sábado, 30 de setembro de 2006

Um ponto final para a dor

Hoje, o moleque faz 14 anos. É por isso que falam que o tempo passa, voa, e, quando a gente vai ver, já tá num asilo e tudo mais. Vê que não viu o tempo passar e se vê com vontade de curtir o que já ficou no passado. Ficou no passado, mas não entrou pra história. E não entrou pra história simplesmente porque você não teve disposição para morrer pela meta.
Ou também não entrou pra história porque você preferiu fazer outras coisas enquanto poderia viver. Fez Inglês, natação e estudou. Tá, cumpriu todas as obrigações que uma criança abastada tem. Só que aí, em vez de se divertir como uma criança abastada, foi um abestalhado [eu juro que eu não queria fazer essa brincadeira de palavras; eu nem gosto muito disso] e quis crescer. Quis ser adulto, desejou deixar de ser criança o mais rápido possível.
Enfim, hoje o moleque não é mais criança. Aos 14 anos, eu tomava meu primeiro porre de meia latinha de Kaiser. Eu tinha uma paixão [muito] platônica, eu já sabia passar roupa e cozinhar. Eu não era mais criança aos 14 anos. Eu via o Brasil ser pentacampeão mundial, eu já tinha barba. Definitivamente, a infância tinha espaço apenas na quadra de futebol.
[isso daqui tá com cara daquelas lições de moral que um pai faz uma vez por mês pro filho dar valor ao que tem, né?]
Pois bem. Eu já tinha falado isso aqui, que o moleque tinha 14 anos e a referência da infância vai só entrar pra história. Vai entrar pra história, sim. Poderia ter virado marco e tal, mas... mas não foi lá muito bem aproveitada.
E aí hoje, voltando pra casa depois do almoço com o meu irmão, com 14 anos, eu parei na padaria. Parei o carro na padaria, o moleque entrou pra comprar pão. E eu fique flanando enquanto ele não era atendido. Vi, na porta da padaria, um velhinho japonês. Ele parecia bem cansado, bem vivido. Não andava mais com aquela facilidade e desenvoltura de 60 anos atrás. Ele tava na frente da banca de jornal, tava lendo as manchetes do dia. Eu nem sei quais são as manchetes do dia. Talvez o acidente do avião [e eu fico aqui pensando: vai ser burro lá na casa do caralho. Bater um avião? Ah, vai tomar no cu! Como consegue? Nem eu tive a proeza de bater o carro ainda! E olha que há uns 8 bilhões de veículos só na cidade de São Paulo. As ruas são estreitas e ninguém respeita ninguém. Como o filho da puta consegue bater um avião no outro? Nem que estivesse bêbado!], as eleições e o dossiê... essas coisas. Pra mim não interessam essas notícias [então tá fazendo Jornalismo por quê, filho da puta?].
Não interessam, não. A primeira capa do meu jornal seria "Pivete tá velho", com manchete principal. As outras chamadas seriam "Idiota vai se foder na prova de Inglês", "Frio vai fazer o final de semana ser um caralho" e "Eleições: vai pegar metrô pra votar, babaca!". Quer dizer, eu ouvi falar que isso tem a ver com a porra do newsmaking. Ou o gatekeeper, fait-diver, a proximidade... alguma coisa assim que eu já não lembro.
A prova disso tá na capa no De Morgen, da Bélgica. A manchete deles é "Uw hoofdredacteurs voor vandaag". Ou seja, a Seus principais editores de hoje. A manchete deles são os próprios jornalistas. Porque a Bélgica nem deve ter notícia, né. Mas a chamada principal é "Voor het eerst praten de ouders van de vermoorde Luna: 'Je hoopt dat er een deadline is, dat er een eind komt aan de pijn'". Oooou seja, Pela primeira vez, os pais de Luna falam sobre o assassinato da filha: "Espere, porque haverá um ponto final que vai representar o fim da dor". Lá, não interessa saber que um brasileiro tosco bateu em outro avião. O que quer dizer que, pra mim, interessa só as manchetes que eu falei.
Caralho, voltando...
Vi, na porta da padaria, um velhinho japonês. Ele parecia bem cansado, bem vivido. Não andava mais com aquela facilidade e desenvoltura de 60 anos atrás. Ele tava na frente da banca de jornal, tava lendo as manchetes do dia. Aí ele parou de ler uma, e uma pomba tava chengando perto dele. Não sei de onde ele tirou a disposição pra dar um chute na pomba. Ele não acertou, mas bem que tentou. E queria ter acertado. Eu não o culpo por isso, quer dizer, todo mundo fala mal ao quadrado das pombas, então é normal que as pessoas não suportem as pombas. Só que... será que 75 anos atrás, ele não corria atrás das pombas para brincar com elas? Será que ele não implorava pro pai dele por um passeio em que eles pudessem alimentar os pombos e tudo mais? Tipo, todo mundo, quando criança, adora alimentar os pombos. Eu adorava. Muito. Muito mesmo. E hoje eu já estou pouco me fodendo pra elas. Será que eu vou chutar as pombas quando eu tiver 80 anos?
É por isso que as pessoas não entram pra história. Simplesmente por isso. Porque mudam de opinião, vontade e paixão assim como mudam de cueca.
Ah, humanidade!
[Let op! Traduções não são literais. Nem fodendo. Vai da intuição do garoto aqui, que tem pouco mais do que algumas semanas de aula de Holandês]
O post acabou rápido, né? É que a minha inspiração também acabou.

Um comentário:

Sheyla disse...

Olha, as ruas são estreitas MESMO!
Óbvio que essa parte não é a mais interessantes nem é a essência do post, mas você sabe, né, estou com esses assuntos de direção na cabeça.

Putz...se eu pudesse escolher as manchetes, nem sei quais seriam. Queria um monte de palavras felizes, só.

=*