terça-feira, 2 de novembro de 2010

"As coisas mais lindas que já quis te dizer"

Aquilo não seria duradouro, eles sabiam. Cedo ou tarde terminaria, por mais que ambos tentassem prorrogar ao máximo o momento em que teriam que se despedir – talvez para sempre. Assim, preferiram se proteger daquilo que é o mais doloroso para um casal em tal situação: os sentimentos. Ou pelo menos foi o que tentaram, quando combinaram que nunca diriam um ao outro exatamente aquilo que pensavam.

Só que não demorou para perceberem que todo o plano ia água abaixo quando se viam diariamente, esgotavam os assuntos e se pegavam mirando fixamente nos olhos do outro prestes a dizerem aquilo que nunca deveria ser dito. Então piscavam fundo, mudavam o assunto e tentavam seguir essa relação, regada de cumplicidade. Era para o bem deles.

Apenas uma vez não souberam se controlar; ela lhe disse “te quero” e ele respondeu “eu também te quero, e muito”. Depois não falaram mais nada, e deram continuidade ao que viviam.

Então em uma tarde ele teve uma ideia. Comprou um caderno e, no centro superior da primeira página, escreveu “As coisas mais lindas que já quis te dizer” e percebeu que as letras expressavam toda a necessidade de extravasar aquelas sensações que lhe comprimiam a garganta. Observou aquele título, sublinhou-o para dissimular uma suposta segurança no que havia escrito e pulou uma linha.

Estava pronto para começar a arquivar ali diariamente tudo o que passava por sua cabeça a respeito dela. Antes de pular uma linha, fazer um hífen e abrir as primeiras aspas, pensou na frase que fecharia aqueles relatos. Então encostou a ponta da caneta preta a um dedo da margem esquerda e, enfim, deu início à tarefa.

Quanto mais escrevia, porém, percebia a insanidade que aquilo representava. Em vez de encontrar o alívio que esperava, notou que cada palavra que surgia sobre o papel o deixava mais e mais inquieto. Aquilo fugia totalmente de seu controle. Estava inseguro sobre o que sentia. Ligou para ela, que reagiu com surpreendente calma ao ouvir um “Precisamos conversar”.

Marcaram dali a meia hora, no apartamento dele. Ela entrou, ele rapidamente fechou o caderno que havia esquecido sobre a mesa da sala, a convidou para ir ao quarto e sentar-se na cama e pensou em como começar aquele assunto. Achou melhor, então, aguardar a oportunidade ideal.

Entretanto, não demorou tanto para que ela iniciasse o assunto mais delicado. “Não quero me machucar. Tento não pensar nisso, mas sei que vou. Gosto de você, muito, talvez nenhum de nós saibamos quanto. E não quero que nos machuquemos. É melhor tomarmos uma decisão. Logo”, explodiu ela, sem se importar em secar as lágrimas que escapavam de seu olho direito, caíam sobre o travesseiro dele e manchavam a fronha com rímel. “Agora me diz: o que você quer me contar?”.

“É que... que... bom... lembra quando me disse que me queria e eu respondi que também te queria?”, perguntou, com os olhos marejados. Ela assentiu com a cabeça, e ele prosseguiu. “A verdade é que eu estava errado. Pensei muito nisso e percebi hoje que não foi a coisa certa a te falar”.

Ela não respondia, mas tampouco dava sinais de estar atônica. Dissimulou aquela angústia que dominava todo o seu corpo e manteve o silêncio. Depois de alguns segundos, ele tomou fôlego e continuou. “A verdade é que eu não te quero, mas que... que... que eu te amo”.

No dia seguinte ele arrancou a página que havia preenchido na tarde anterior e guardou o caderno na gaveta. Nunca mais escreveria aquilo que queria dizer para ela. Ambos consentiram que havia sido um erro gravíssimo esconder tudo aquilo que sentiam e optaram por não pensarem no futuro, já que estavam aproveitando tão bem o presente.

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