quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Mate cocido


Queria te falar que estou tomando chá. É, sei lá... aparentemente, que grande coisa há em tomar chá às 3 da madrugada? É que pode não parecer, mas há muito por trás da canequinha com água quente que tenho aqui do meu lado.

Na verdade... não necessariamente da caneca. Acontece que estou tomando aquele chá que você preparava para mim no café da manhã. Ou então durante a tarde, se fazia muito frio ou se eu ficava doente. E como eu ficava doente com você – e como eu era doente por você.

Foi sem querer. Parei na cozinha para comer qualquer coisa e... não sei. Resolvi tomar chá. Quente. Mate cocido. Green Hills. Daquela mesma caixinha que eu havia comprado no último dia em que eu te vi. Ela ainda estava aqui. Novinha, lacrada, durante todo esse tempo. Nunca tive coragem de abri-la.

Eu sabia que, se abrisse aquela caixa de chá, abriria com ela todas as urnas que estavam enterradas e acorrentadas e trancadas com cadeados pesadíssimos no interior da minha memória. Tantas lembranças, tantas visões, tantos sons e imagens e cheiros e sensações que eu guardo aqui comigo tentando apenas me convencer de que tudo foi apenas um sonho.

Seguro a caneca, olho o vapor que sai de dentro dela e vejo você, sem maquiagem, de pijama, o cabelo desarrumado e cheio de nós... você ali de pé, no fogão, erguendo o bule e caminhando descalça para o balcão, com a bunda arrebitada. Parava nas nossas canecas, enchia primeiro a minha, verde, e depois a tua, bege amarelada. Eu me divertia com aquilo.

“Mate cocido, común... de qué querés?”. “De coca”, eu respondia. Gostava de ver você girar os olhos para cima e morder o lábio inferior, balançando a cabeça e fingindo que estava cansada das minhas piadas sempre iguais, repetindo que me proibia de tomar chá de coca. Eu aceitava tua restrição e me rendia às outras opções. “Qual a diferença?”, eu te perguntava. Você não sabia responder, e eu sempre escolhia mate cocido. Nunca común. O comum não se nos encaixava naquele momento.

Então você se sentava do meu lado, eu colocava a mão na tua coxa. Ligávamos a TV para ver algum desenho e ficávamos lá, conversando sobre qualquer coisa, descobrindo e redescobrindo tudo o que já sabíamos um do outro.

Agora tomo meu chá e sinto teu gosto nele. Sinto o calor dos teus beijos, que sempre foram sob medida para mim. Lembro quando íamos tomar sorvete nas terças à tarde e eu não me cansava de roubar beijos de você. “Pico frío”, eu te dizia. Aquela sensação de quente e frio... ah, como isso me matava. Era a sublimação do meu ser, o sentimento mais inexplicável e a maior certeza de que Deus existe e me queria muito bem. A ponto de me fazer sentir maior do que ele, ainda que de uma maneira fugaz.

E aí eu tomava um gole de chá e te olhava erguer a tua caneca com as duas mãos, como um esquilinho que havia acabado de roubar uma noz e sabia que tinha feito algo feio. Você tirava os olhos enormes de mim, enchia a boca de chá, respirava fundo e engolia, tentando não fazer barulho e fazendo um “glup” que me fazia esquecer a dor do mundo. Eu parecia uma criança, rindo, me divertindo a cada gole teu e me inundando de ternura cada vez que você me dizia “no me mires” e tapava o rosto com as tuas mãozinhas morenas de esquilo.

Me acalma o coração lembrar tudo isso, sabia? E... me explode o coração de angústia saber que nunca mais verei isso de novo. Eu deveria (e talvez queira) te odiar para sempre. Não pelas coisas ruins que vivemos depois daquele nosso último chá. Mas por você ter feito com que eu não soubesse mais sorrir de uma maneira tão espontânea sem te ver tomando chá.   

2 comentários:

Elizabeth Roma disse...

Nossa você escreve muito bem... Pena que esteja sentindo falta de alguém. Desejo que você volte a sorrir da forma espontânea que descreveu com tanta perfeição... Eu nunca tive um amor assim, mas ainda sou nova, espero que ele venha.

Felipe disse...

Super super obrigado, Elizabeth. Pelo elogio, pelas palavras doces, pela leitura. De verdade :)