quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Releitura

Andava cabisbaixo, sozinho e abandonado entre a multidão sempre apressada que por ali passava, desde as últimas horas da madrugada até as primeiras horas do dia seguinte. Enfiava as mãos nos fundos dos bolsos da calça, como se isso fosse o suficiente para mantê-lo escondido de todo o mundo.

Por um breve momento, entretinha-se chutando para frente e depois chutando mais para frente ainda uma pequena pedrinha que havia se desvencilhado de uma rachadura na calçada. Era uma terapia, e aquela brincadeira infantilizada era o suficiente para tapar-lhe os ouvidos dos próprios pensamentos acelerados que se chocavam estrondosamente com os cantos da cabeça.

Aquela meditação foi interrompida com um susto, com uma mão que lhe pousava o ombro.

"Ei! E aí, tá tudo bem?"

Era seu amigo, com quem havia desmarcado o último jogo de futebol, as duas últimas cervejas e a quem havia ignorado as últimas três ligações no celular.

"Ahm, oi!"

Não respondeu que não estava tudo bem. O amigo sabia a resposta certa.

"Cara, vou te falar: você tá sofrendo à toa. De verdade. Está se esforçando para ver o pior lado dessa história, que no fundo tem algo de bom! Respira fundo, sério! Esvazia essa cabeça e deixa se levar um pouco pelo coração. Você vai ver como isso vai te fazer melhor".

Eram amigos daquele tipo que a mãe de um já virou tia. A avó de um já adotou o outro como neto. O pai de um fazia brincadeiras sobre futebol no Facebook do outro, que respondia com um palavrão. Mas ele não entendia como o amigo podia ser tão demagogo naquele momento. Onde já se viu? "Não tenha medo, sério! Vocês foram feitos um para o outro. É que você está sendo egoísta e não está pensando como ela. Na hora que você entender isso..."

Palhaço. Estava cansado de ouvir aquele blablablá de "pega leve, você está querendo carregar o mundo nas costas". Ele não era assim. Recusava-se a dar de ombros e a aceitar que algumas coisas não têm explicação. Era contra admitir que a ignorância inocente era o melhor atalho para a felicidade.

O amigo percebeu que o discurso talvez não estivesse dando certo e preferiu tentar uma outra abordagem. Era muito bom nesse aspecto motivacional, precisamos admitir.

"Cara, larga a mão de ser besta. Você vai ficar aí chutando pedrinha pra cá, recusando chamada no celular pra lá? Só você que pode mudar isso. Mas sabe o que tá acontecendo? O grande problema é você, que acha que não é capaz e que precisa de ajuda. Só depende de você, pelamor, entende isso! Vai dar certo, você vai conseguir".

...

"Tá, eu sei que tô pegando um pouco pesado, mas não me leva a mal. O que eu tô falando é que... sei lá. Se você quiser ficar trancado no teu quarto sofrendo sozinho e ouvindo aquelas tuas músicas lá, o problema é teu. Mas tenta tirar o lado de tudo isso e para de achar que isso é o fim do mundo".

"Eu sei. Não, tá, tudo bem, te agradeço. Vou tentar sim. Fica tranquilo, vai dar tudo certo".

Despediram-se.



Porque, às vezes, você ouve uma música e uma história fica na tua cabeça. Por isso, qualquer semelhança com Hey Jude é proposital. 

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