se conheceu. Mas na época ela saía com um cara. Não gostava dele. E acabou que eles não ficaram muito tempo juntos.

“Senti que ela dava bola pra mim. Mas não foi nem um pouco fácil conquistar a gata. Demorou. Até que um dia, de um jeito bizarro – um dia eu te explico melhor – a gente começou a sair. E, depois de um tempo, a namorar. Na época eu era jornalista de um canal de televisão, enquanto ela era de um jornal impresso.

“Uma coisa que ela sempre me dizia é que queria aprender espanhol. Aprender de verdade, não enrolar. E tinha o sonho de ir passar algum tempo na Espanha. Então decidi que um dia daria para ela uma viagem pra Madri. Eu tinha um amigo que morava lá, seria muito tranqüilo. Mas o foda é que era caro pra cacete.

“Até que um dia, fazia já alguns belos meses que a gente tava namorando, fui promovido. Ganharia um salário bem melhor, e com o bônus dava pra levá-la para a Espanha. Liguei eufórico pra ela, mas não contei a novidade. Falaria à noite. Queria estar perto para ver a cara que ela ia fazer.

“Marcamos de ir a um bar naquela noite. Cheguei lá dez minutos antes do combinado. Ela já estava por lá. Antes que eu desse um beijo nela, ela se agarrou no meu pescoço. Estava feliz, feliz pra caramba. Achei que ela já tinha descoberto sobre a minha promoção, e a minha surpresa tinha ido pro saco. Que besteira”.

“Por quê?”, perguntei.

“Na verdade, ela também tinha uma novidade pra me contar”

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Praça de Pedra (parte III)

Qual seria a novidade que a namorada do bebaço tinha para falar?

Teria o pai dela impedido o romance pelo fato de ele ser jornalista de mídia eletrônica e ela de mídia impressa? Ou então ela estava grávida dele? Ou pior: do irmão dele? Ou... ou então desta vez não restava dúvida, e os marcianos finalmente haviam chegado?

Não perca essa e todas as outras respostas no terceiro e último capítulo da nada emocionante Praça de Pedra. *

*Se você, pára-quedista, não entendeu nada, leia o primeiro capítulo da trama clicando aqui e o segundo clicando aqui.
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CAPÍTULO FINAL

Antes de contar a novidade, ele respirou fundo.

“Ela tinha recebido uma proposta pra passar um mês em Madri como correspondente do jornal. E lá faria um curso de espanhol. Cara, até hoje eu queria ver a cara de cu que eu fiz naquela hora. Ela não percebeu, eu acho, porque me deu um beijo intenso e me agradeceu a ajuda. Eu, claro, preferi não contar a minha novidade.

“Sabia que era a oportunidade da vida dela, mas ainda assim tentei convencê-la a ficar. Falei que poderia eu mesmo ensinar espanhol pra ela...”.

“Hablas español?”, interrompi.

“Sí, pero no mucho”, brincou. “Quer dizer... quando era mais novo, fiz aula e peguei um certificado no Instituto Cervantes. Mas sabia que ela tava louca pra ir. Deixei. Ela não quis que eu fosse no aeroporto me despedir dela. E também não contou a data em que voltaria. Disse só que queria me fazer uma surpresa, chegando de repente no meu apartamento”.

“Puta, que merda. Já saquei!”, interrompi mais uma vez. “Você conheceu outra garota nesse meio tempo, levou pro seu apartamento e aí a sua namorada chegou do nada. E aí vocês terminaram. Puts... e a nova mulher era a melhor amiga dela, por acaso?”, perguntei.

“Não. Isso é a história de um livro que eu já li. E, pelo visto, você também, né?”, perguntou. Dei um sorriso amarelo confirmando. “Minha vida não é um livro, chapa. Mas agora me deixa continuar.

“Naquele mês em que ela foi pra Espanha, eu não saí de casa esperando algum sinal. Adorava quando ela me mandava uma carta ou um cartão-postal e dizia que estava com saudades. Mas isso aconteceu só nas três primeiras semanas. Depois ela não me mandou mais nada. Na minha cabeça, isso queria dizer que ela estava pra voltar.

