quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Cinza

O mundo não parava de girar. Fazia tempo que ele ouvira isso, ainda era uma criança quando aprendeu que a Terra estava sempre em movimento. Nunca tinha duvidado, até sentir muitos anos depois que... tudo tinha parado. Tudo, tudo mesmo.

Na verdade, não era bem assim. Nem tudo havia parado. As coisas ao seu redor se moviam de uma forma incrivelmente rápida. Apenas as coisas que o envolviam estavam... paradas. Religiosamente paradas. Caoticamente paradas. Sacalmente paradas. Insuportavelmente paradas. Uma calmaria terrível.

Até que... até que um dia acordou, já não era cedo. Era bem tarde, para falar a verdade. Saiu da cama, colocou uma calça e uma camiseta, ligou a televisão e se deixou cair sobre o sofá. A programação da televisão seguia a mesma toada da calmaria. Nada de espetacular àquela hora da manhã, perto do almoço.

Deu alguns passos, foi para a cozinha e não achou nada de interessante na geladeira. Olhou pela janela, viu um dia cinza. Cinza, nada atraente. Mas resolveu desafiar aquele dia de aparente marasmo, correu a porta e foi para a varanda. Sentiu um bafo quente bater em seu rosto e chacoalhar seus cabelos. Deu um sorriso.

Apoiou-se no parapeito e aspirou o ar fundo. Novo sorriso. Estranho como estava dando sorrisos assim, a esmo. Apalpou os bolsos, viu que ainda havia um cigarro solitário no maço já amassado - bem amassado. Caçou um isqueiro em um outro bolso, deu a primeira tragada. Acompanhou o desenrolar da fumaça no ar. Abriu as feições, já estava sorrindo descontroladamente.

De lá de cima, forçou os olhos e viu todos aqueles carros parados muitos andares abaixo. Freavam, paravam quando todos os semáforos se avermelhavam ao mesmo tempo. Voltavam a andar quando o verde piscava e lentamente desapareciam de vista. Os pedestres, nas calçadas, marchavam em um ritmo ainda mais calmo. Era uma calmaria generalizada.

Ele também percebeu que vivia uma calmaria naquele momento. Mas apenas naquele momento. Ficou tonto quando percebeu que, na verdade, tudo estava girando. Tinha voltado a girar com o resto do mundo. Não sorriu desta vez, mas gargalhou. Havia deixado a calmaria – temporariamente ou não; ele não se importava com o tempo.

Olhou mais uma vez para cima. O céu continuava acinzentado, aparentemente triste. Não para ele, que vivia aquele momento como se fosse o mais ensolarado dos dias. Lembrou das aulas de Literatura do colégio, que o ensinaram a cor-local. Ironizou a cor-local. Riu da cor-local.

Perguntava-se: quem disse que um dia nublado não pode ser estonteantemente bom?

4 comentários:

Anônimo disse...

Os dias cinzentos geralmente são os melhores, principalmente quando a gente pode ficar só "contemplando" o que está ao nosso redor e pensando na vida.

Nada melhor do que parar um pouco com essa loucura toda e pensar na vida em um dia nublado. Eu gosto!

Fabrício Persa disse...

eu ficaria desse mesmo jeito caso houvesse ao anoitecer das horas, alguma ciranda, algum terno de reis, algum samba de roda, algumas besteiras com os amigOs.
hehe... nessas horas não há dias escuros.
inté.

paula r. disse...

o dia nunca se faz bonito sozinho, já reparou?

Bonie disse...

O que diabos é cor-local??

(E os meus comentários são os mais nonsense)

=*