segunda-feira, 1 de setembro de 2008

O (mesmo) cara que fala de amor

Já era tarde da noite (da madrugada, para falar a verdade), mas ele continuava lá, sentado na mesa da sala apenas com o abajur e o computador ligados. Ficou vasculhando antigos arquivos e encontrou uma música da qual pouco se lembrava. Colocou para tocar e saiu na sacada para tomar um pouco de ar.

Essa é a vantagem de morar sozinho: poder ligar o som mesmo depois das três da madrugada e não correr o risco de acordar pai, mãe, avó, irmão ou irmã. A essa hora eles já estavam dormindo em casa, naquela longe e aprazível cidade interiorana. E ele lá, começando a ouvir a música.

Ele nem se lembrava do comecinho bobo da música. Ouviu os primeiros dez segundos da canção, acendeu um cigarro e ficou lá, olhando a cidade apagada. Assim que a música começou a ser cantada ele acabou se lembrando como o arquivo fora parar ali: ela – sim, ela – lhe havia enviado há um tempo.

Ela tinha ouvido aquele som um dia voltando do trabalho e falou que os versinhos fizeram-na lembrar dele. Ele, naquele dia, ouviu a música rapidamente e disse que era bonitinha, apenas para não fazer feio (na verdade, tinha odiado). Só no dia seguinte acabou ouvindo melhor e se apaixonou pela música. E por ela também. Foi depois de ouvir aquela música que ele realmente passou a gostar dela.

O vocal continuou, e ele já não estava se sentindo bem. Começou a suar um pouco. Decidiu voltar para a sala e sentar no sofá. Tossiu forte, quase vomitou no chão da sala – sempre que ficava nervoso quando sozinho, extremamente nervoso e sozinho, seu estômago o repreendia; maldito hábito. Respirou fundo e ouviu o versinho da música. “Ainda assim quero te ver”. Ele, na verdade, não sabia se queria. Não, não, ele não queria. Queria apenas sair daquele mal-estar. E não sabia mais como. Maldita música.

A música acabou depois de três torturantes minutos. Ele levou mais uns três para se recuperar, enxugar o suor da testa com as costas da mão e voltar para o computador. Antes, foi à cozinha para tomar um copo de água e sem querer olhou para o calendário na parede. Naquele dia... naquele dia completavam-se seis meses de que tudo tinha terminado. Já fazia mais de meio ano que aquela música estava lá, estacionada.

Voltou enfim para o computador, pronto para deletar a música para sempre. Antes, resolveu dar o último play. E mais um. E mais um. Passou o restante da madrugada em claro, ouvindo aquela música. E já não se sentia mais sozinho: aquelas lembranças o aqueciam.

Acabou lembrando daqueles versos sendo cantados logo cedo num domingo de manhã, ao pé do ouvido, pela voz dela. Amanheceu e ele ainda estava lá, absorto nas lembranças de um tempo que nunca vai voltar.

3 comentários:

Anônimo disse...

Rapaz, tu tá inspirado, hein?

Aquela série impagável das rapidinhas olímpicas deu lugar a uma bela seqüência de textos melancólicos (e/ou apaixonados?) digna de nota. Coisas do coração, é?

Tô quase voltando, cara! Boteco já, né? E vê se chama mais gazeteiros!

paula r. disse...

ah, felipe, não gosto de chimarrão mesmo! já tentei umas vezes e não ornou. mas quem sabe um dia isso mude, é questão de hábito.

e que bom que o seu poodle é bem macho, rs... mas até agora não achei nenhum poodle que me despertasse simpatia. quem sabe um dia isso também mude.

é, homem é burro mesmo e mulher também. a gente vai aprendendo, espero eu.

beijo

paula r. disse...

ah: músicas são sempre problemáticas. várias das minhas preferidas ficaram tão marcadas por coisas passadas que nem ouço mais.