“Então eu passei a comprar pizza todo dia, pra não correr o risco de fazer compras no mercado ou sair pra jantar, ela chegar em casa e não me encontrar. Até que um dia tocou a campainha. Fui atender correndo. Era a vizinha do 111. Ela tinha um envelope na mão e dizia que era meu. Que o número do apartamento estava errado na correspondência, mas o meu nome estava como destinatário. Agradeci, fechei a porta e comecei a ler”.

“Era dela?”, chutei.

“Sim. E na hora percebi que era alguma merda. Primeiro, porque ela tinha esquecido o número da minha casa, que é tão fácil de decorar: 123. Depois entendi melhor. Ela dizia que não ia voltar. Que se deu tão bem no curso que foi contratada por um jornal espanhol. Ficaria por lá. E que um dia, quando eu conseguisse férias na tevê, era para eu ir visitá-la. Ou seja: isso ia levar pelo menos um ano.

“Você foi?”, perguntei.

“Não. Descobri meses depois que ela arranjou um namorado em uma viagem que fez pra Valencia. E a gente não se falou mais. Durante 13 anos”.

Ele não falou nada. Eu também não. Ficamos uns momentos em silêncio.

“Até hoje de manhã. Antes de eu sair pro trabalho, a minha vizinha do 111 me entregou mais uma carta da minha namorada. Ela tinha escrito que estava voltando. Casada, com três filhos. O marido – aquele namorado valenciano – queria conhecer o Brasil. E ela queria me apresentar pra ele e pros filhos (o mais velho tem o meu nome, acredita? E o mais novo tem o nome do pai). Ela pediu por favor para a gente se encontrar. Que ia ser muito especial, que blábláblá, o caralho”.

Mais alguns momentos de silêncio.

“Eu não deveria ir. Aliás, eu não quero ir!”, raciocinou.

...

“Mas o idiota aqui vai!", emendou, um pouco resignado. "Por quê? Porque eu ainda quero ver o rosto dela mais uma vez. Porque... ah, cara, eu ainda amo aquela mulher! Que bosta!”

Ele se levantou e foi embora, ainda cambaleando.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Eu prefiro as curvas...

Itu (SP) - Não sou do tipo de pessoa que pode ser considerada conhecedora do mundo. Do alto dos meus 19 anos e alguns quebrados, olho para trás e sinto que poderia ter viajado um pouco mais.

Só que não. Pelas minhas contas, até hoje, dormi sob outro céu que não o paulistano apenas cinco vezes . Mas vale lembrar que não tenho me dado bem com os números de uns tempos para cá – desde que comecei a faculdade, para ser mais exato (para se ter uma idéia, uns dias atrás errei uma conta de 8–2).

Minha primeira viagem foi aos nove anos, em uma excursão para Águas de São Pedro com os amiguinhos da escola em um hotel fazenda. Sensacional, apesar de ter durado apenas dois dias. Mas senti uma saudade brutal da minha mãe, do meu irmão, da minha casa...

A minha segunda vez foi no começo de 2001, quando fui para o Guarujá com a minha mãe e meu irmão. Foi quando eu descobri que os limites do mar iam além dos limites da tela da TV. Com quase 13 anos, fui a pessoa mais velha a conhecer a praia no meu senso comum. C’est la vie.

Depois me aventurei no pico do inverno de julho na Praia Grande, já em 2004, passando uma semana na casa de praia de um melhor amigo. Foi uma semana incrível, com histórias engraçadas que vou carregar por muitos anos.

Em 2005 vivi meu ápice turístico, deixando a capital em duas oportunidades num espaço de 12 meses. Nos primeiros dias do ano, fui para Campos do Jordão com minha mãe e meu irmão. Em outubro, andei pela primeira (e única) vez de avião, rumo a Porto Seguro.

Minha última viagem foi no ano passado, para Registro, para a reunião dos Jovens Unidos Contra a Aids, o Juca-2006. E nunca mais. Meses depois comecei a trabalhar, e o expediente nos finais de semana e feriados passou a fazer parte da minha rotina – diferentemente das viagens. (Ou seja, foram seis as minhas viagens até então. Isso só comprova que, em 15 meses, desaprendi 17 anos de matemática).

