terça-feira, 25 de setembro de 2007

Sorriso Kolynos

Ao abrir o armário do banheiro, senti grande parte da minha infância passar na frente dos meus olhos por causa de uma besteira. O antigo creme dental tinha acabado e sido reposto por um novo, com a embalagem de um amarelo bem clarinho e a tampa escura.

Foi instantânea a imagem que veio à minha cabeça: era uma pasta Kolynos! Em frações de segundos, pensei que tinha ficado por fora de todas as notícias do mundo e acabei ficando por fora do retorno da antiga marca de cremes dentais. Mas pisquei duas vezes e vi que estava enganado: era apenas uma Colgate herbal fresh mint total 12 anti-tártaro branqueador tripla ação e algumas outras frescuras. Ou seja, não era nada de mais.

Mas fiquei com a imagem da Kolynos no resto do dia. E passei a ter algumas recordações de quando dormia na casa da minha avó quando eu tinha seis anos.

Dormir na casa da minha avó era legal. Assim que acabava a novela das sete da Globo, ela chamava todo mundo da casa para jantar. Todos (meu tio e eu) se sentavam no mesmo lugar da mesa (e ninguém ousava mudar) e se serviam de leite quente e pão com manteiga, queijo e presunto. Na verdade, ela fazia questão de preparar o meu sanduíche. Eu adorava.

Depois, todos iam para sala e viam tevê. Meu tio às vezes saía da sala e ia fumar no quintal. Tinha vezes em que eu ia atrás dele e a gente ficava conversando. Sempre gostei de conversar com o meu tio. Então voltávamos pra sala e ficávamos na frente da tevê. Minha avó não gostava que a gente falasse durante os programas, mas adorava conversar durante os intervalos.

Sempre víamos o Globo Repórter, mas apenas gostávamos daqueles que eram sobre animais. Minha avó adorava animais, e naquela época meu sonho era virar biólogo, para cuidar de animais. Era legal.

Acabava o Globo Repórter e íamos dormir. Meu tio ia para o banheiro dele e eu ia para o da minha avó escovar os dentes. Sempre tinha uma pasta Kolynos por lá (aqui em casa, todo mundo gostava de Colgate). E escovar os dentes com Kolynos era uma coisa de outro mundo. Era uma sensação fantástica.

E apenas então íamos dormir. Minha avó fazia questão de que eu dormisse com ela, no lado da cama que durante muitos, muitos anos dormia meu avô. Ela deitava, apagava os abajures e a gente conversava um pouco. Então ela dormia e eu me sentia esquisito, por não estar dormindo na minha cama. Mas confesso que tinha medo. Tinha um quadro enorme de Jesus no quarto da minha avó, bem em frente à cama. Ele sempre olhava para mim, e eu tinha medo.

Demorava, mas eu pegava no sono. E acordava sempre por volta das 3 da manhã com a minha avó roncando. Mas nunca reclamei e nem nada. Até porque Jesus estava sempre me olhando, e eu tinha medo de ser castigado se reclamasse do ronco da minha avó. Então eu voltava a dormir.

Acordava por volta das 6 da manhã, e minha avó não estava mais na cama. Ela já tinha levantado, tomado banho, preparado o café... Então eu saía da cama, cumprimentava a minha avó e ia para o quintal, onde meu tio fumava o primeiro cigarro do dia. Depois tomava café com leite, comia pão com manteiga e ia para sala ver Telecurso 2000. Até que o relógio anunciava 8 da manhã, e eu ia para o mercado com meu tio e a minha avó fazer compras.

Íamos ao Peralta, na Indianópolis. Gostava de lá, e achava engraçado o fato de a cabeça do P passar por cima das outras letras. Lá, minha avó comprava coisas para casa, carne, peixe, tomate e algumas verduras. Então colocávamos tudo no porta-malas e íamos para a feira.

Ir para a feira era legal. Gostava de andar ao lado da minha avó, ajudá-la a carregar a sacola abarrotada de frutas. E ela sempre dizia para os feirantes que eu era o neto dela, que era um bom menino, não dava trabalho, era um bom aluno... Minha avó tinha orgulho de mim.

Feliz por ser ajudada pelo neto, minha avó sempre me recompensava comprando algum brinquedinho qualquer na feira. Um bonequinho, um carrinho, qualquer besteira. E, antes de irmos embora, meu tio e eu comíamos um pastel, tomávamos caldo de cana (o dele era sempre com limão) e jogávamos um pouco de futebol com alguma laranja que havia caído de alguma barraca.

E então voltávamos para a casa da minha avó. Assim que abríamos o portão de casa, o papagaio gritava feliz do outro lado do quintal. Assim como todos os periquitos do viveiro, os 17 passarinhos [canários, canários da terra, canários belga, pintassilgos, coleirinhas, cardeais (que eu chamava de pica-pau), trinca-ferros, rouxinóis, azulões... e meu preferido era o pixoxó. Minha avó tinha um pixoxó, e eu gostava dele porque sempre tomava banho e ficava molhado, descabelado] e os cinco jabutis. Todos os bichos da casa recepcionavam a minha avó.

Assim que chegávamos, minha avó me preparava um suco de laranja lima. Na época eu não gostava muito, mas tomava com gosto porque os sucos que a minha avó fazia eram muito, muito bons. E só depois de fazer o suco para o neto que ela começava a guardar as compras na geladeira. Depois almoçávamos nhoque (eu sempre roubava alguns antes de serem cozidos) e minha mãe me trazia de volta pra casa.

...

Não lembro quando foi a última vez em que fui à feira com a minha avó. Mas faz muito tempo.

Nunca mais fui à feira. O Peralta foi comprado pelo Pão de Açúcar. Meu tio não fuma mais no quintal porque não há mais quintal. Aquela casa grande, bem cuidada e que emanava alegria foi vendida. Às vezes passo em frente e fico triste por ver os muitos jardins que minha avó dava a vida para deixar em ordem estão destruídos.

Hoje gosto de suco de laranja. E sinto falta daqueles que a minha avó me preparava todas as manhãs. Nunca tomei nenhum igual.

Nunca mais escovei meus dentes com Kolynos. Em 1997, um comercial foi ao ar dizendo que, temporariamente, o nome da pasta de dente mudaria para Sorriso (lembro que estava na casa da minha avó nesse dia). E nunca mais voltou.

E nunca mais dormi com a minha avó. Pelo menos duas vezes por semana ela dizia que não chegaria aos 70 anos e não iria me ver formado. Ela acertou. Infelizmente.

Um comentário:

Carolina Maria, a Canossa disse...

Estou cada vez mais assustada com nossas semelhanças: eu também adorava ficar na casa da minha avó e ir à feira com ele. E lá também tinha Kolynos. MEDO.

Eu não gosto de Polishop. Experiência traumática com aqueles safados. Outro dia ou conto.