terça-feira, 2 de setembro de 2008

Morte lenta

Abriu os olhos de sobressalto, assustado por não conseguir respirar – não pelo nariz. Tinha se esquecido de que já estava resfriado quando pegara no sono e que respirar pela boca lhe deixava aflito.

Demorou alguns breves segundos para perceber que sobre si havia um céu azul enfeitado de um sol forte. E que, por ali, passava uma brisa suave, com um barulho sincronizado com o sacolejar do mar. Mar? Ah, é verdade: tinha ido passar o final de semana na praia.

Pensou inicialmente que havia dormido muito tempo, mas logo depois percebeu que não fora tanto assim: o sol aparecia na mesma posição (não viu as horas porque não gostava de andar com relógio naquela situação, não gostava de ver o tempo passar quando estava com ela).

Era justamente ela que não o deixara voltar ao sono. Embora estivesse de biquíni ao seu lado ainda dormindo calma e tranqüilamente, sua presença o preocupava. E isso acontecia por um simples motivo: o confortava.

E foi olhando para ela que bons minutos se passaram até uma conversa interior lhe dominar.

- É, é ela. Não pode ser mais ninguém; ela é simplesmente perfeita.
- E como!

- O corpo dela é simplesmente perfeito. O rosto... a boca dela... ah, a boca dela. As mãos, o pescoço, os seios, a barriga. Uh, e que coxas! Até os pés – e olha que eu não gosto de pés. E... e até essa cicatriz no braço, putz!
- Pois é, mas... você já percebeu o que pode te acontecer?

- Hum... não. O quê?
- Olha só, tapado: não é perfeito estar aqui com ela?

- É.
- E... e se um dia ela não estiver mais aqui? E se hoje for a última tarde que você passar com ela?

- E por que eu iria pensar nisso?
- Você não ficaria angustiado? Não acharia que o mundo não teria sentido, que nenhuma outra garota seria tão interessante como ela...?

- Mas nenhuma garota é como ela, simples.
- Aí que tá o teu erro. Você parece estar tão envolvido, tão... tão dependente dela. Não seria melhor terminar... sei lá, agora? Melhor do que se envolver mais e mais e, um dia, se vir sozinho.

- Não, não, e...
- Pensa bem.

- ...
- ...

- Ok, verdade. Melhor... melhor terminar. Vai ser pior mesmo se um dia...
- Melhor mesmo.

- Então melhor acordá-la agora, e...
- E aí?

- Não, não rola.
- É, eu sei.

- O corpo dela é simplesmente perfeito. O rosto... a boca dela... ah, a boca dela...
- E as mãos, o pescoço, os seios, a barriga. Uh, e que coxas!

- E a cicatriz no braço, então!

Tentou respirar fundo e não conseguiu. Ainda com o corpo quente, correu para o mar gelado e ficou lá por alguns minutos. A morte lenta por causa de um resfriado mal-curado seria mais aprazível do que imaginar um possível fim.

2 comentários:

paula r. disse...

por mais difícil que seja, o medo não pode impedir que a gente viva. pra fazer isso tenho que me policiar o tempo todo, não é um hábito fácil esse tal de 'deixar fluir'.

e ó, beatles tem que estar acima de certas coisas, vai por mim.

Tiffany disse...

eu acho que as vezes é bom se arriscar em um amor assim.
eu me arrisquei, mas acho que a minha história com essa pessoa, já terminou :/

ótimo texto!