Mas hoje, ainda que a trabalho, revivi uma das melhores sensações que um viajante pode ter. Hoje, 7h48, subi em uma Parati na Avenida Paulista e fui cobrir o treino do Botafogo em Itu, onde o time treina antes do clássico de domingo contra o Vasco.

Entrar em um carro e partir para uma viagem é uma das melhores sensações que há. Estranhamente, as nuvens somem do céu, o sol brilha um pouco mais e o vento começa a soprar de uma maneira agradabilíssima na janela do passageiro.

Incrível como em uma viagem de ida, o asfalto brilha um pouco mais e todas as conversas são mais engraçadas. Os animais na beira da estrada parecem sorrir para os carros que atravessam as rodovias com os vidros abertos. É tão bom que sempre bate um sono após determinado quilômetro de viagem e, inevitavelmente, você dorme.

Bom, o treino acabou. Agora tenho que parar por aqui para pegar as entrevistas e depois volto para São Paulo.

Mas isso já não interessa. Os retornos não são nem um pouco legais, como todo mundo sabe. Não é nada mais do que uma longa jornada em um carro quente. E não adianta abrir os vidros para refrescar: sempre chove. E então a única coisa pra fazer é passar a viagem inteira com a cabeça apoiada no vidro, com um olhar perdido para os carros do outro lado da estrada e para as luzes das cidades ao redor.

Por falar nisso, o céu sobre a Castelo Branco no sentido São Paulo está escuro. Parece que vai chover. Se eu continuasse a viagem em direção a Porto Feliz (sugestivo o nome, não?), teria pela frente um céu completamente azul, sem uma nuvem sequer.

Incrível.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Memórias

Às vezes tenho raiva da minha memória tão boa para certas datas. E todo dia me pergunto por que diabos não faço uso de tal advento para algo prático, como por exemplo decorar o ano de nascimento dos principais jogadores do futebol mundial (o que me pouparia vários acessos diários à Wikipedia). Mas não é o caso.

Deitado na minha cama na vã tentativa de dormir relativamente cedo, lembrei que dentro de dez dias completará dois anos que encontrei uma melhor amiga pela última vez. Eu estava com conjuntivite e ligeiramente deprimido. Ela precisava bater um papo com alguém e veio no meu prédio me visitar. Conversamos. Rimos. Bebemos um pouco. Avançamos alguns sinais que jamais deveriam ter sido avançados. Demos um abraço e nos despedimos. Não para todo o sempre, mas foi o que acabou acontecendo.

Ainda tentamos conversar depois de então. Nos dias que se sucederam ao nosso último encontro, ela me ligou algumas vezes. Não tínhamos muito assunto. Talvez fosse melhor o tempo nos reaproximar.

Uma vez, no meu primeiro dia de trabalho, fui a um show e por um leve instante achei que ela estaria por lá. Andei por quase todo o lugar e, para minha sorte, tinha me enganado. Quer dizer, mais ou menos. Algum tempo depois, ela me disse que estava lá. Enfim. Continuamos sem ter o mesmo contato de antes.

No entanto, uns meses atrás, em uma sexta-feira de feriado, me lembrei dela ao sair do trabalho. Enrolei alguns minutos até tomar coragem de ligar para ela e convidá-la para, sei lá, tomar um café. Coisa besta. Colocar os assuntos em dia. Tinha várias coisas para contar para ela, que ao mesmo tempo teria várias coisas para me contar.

Naquele dia ela não pôde sair e me pediu para ligar no seguinte, mas um ‘compromisso inadiável’ por parte dela melou o nosso compromisso. Ainda liguei alguns meses depois e marcamos de nos encontrar em uma segunda-feira. Eu sabia que ela não iria aparecer. E não apareceu. Apaguei o telefone dela da minha agenda e esperei um dia ela me ligar.

Claro que não ligou.

Ela não deve se lembrar de que 20 de outubro de 2005 foi uma quinta-feira ensolarada até as 16h30, mas que esfriou em menos de meia hora. Também não deve sequer ter idéia de que foi a última vez em que nos vimos.

