segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Sociedade secreta

Descobrir algo novo no restaurante onde você almoçou em 190 dos últimos 240 dias faz com que seu mundo se torne, no mínimo, diferente.

É como se o sentido da vida se revelasse a troco de uma singela coincidência: todos os trabalhadores da Cerqueira César decidiram almoçar ao mesmo tempo naquela segunda-feira. O piso térreo, que antes chegava a ficar apinhado, mas sempre reservava uma mesa livre para uma refeição tranqüila, tinha pela primeira vez em muito tempo (talvez anos) estourado o limite de capacidade.

Nessas horas, um simples mortal ficaria parado mo meio do salão com uma bandeja na mão e um olhar vago, na simples esperança de que alguém com nobre coração se levantasse e cedesse uma mesa. Mas não é o que acontece no mundo real, meu caro.

E é em um momento como este em que um olhar faz toda a diferença. Um olhar e uma mulher subindo aquela escada, quase escondida, localizada em um dos corneres do restaurante – aquela mesma escada que você pensava ser de uso apenas para funcionárias e pessoas autorizadas.

Sem poder almoçar e com fome de aventura, a única coisa que lhe resta é seguir a tal mulher. Bastam alguns degraus para que a sua visão de mundo (e de restaurante) mude: você descobre um piso superior, com muitas mesas vazias e pessoas almoçando normalmente.

Normalmente? Hmm, nem tanto. Apenas alguns passos são necessários para que a primeira diferença seja notada: a televisão, que no térreo fica sintonizada na Globo mostrando o Video Show, no andar superior exibe as Aventuras do Pica Pau. A versão antiga, que passava no SBT durante as manhãs e que depois foi comprada pela mesma emissora global, que fez com que o simpático e cínico personagem caísse no esquecimento, e não aquela estragada pela Disney. Mas o importante é que, agora, seria possível rever o seu desenho animado preferido ao longo da infância enquanto almoçava aos 19 anos. Claro, sentindo uma leve nostalgia de algo que lembrava a casa da avó depois das aulas do primário.

Com mais uma pequena andada pelo novo ambiente, mais uma novidade. Se antes você achava que ninguém do seu senso comum almoçava naquele self sevice, agora as coisas seriam diferente. Por mais estranho que possa parecer, você passa a reconhecer algumas faces que freqüentam o restaurante. Dois caras do RH do seu trabalho, uma garota do período da manhã da faculdade com quem você costuma cruzar no elevador e até uma pessoa que você viu no metrô em alguma manhã da semana passada. Quem diria, eles também almoçam por lá!

Quando você enfim encontra a sua mesa (que estava ali te esperando há muito tempo), percebe que, diferentemente do piso térreo, o novo andar tem bisnagas de catchup e mostarda à disposição. Embora você não use os tais condimentos no arroz com feijão, é sempre bom saber que eles estarão lá no caso de uma emergência.

Depois da refeição e do épico episódio do Pica Pau desce as cataratas, mais uma gratificante surpresa: a fila do caixa é mais rápida – muito mais do que no térreo. E a funcionária sorri, algo que você jamais imaginou que seria permitido aos proletários daquele lugar.

E, para terminar, depois de pagar a conta, você ainda ganha um carimbo na nota fiscal. Algo que realmente o diferencia da população normal.

Após essa descoberta, você sai do restaurante e se sente gratificado. Como se tivesse acabado de entrar para uma sociedade secreta.

Um comentário:

Anônimo disse...

E æ, rapaz!

Cara, descobri seu blog nem sei como, mas foi muito bacana ler todos os posts q estão na home . . . Parabéns mesmo pelo blog. Dei risada e me identifiquei muito com seu jeito de escrever.

Grande abraço e sucesso sempre!