terça-feira, 2 de outubro de 2007

Show da vida

Era o show da minha vida. Havia passado as últimas semanas ensaiando incansavelmente. Quando tinha tempo livre, ouvia o repertório e tentava captar alguma nota musical que eu não havia captado, ou alguma variação na batida que eu não havia percebido. Estava ligeiramente paranóico.

Chamei muita gente. Vários amigos do prédio, muitos do colégio, algumas garotas de outros lugares, minha mãe e a garota por quem eu era apaixonado e de quem já tinha ouvido um não meses antes. Havia feito um convite especial, sincero. Talvez tenha sido meu ápice de sinceridade. Ela não confirmou presença.

Acordei meio nervoso, tomei banho, fiz a barba, peguei a guitarra, os cabos, a pedaleira, enrolei alguns esparadrapos na mão direita... e saí correndo de casa, sem sequer falar bom dia para a minha mãe. Fui para a casa de um amigo, fiquei nervoso e liguei para a tal garota. Ela disse que estava saindo de casa, que estava vindo. Meu coração deu um sobressalto. Ou dois, até.

Alguns amigos foram chegando e perguntavam como eu estava. Eu fazia algumas piadas, mas estava muito nervoso. Muito. A impaciência só melhorou quando peguei a guitarra, coloquei nas costas e fomos para o show. Não era nada de mais, apenas um festival de bandas no colégio em frente à minha casa. Mas era especial.

Atravessei a rua, cheguei ao lugar do show e encontrei algumas pessoas por lá, que eu nem imaginava que iriam. Passei por uma pequena multidão e encontrei a tal garota, com os braços cruzados e também um pouco impaciente. Dei-lhe um abraço, agradeci do fundo do meu coração por ter ido. Tinha gostado mesmo. Então logo depois nos chamaram e fomos para o palco arrumar os instrumentos.

Afinei a minha guitarra e da outra garota que iria tocar comigo. Ela estava nervosa, mas eu disse que não tinha problema, que ela precisava se acalmar... que qualquer coisa era só olhar para mim que eu soprava o acorde seguinte. Ela ouviu, mas não sei se ajudou muito... tanto que pediu para que eu fizesse o solo da quarta música.

Tocamos a primeira música, e minha tensão talvez tenha chegado ao máximo. Tanto que apareceu um cara atrás do palco falando que eu tinha regulado errado o som. Respirei fundo e o mandei aos lugares mais obscuros que os palavrões permitem. E com o microfone ligado. Então tudo melhorou.

Tocamos mais algumas músicas e eu já estava mais tranqüilo, fazendo as mesmas palhaçadas que costumava fazer no palco (apesar de muito tímido, nunca fui fechado nos palcos, com uma guitarra na mão... estranho). Terminamos a quarta música e, antes de começarmos a quinta (e última). Respirei fundo. Tomei o microfone. Liguei a chave. Ouvi o ruído da microfonia e comecei a falar, meio sem jeito.

“Bom, antes de começarmos a última música... queria falar algumas palavras bonitinhas. Afinal, hoje é dia 11 de junho, véspera do dia dos namorados e... bom. Hoje é um dia bastante especial, e queria falar algo especial para uma pessoa mais especial ainda. Alguém que é muito importante pra mim, mas com quem não pude falar nos últimos dias. Mesmo assim, sem ela não estaria aqui, com tanta vontade de tocar. E nem tão nervoso, pra falar a verdade. E ela bem sabe disso, porque só ela sabe o quanto atormentei para que viesse hoje aqui. É alguém que eu... que eu amo de verdade. E queria que todo mundo soubesse disso, e...”

Alguns amigos meus, até os mais próximos, se surpreenderam e voltaram para trás, olhando para a garota por quem eu era apaixonado. Ela olhou para mim, ficou vermelha, ajeitou o cabelo e deu um sorriso e um passo à frente. Meu coração deu três sobressaltos. Respirei fundo. Continuei.

“E... e hoje é aniversário dela. Parabéns, mãe!”.

Minha mãe se assustou. Todo mundo começou a cantar parabéns automaticamente. Ela me deu um abraço e chorou. Disse que era o melhor presente que eu poderia ter dado a ela. Que tinha sido pega de surpresa. Olhou para mim. Riu, chorou, me deu mais um abraço. Uma lágrima minha caiu nos ombros dela também.

O show acabou logo depois. Nossos amigos (eram mais ou menos 100, se somar os amigos de todos da banda) vieram nos cumprimentar. A garota me deu um abraço forte, disse que eu estava demais e tinha tocado muito (mentira dela!). Disse em seu ouvido que o que eu disse para minha mãe era, no fundo, para ela também. Ela me deu um sorriso sincero, iluminado, que eu nunca havia visto antes.

Às vezes vejo a fita daquele show em uma gravação bem mal feita. Sempre vejo um detalhe novo, algo de que tinha me esquecido. E, enquanto assisto à fita, lembro daquele sorriso. Que me valeu mais do que o beijo que a gente nunca trocou.

2 comentários:

Anônimo disse...

Com todo o respeito... Chupa, mina que foi ao show! Deve ter ficado toda prosa achando que era (só) com ela a parada toda! Baixou a bola um pouco!

Anônimo disse...

Oi Filho...ao ler este texto hj,depois que vc saiu para o trabalho,mais uma vez fiquei emocionada...Amo vc.Tenho muito orgulho de vc e de tudo que faz e escreve.