Mas não a culpo. Até porque, pensando bem, não me lembro mais do rosto dela. A única recordação que me resta é uma data.

domingo, 7 de outubro de 2007

Trilhas sonoras

Se existe alguma invenção que vai revolucionar a vida em sociedade, os tocadores de MP3 são os mais cotados para causarem uma mudança no mínimo considerável entre as pessoas de uma cidade grande. E desde já os aparelhos mostram esse potencial.

Pequenos, finos, portáteis e com capacidade para armazenar muitas dezenas, talvez centenas e, alguns até milhares de sons. Fenomenal. Antes, era complicado selecionar duas dezenas de músicas para gravar em um CD e ter que se contentar com o repeat e o repeat all. Isso sem falar na economia na hora de comprar os discos graváveis, regraváveis ou originais absolutamente caros.

Mas isso não é tudo. A coisa mais legal proporcionada pelos tocadores de MP3 foi transformar a vida de seus donos em um filme musical. Eu, por exemplo, sou prova viva disso. Revivo muitos momentos especiais quando ouço algumas músicas. Ou então me lembro de alguma banda quando chega determinada época do ano.

Por exemplo: Bowling for Soup me remete ao fim do meu último namoro. Los Hermanos faz com que eu me lembre dos meus últimos meses no colegial, enquanto Radiohead tem a ver com as minhas primeiras semanas na faculdade. Minhas entrevistas na Gazeta foram ao som do esquisitão do Daloco, enquanto as minhas lembranças das primeiras semanas como estagiário são relembradas graças a Stereophonics.

Muitos livros que eu li também ficaram marcados na minha memória não só pela história envolvente, mas também pelos sons que eu ouvia enquanto os lia. Alguns livros do Luís Fernando Veríssimo e do Charles Bukowski foram lidos enquanto Head Automatica comandava meus fones de ouvido. Marcelo Rubens Paiva também lembra Stereophonics, enquanto Saramago tem um pouco a ver com Smashing Pumpkins. Já o fascinante Olhai os lírios do campo se mistura invariavelmente com Shout out Louds.

O melhor exemplo disso tudo, porém, é Beatles. Na medida em que o fim do ano se aproxima, músicas como Blackbird, When I’m 64, Penny Lane, Strawberry Fields Forever se confundem com as canções natalinas, com a chegada das férias e com as noites abafadas e enfeitadas com papais noéis e lampadinhas piscantes. É incrível.

Outra coisa bem legal da revolução causada pela popularização dos aparelhinhos é a reação de outras pessoas que vivem com um fone enfiado nos ouvidos. Eu, tímido, sou mais comedido e fico apenas com a marcação de ritmo com um pé ou então tamborilando os dedos no joelho, na capa do livro ou na porta do metrô (às vezes me pergunto se tem alguém que sabe o que eu estou ouvindo apenas pela marcação de tempo...)

Enfim. Muitas pessoas não têm o mesmo tipo de reação quando toca uma música interessante no MP3. Já cansei de ver, em plena seis da manhã, pessoas entrando no metrô cantando muito, mas muito alto alguns sons. Até dançam, às vezes. Só que as demais pessoas que compartilham o vagão com o cantor de banheiro não reclamam. É como se isso já fosse normal. Esquisito sou eu, que olho para as pessoas às vezes segurando o riso e sou repreendido pelos demais. Mas vale a pena.

Posso estar pagando o alto preço disso tudo, ficando gradativamente mais surdo. O fato é que, pelo menos para mim, a poluição sonora é coisa do passado. Praticamente não ouço mais carros com escapamentos furados, motoristas enraivecidos, aviões e buzinas nas ruas (talvez um dia eu seja atropelado por causa disso também) e nem algumas desculpas furadas de certos pedintes do metrô.

É como se o mundo ficasse mais tranqüilo. Ou pelo menos aparentemente.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Flor de Lótus

Tinha uns cinco anos de idade quando ouvi falar em amor à primeira vista. Não acreditei, e mantive minha opinião firme até alguns dias atrás. Até rever um velho amigo.

Shakedown 1979, cool kids never have the time

Estava no metrô quando me deparei com ele, que costumava andar meio cabisbaixo pelas ruas e com as mãos nos bolsos, mas desta vez tinha estranhamente a cabeça erguida. Os ombros postos transmitiam um ar de altivez. Os olhos, que possuíam um brilho intenso, combinavam com o sorriso bobo nos lábios.

