Quarta-feira, 21 horas, um bar com telão em uma travessa da Avenida Paulista. Jovens universitários deixavam a última aula de lado para assistirem ao clássico mais clássico do futebol brasileiro. "Grande, vê uma mesa pra sete. E... e duas Itaipavas, pode ser?"
Marcelo olha em volta e logo vê a mesa à sua frente. Um casal enamorado, bastante enamorado, trocava beijos, abraços, afagos e desejos. Com uma garrafa de cerveja e dois copos vazios (por que beber se você está num bom momento com a sua pequena?) sobre a mesa. Na mesa ao lado, colada à do casal, havia outra mesa; nela, um velhinho. Um velhinho sem forças, desanimado, abatido. Um velhinho cansado com seus 80 ou 90 anos. E com uma latinha de Coca-Cola e um copo quase vazio sobre a mesa.
O universitário ficou refletindo sobre o grau de parentesco, se é que havia, entre os observados. Parou de refletir quando a garota parou de se atracar com o namorado e encheu o copo de refresco do velhinho e disse carinhosamente para ele: "Se você quiser mais, é só pedir, viu?" Foi o suficiente para o garoto ter certeza: "Ele é avô dela. Que falta de consideração, ficar assim e não dar atenção pro avô! Olha só pra ele, coitado!"
Para não ficar mais entristecido com suas definições sobre a vida do velhinho, Marcelo se entreteve com o assunto da mesa: o futebol. No entanto, ainda mantinha um rabo de olho na mesa à frente. Numa de suas olhadas, viu uma cena que o deixou extremamente sem reações. Preferiu se entreter com o assunto da mesa.
Cinco minutos depois, o velhinho pegou sua bengala, colocou seu boné e levantou com dificuldade. Esboçou alguns passos e, para o conflito de Marcelo, puxou assunto com um dos garotos da mesa. Olhou para a camisa verde e sussurrou, cheio de orgulho: "Eu também sou palmeirense!"
O olhar de Marcelo brilhou. Se o jogo não acontecesse, o garoto não se importaria. O velhinho continuou: "Eu sou muito amigo do Juninho Botelho, sabe? É, a gente se falava bastante! Eu cheguei a jogar no Palmeiras há um tempão. Faz muito tempo! E, sabe, eu era muito ágil. Eu era goleiro. Mas não cheguei a virar profissional, porque lá tinha um goleiro muito, muito bom. Eu era amigo dele. Ele era um grande goleiro, o..."
- Leão? - interrompeu um dos integrantes da mesa
"Não, mais antigo ainda! Era o Oberdan Catani! Naquela época, era diferente. Era uma... uma academia, né?"
O jogo ia começar. Um outro grupo de jovens chegava para torcer por algum dos dois times que iam jogar. Enquanto isso, o velhinho pegou sua caixinha com canetas coloridas. "Canetas coloridas por R$ 1,00". E foi embora, devagar e sozinho pela travessa da Paulista. Para a tristeza de Marcelo, que ouvia, com um sorriso estampado no rosto, as palavrras banhadas de orgulho e nostalgia do velhinho.
E guardando no bolso da calça o lenço que o velhinho usava para assoar o nariz. Na hora, o garoto lembrou-se da cena que o deixara de cabeça baixa: o velhinho, com movimentos rápidos, não conseguiu impedir que uma nódoa bem lenta de sujeira atingisse suas calças. "Ele era um bom goleiro, bastante ágil e com muitos amigos. Hoje, é sozinho, vende canetas nos bares e seus movimentos são lentos..."
O velhinho foi embora com suas canetas e seus devaneios.
Marcelo ficou no bar com sua imaginação e seus devaneios.
Um comentário:
Eu acho que sei quem é esse velhinho!
Comprei uma caneta dele faz uns mês, mais ou menos, e ela ainda funciona.
Pê, ele não deveria vender nada não, e sim ir pra casa dormir numa cam quantinha.
Ah, curto esse. Em comparação a todos os outros. =)
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