quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Outro lado

Pode não ter sido o melhor dia que você já teve.

Talvez você tenha acordado às 7 horas com o telefone tocando na sala, saído correndo do quarto pensando que poderia ser uma emergência e, ainda cambaleando de sono (afinal, fora dormir às 4 horas), bateu com o dedinho do pé esquerdo na quina rodapé. E aí você atende, fala alô três vezes e a pessoa do outro lado da linha desliga sem dar uma palavra sequer.

Quando volta para cama, o telefone volta a tocar. Você vai atender de novo e, novamente, a pessoa desliga. Nervoso, leva o aparelho e o deixa na prateleira em cima da cabeceira da cama. Pela terceira vez em menos de cinco minutos, o telefone toca e você, no afã de fazer com que aquele barulho não atrapalhasse mais o seu sono, faz um movimento brusco e o livro que também estava na prateleira cai em cima de sua cabeça.

Nervoso, grita alô e a pessoa enfim responde. “Oi, eu quero falar com o Wandeílson?”. E aí você pergunta quem quer falar. O cara diz “aqui é o Almiro!”, e você dispara: “Vai pro inferno, Almiro, e não me enche mais o saco”.

Com dor na cabeça, não consegue mais dormir. Vai tomar o café da manhã, abre a geladeira e o armário e constata que não tem mais leite. Decide, então, ir ao mercado e comprar três litros para estocar. Quando volta para casa, atravessa a avenida e uma das sacolas se rompe e uma das garrafas de leite estoura em plena via pública. Sem saber se xinga a sacola, o supermercado ou as pessoas do ônibus em volta que riem sem pensar, acaba voltando para casa.

E aí você percebe que não tem muita coisa para fazer, então fica vendo reprises de alguns programas na televisão até que dê 10 horas da manhã. Querendo apenas arranjar alguma coisa para fazer, vai ao banco pagar a conta de telefone, mas a falta de rede nos caixas eletrônicos, a fila gigante e a boa vontade dos dois caixas que se revezavam no atendimento te seguram por lá durante 1h30.

Quando enfim volta para casa, percebe que está na hora de ir para o trabalho. Depois de tomar banho, se arrumar e fazer todas as coisas de praxe, pega o metrô. Só que entre uma estação e outra, o trem pára e o condutor avisa que, por causa de uma falha técnica, a operação ficará paralisada durante 15 minutos.

Tudo volta ao normal 25 minutos depois. Contudo, no momento em que o trem chega à estação seguinte, toda a população de São Paulo se espreme dentro de um vagão e a viagem se torna terrível. Mesmo assim, chega a tempo de almoçar rapidamente em um self-service. No entanto, todos no caminho estão abarrotados de gente, então você decide ficar mesmo no restaurante do seu local de trabalho. Após comer arroz com gosto de caixa, feijão temperado com aroma de plástico e mastigar uma carne borrachuda, vai para o trabalho.

Embora trabalhe com o que mais gosta de fazer, percebe que o futebol nacional está cada dia pior [tudo isso depois de noticiar em primeira mão que o Náutico acertou a venda do craque Vanderson Amazonense ao Stal Dniprodzerzhynsk (cuidado para não inverter as letras!), da Ucrânia – o novo centro do futebol mundial].

O clima do dia não melhora quando a noite chega. Na faculdade, tem duas aulas que, certamente, não vão acrescentar nada no seu futuro. E, ao voltar para casa, a bateria de seu reprodutor de MP3 apaga na metade de uma música legal. Tudo parece conspirar para que a situação só piore.

Mas quando abre a caixinha de correio para pegar a última leva de contas do mês que você percebe que, no meio das taxas de luz, água e gás, tem um envelope escrito à mão. Com uma letra redondinha, caprichada, e com o seu nome nele.

E então, ao abrir, lembra que aquela carta que você enviou a uma amiga distante, em uma noite fria de domingo, quando estava levemente deprimido, foi respondida.

Pode não ter sido o melhor dia da sua vida. Mas, apesar de tudo o que tenha acontecido, às vezes você percebe que a vida vale a pena.

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