On a live wire right up off the street

Tirei um dos fones que ele tinha aos ouvidos e coloquei em um dos meus. Tocava uma música cadenciada, bem trabalhada, cujo clipe eu vira algumas vezes na MTV uns cinco anos atrás. Era um som de que, na época, eu não gostava muito.

You and I should meet

Troquei algumas palavras com o meu amigo até enfim perguntar o que de fato se passava. Ele me respondeu com frases de efeito que, possivelmente, ganhariam espaço em qualquer livro de auto-ajuda.

June bug skipping like a stone

“Gostar de uma pequena, cara, é muito estranho. No começo, você quer falar isso para o mundo, mas esconde seu segredo amoroso de todos. Depois você quer esconder seu mistério de todas as pessoas, mas acaba contando para elas. E se sente bem fazendo isso”.

With the headlights pointed at the dawn

“Gostar de uma mulher, meu amigo, é muito bom. Quando ela liga no seu celular, você se sente a pessoa mais importante do mundo. Mas, quando está junto dela, chega a ter a sensação de ser a pessoa menos útil do planeta. Ao contrário dela, que atrai todas as atenções possíveis”.

We were sure we'd never see an end to it all

“Gostar de uma garota, meu caro, muda a sua vida em todos os sentidos. Você passa a ter certeza absoluta de uma dúvida antiga, e ao mesmo tempo começa a duvidar de todas as suas certezas”.

And I don't even care to shake these zipper blues

“Aliás, estar apaixonado é mudar de humor bruscamente. É ir da felicidade extrema à depressão profunda e depois retornar em menos de duas horas”.

And we don't know just where our bones will rest

Antes de ele verbalizar o pensamento seguinte, perguntei quem era a tal pequena por quem ele tinha se interessado. E qual não foi minha surpresa quando ele, que não suporta baladas, me respondeu: “Uma que eu conheci em uma balada”.

To dust, I guess

Pedi explicações. Ele disse que estava na festa como convidado, mas não conhecia nenhuma das músicas que estavam tocando. Até que começou a tocar uma outra cuja seqüência de acordes ele conhecia. A letra também. A batida, porém, era diferente: tratava-se da versão remix.

Forgotten and absorbed into the earth below

“Comecei a cantarolar o som, ainda me perdendo por causa do ritmo aumentado em semifuseta, com repetição em tercina no refrão e...” – ah, esqueci de falar: meu amigo, um dia, foi músico.

We don't even care, as restless as we are

“Aí eu vi uma garota linda que também estava gostando do som. Dançava, cantava e parecia conhecer a música. Pensei que havíamos nascido um para o outro. Tínhamos o mesmo gosto, mas com algumas diferenças”.

We feel the pull in the land of a thousand guilts

Como assim?, perguntei.

And poured cement, lamented and assured

“Gostávamos da mesma música, mas não da mesma maneira. Eu conhecia a versão clássica; ela, a remix”, respondeu, como se fosse a resposta mais óbvia do mundo.

To the lights and towns below

Achei bacana a comparação que ele fez. No mesmo instante, duas dúvidas vieram à minha mente. Fi-las ao mesmo tempo.

Faster than the speed of sound

“Qual o nome dela? Ah, e... então quer dizer que você superou aquele trauma da outra garota também?”

Faster than we thought we'd go, beneath the sound of hope

E qual não foi a minha surpresa quando ele respondeu:

No apologies ever need be made

“Não, não. É ela mesma”.

I know you better than you fake it, to see

Fiz cara de interrogação. Ele deu uma curta gargalhada, me deu três tapas no ombro e disse:

The street heats the urgency of sound

“Você tem esse problema de ser curioso e até impaciente, meu amigo, e não me deixou terminar a explicação. Gostar profundamente de uma garota é esquecer para sempre aquela mulher que um dia sem querer te causou uma despaixão e, então, conhecê-la novamente. E se apaixonar à primeira nova vista”.

As you can see there's no one around

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Contramão

Era para ser meu dia de folga. Era, porque o desembarque da seleção brasileira feminina de futebol mudou a minha escala. Quando fui informado disso, na segunda-feira quase à noitinha, vi meus planos da terça-feira livre ruírem, desmoronarem, tombarem, desabarem...

