quinta-feira, 9 de novembro de 2006

Na frente de todos

- Então, mais uma vez, parabéns! Até dia primeiro, primeiro colocado.
Foi isso que a mulher do RH me disse. Importantíssimo pro meu ego, e não muito importante para o meu conceito de final de ano perfeito [nostalgicamente falando]. Mas fenomenal. A Eurocopa que me espere. Ou a África do Sul. Ou os dois, não sei. Mas a Copa América também não seria de todo mau.
Peguei o metrô e pensava só em dormir até chegar na minha estação. Só que não consegui, acho que tava muito cansado pra capotar [quer dizer, é duro passar uma noite em claro. Mas foi por um bom motivo, o jogo de vôlei foi incrível!] e tal. E não é bom dormir no metrô esse sono atrasado, porque você simplesmente capote e, quando acorda, acorda tonto [o pior de tudo é que, justamente quando você vai tomar banho num dia bastante frio, acaba a luz da sua casa e você tem que tomar o banho mais gelado do mundo, mesmo morrendo de sono. Acontece. É engraçado].
O sol está a pino [sem crase, porra!], os meus horários não serão alterados num futuro próximo, o ano está acabando, a minha pressão está boa [12 por 8, nada mal. Quer dizer, era o que a minha mãe dizia pra minha avó quando ela (a avó) estava com a pressão boa], tinha ficado na frente de todos os candidatos no tal processo seletivo... O dia tinha tudo pra ser daqueles de felicidade absoluta e tudo mais. "Mas como eu posso ser feliz se a Polônia sofre?"
Hoje, eu vi um garotinho cego. Ele tinha uns 5 anos e já andava com a bengalinha fazendo tec tec no chão, passando rasteira nas pessoas e tudo mais. Fiquei meio tocado, sei lá, nunca tinha visto isso. E fiquei com um pouco de dó dele, sei lá, não poder ver o mundo. Não poder ver os enfeites de Natal [cadê eles?] da cidade, não poder ver uma garota bonita, de olhos verdes, cabelos castanhos claros e um rostinho angelical?...
Hoje, quando eu fui dar a boa-nova ao velhinho que corta meu cabelo desde meus quatro anos de idade e minha barba desde dois meses atrás, eu vi ali, no canto da rua, uma mendiga que eu conhecia de vista. Não necessariamente de vista, mas é que ela trazia o pentelho do filho dela pra jogar bola com todo mundo aqui do meu condomínio. Tá certo que o moleque era um pentelho mala e tal, mas o fato é que a mulher tava lá, deitada na calçada, dormindo, abraçada com um cachorro pulguento. Já a tinha visto [normas culta, yeah!] algumas vezes antes, e ela também não tava com o filho. E hoje ela tava lá com o cachorro. Como ela era meio malucona, acho que o moleque foi parar em algum orfanato, na melhor das hipóteses. Muita gente falaria "ah, mas é melhor isso pra ele, né, ele deve estar feliz agora, levando uma vida boa e tal". Não sei por que, mas na hora eu pensei no meu cachorro. Ele é feliz, dorme bem, como bem, faz uma festa danada quando eu chego em casa. Come ração boa, come uns biscroks e de vez em quando ele até sobe na mesa - depois de pular na cadeira - e come um pouco de feijão, o que deixa meu irmão puto. Ele é feliz. Mas e a mãe dele? Ele deve ter chorado pra caramba quando ele foi separado da mãe dele. Será que ele não pensa nela, sei lá? Quer dizer... é estranho de se pensar.
Depois, fui tirar os pontos do dente que já não existe mais [maldita humanidade e a mania de ter sisos]. Fiz a cirurgia no posto de saúde em que a minha mãe trabalha e é chefe, e tal. Saúde pública. Cheguei lá, perguntei pela médica que é chefe enquanto a minha mãe tá no outro hospital [tadinha]. Como a minha mãe disse que era pra eu fazer. Falei com a mulher do balcão, ela fez a minha ficha e falou pra eu ir lá esperar, na fila com todo mundo. Fui, mas, sei lá, pensei que iam me passar na frente, como nas outras vezes. Mas achei melhor esperar. Quando cheguei lá, fiquei em pé esperando, prevendo esperar mais ou menos uma hora até ser atendido. No entanto, a dentista abriu a porta, falou com um paciente e estava fechando quando me olhou de relance. Na hora, reabriu a porta e pediu para eu entrar. Em cinco minutos, todos os pontos estavam retirados e eu já estava indo embora. Fiquei menos de 10 minutos lá. Mas quando eu saí, todo mundo me olhava [ou pelo menos eu pensava isso]. Saí de lá com a cabeça baixa, meio envergonhado e tal.
Quer dizer... alguém mais homem de lata pensaria algo do tipo "porra, minha mãe é chefe desse lugar! Se não fosse por ela, ninguém estaria aqui sendo atendido, e tão bem atendido. Então é mais do que justo, já que eu sou o filho dela. O primogênito, motivo de orgulho e piriri". Mas sei lá. E a galera que chegou lá, abriu ficha e ficou esperando? Eles não sabem que eu sou filho da Doutora Xis. E eles nem devem saber quem é a minha mãe. E aí é que fica evidente que rola alguma coisa que beira a discriminação: um garoto de 18 anos, bem vestido, com um tênis da Adidas e com uma camiseta polo que não era da Polo chega, passa na frente de todo mundo, é atendido e sai rapidão. Que putaria é essa? Sabe, eu fiquei com vergonha de ter feito isso. Todo mundo faria, inclusive eles, mas se eu me sinto tão engajado por não jogar lixo no chão e lutar por um país melhor, por que eu não esperei na fila?
Ah, porque, sei lá, eu sou brasileiro, né? E todo brasileiro tem aquele jeitinho.
Quer saber? A terra é uma beleeeeeza [e que beleeeeeeezaaa!!!], o que estraga é essa gente...
Tipo, sei lá, todo mundo pensaria que não tem problema nenhum eu passar na frente de todo mundo, ou então que o moleque filho da mendiga está feliz agora. Mas o que é certo, afinal?

Um comentário:

Sheyla disse...

Ah, curta o seu momento perfeito e sossegue a cabeça, oras.

[sem burocracias dessa vez].