Ah, sim, meus planos. Meu planejamento era mais ou menos assim: acordar às 11h30, ficar jogado na cama durante mais meia hora, sair de casa, almoçar qualquer coisa na padaria do outro lado da rua, voltar para a cama e ficar nela até as 19 horas. Então eu levantaria, tomaria banho e voltaria à cama até o sono bater.

Mas não foi o que aconteceu. Levantei às 6h30, tomei banho, fiz a barba. Vi o telejornal matinal, peguei o metrô lotado, atravessei a rua correndo e tomei um café grande antes de bater o cartão às 8h56.

Só que se engana quem pensa que eu reclamei. Pelo contrário. Apesar de estar em uma fase de questionar o sentido da vida, tive a prova de que, de fato, Deus ajuda quem cedo madruga. Minha mãe me dizia isso todo dia quando eu tinha cinco anos e eu não entendia direito. Sempre acabava pensando no Seu Madruga.

Revivendo o clima de trabalhar de manhã, percebi que estava em um ritmo alucinante, muito superior ao que eu costumo apresentar no período vespertino. Isso só fez com que eu batesse o cartão na saída dando risada. Não por ir embora, mas por ter tido um dia expediente. Vai entender.

O dia estava tão bom que eu não pensei em voltar para casa. Almocei e logo depois me sentei no mesmo lugar de sempre para ler mais algumas páginas do livro. Depois decidi ir ao cinema. Comprei o bilhete, tomei mais um pouco de café e entrei na sala, vazia, com apenas três velhinhas conversando sobre cozinha. Geralmente cinema sozinho é deprimente. Hoje foi sensacional.

Poderia ter voltado para casa quando o filme acabou. Mas tinha gostado tanto da história que preferi fazer planos para a minha vida. Pensei em aprender um novo idioma durante as férias. Ou pelo menos tentar.

Enquanto pensava, saí andando por uma avenida, em um ritmo lento e tranqüilo, sem me importar com o trânsito, com os motoristas, com nada. Enquanto os carros iam para um lado, eu andava na contramão até virar em uma alameda, depois em outra... e andar por ruas estreitas que subiam, desciam, viravam à direita e depois à esquerda.

Seguindo-as, caí em uma praça que jamais pensei que existiria em São Paulo. Com bancos confortáveis, grandes, espaçosos. Muitos bancos. Neles, pessoas sentavam enquanto viam os cachorros correrem, brincando com os outros cachorros. E conversavam sobre as notícias do jornal. Davam risada.

Reabri meu livro e mergulhei na história. Depois de muito tempo, percebi que havia ficado escuro e todas as pessoas que brincavam com os cachorros haviam ido embora. Também me levantei e parti.

Atravessei a rua, percebi um bar vazio e com uma televisão ligada. Ainda tinha o gosto do café do cinema na boca. Comprei mais uma xícara e tomei, vendo alguma reprise de futebol europeu. Foi no terceiro café que eu percebi que, se tem uma pessoa que já foi feliz na face da Terra, essa pessoa trabalhava meio expediente durante a manhã.

Entendi isso hoje, depois de muitas semanas trabalhando todos os dias das 14 às 19 horas.. E pensar que, durante os oito meses em que eu entrava bem cedo, não tinha me dado conta do quanto poderia ter aproveitado.

É sempre assim.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Show da vida

Era o show da minha vida. Havia passado as últimas semanas ensaiando incansavelmente. Quando tinha tempo livre, ouvia o repertório e tentava captar alguma nota musical que eu não havia captado, ou alguma variação na batida que eu não havia percebido. Estava ligeiramente paranóico.

Chamei muita gente. Vários amigos do prédio, muitos do colégio, algumas garotas de outros lugares, minha mãe e a garota por quem eu era apaixonado e de quem já tinha ouvido um não meses antes. Havia feito um convite especial, sincero. Talvez tenha sido meu ápice de sinceridade. Ela não confirmou presença.

Acordei meio nervoso, tomei banho, fiz a barba, peguei a guitarra, os cabos, a pedaleira, enrolei alguns esparadrapos na mão direita... e saí correndo de casa, sem sequer falar bom dia para a minha mãe. Fui para a casa de um amigo, fiquei nervoso e liguei para a tal garota. Ela disse que estava saindo de casa, que estava vindo. Meu coração deu um sobressalto. Ou dois, até.

Alguns amigos foram chegando e perguntavam como eu estava. Eu fazia algumas piadas, mas estava muito nervoso. Muito. A impaciência só melhorou quando peguei a guitarra, coloquei nas costas e fomos para o show. Não era nada de mais, apenas um festival de bandas no colégio em frente à minha casa. Mas era especial.

Atravessei a rua, cheguei ao lugar do show e encontrei algumas pessoas por lá, que eu nem imaginava que iriam. Passei por uma pequena multidão e encontrei a tal garota, com os braços cruzados e também um pouco impaciente. Dei-lhe um abraço, agradeci do fundo do meu coração por ter ido. Tinha gostado mesmo. Então logo depois nos chamaram e fomos para o palco arrumar os instrumentos.

Afinei a minha guitarra e da outra garota que iria tocar comigo. Ela estava nervosa, mas eu disse que não tinha problema, que ela precisava se acalmar... que qualquer coisa era só olhar para mim que eu soprava o acorde seguinte. Ela ouviu, mas não sei se ajudou muito... tanto que pediu para que eu fizesse o solo da quarta música.

Tocamos a primeira música, e minha tensão talvez tenha chegado ao máximo. Tanto que apareceu um cara atrás do palco falando que eu tinha regulado errado o som. Respirei fundo e o mandei aos lugares mais obscuros que os palavrões permitem. E com o microfone ligado. Então tudo melhorou.

Tocamos mais algumas músicas e eu já estava mais tranqüilo, fazendo as mesmas palhaçadas que costumava fazer no palco (apesar de muito tímido, nunca fui fechado nos palcos, com uma guitarra na mão... estranho). Terminamos a quarta música e, antes de começarmos a quinta (e última). Respirei fundo. Tomei o microfone. Liguei a chave. Ouvi o ruído da microfonia e comecei a falar, meio sem jeito.

“Bom, antes de começarmos a última música... queria falar algumas palavras bonitinhas. Afinal, hoje é dia 11 de junho, véspera do dia dos namorados e... bom. Hoje é um dia bastante especial, e queria falar algo especial para uma pessoa mais especial ainda. Alguém que é muito importante pra mim, mas com quem não pude falar nos últimos dias. Mesmo assim, sem ela não estaria aqui, com tanta vontade de tocar. E nem tão nervoso, pra falar a verdade. E ela bem sabe disso, porque só ela sabe o quanto atormentei para que viesse hoje aqui. É alguém que eu... que eu amo de verdade. E queria que todo mundo soubesse disso, e...”

Alguns amigos meus, até os mais próximos, se surpreenderam e voltaram para trás, olhando para a garota por quem eu era apaixonado. Ela olhou para mim, ficou vermelha, ajeitou o cabelo e deu um sorriso e um passo à frente. Meu coração deu três sobressaltos. Respirei fundo. Continuei.

“E... e hoje é aniversário dela. Parabéns, mãe!”.

Minha mãe se assustou. Todo mundo começou a cantar parabéns automaticamente. Ela me deu um abraço e chorou. Disse que era o melhor presente que eu poderia ter dado a ela. Que tinha sido pega de surpresa. Olhou para mim. Riu, chorou, me deu mais um abraço. Uma lágrima minha caiu nos ombros dela também.

O show acabou logo depois. Nossos amigos (eram mais ou menos 100, se somar os amigos de todos da banda) vieram nos cumprimentar. A garota me deu um abraço forte, disse que eu estava demais e tinha tocado muito (mentira dela!). Disse em seu ouvido que o que eu disse para minha mãe era, no fundo, para ela também. Ela me deu um sorriso sincero, iluminado, que eu nunca havia visto antes.

Às vezes vejo a fita daquele show em uma gravação bem mal feita. Sempre vejo um detalhe novo, algo de que tinha me esquecido. E, enquanto assisto à fita, lembro daquele sorriso. Que me valeu mais do que o beijo que a gente nunca trocou.