terça-feira, 16 de janeiro de 2007

A marcha e a Avenida Vermelha

O bom da vida é que ela pode nos proporcionar as coisas mais diferentes em pouco tempo, fazendo tudo parecer ser diferente do marasmo que realmente é (e o bom de não ter inspiração para começar alguma coisa é que um clichê abre muitas portas). Digo isso não só por mim, mas... Quer dizer, digo isso simples e unicamente por mim.

Após uma manhã bem comum para uma pessoa bem comum – acordar às seis da manhã, tomar banho, brigar com o cabelo, fazer a barba, tomar café da manhã na padaria e pegar metrô lotado –, algo um bocado incomum se passou. Não incomum, porque isso vem acontecendo até que com uma certa freqüência, mas... não sei, tive mais um acesso repentino de confiança. Com um som estimulante nos ouvidos, senti meu nariz formigar durante três segundos. Dei um sorriso quando lembrei que estou tomando remédio contra a rinite e percebi que não seria um acesso de espirros que eu ia ter.

Aos poucos, fui levantando a cabeça e vendo o brilho do sol quase sobre a Avenida Paulista. Não sei se isso realmente aconteceu ou se eu tô colocando isso só pra enfeitar o texto, mas até senti um raio de sol através das lentes do óculos, fazendo com que minhas pupilas se contraíssem um pouco.

Senti minhas pernas mais leves e achei que era mais importante engrossar o passo. Deixe de pisar cuidadosamente na calçada irregular e, com o nariz em paralelo com o solo, marchei sobre o tapete que se estendeu sobre a Avenida Vermelha. Marchei, e sentia que as pessoas que passavam ao meu redor veriam toda a confiança do mundo concentrada no meu olhar. Com um ponto fixo, encarava qualquer pessoa que virava a esquina da Consolação com a Paulista e ela (a pessoa, não a avenida) se sentia intimidada com um olhar tão confiante – embora eu estivesse apenas atravessando a Joaquim Eugênio de Lima.

Não sei o que me bateu, mas esse excesso de confiança foi bom. Fiquei aliviado por ter apenas que passar o cartão sobre o leitor. Por um instante, achei que estava com excesso de um milhão de substâncias proibidas no sangue e seria pego pelo comitê antidoping do sindicato.

Sete horas depois, sabia que deveria apertar o único botão que não estava enfileirado e que me levaria pra casa. Sem entender por que, apertei o 5 e, sete andares abaixo, tudo voltaria ao normal.

É quando o elevador abre as portas e uma sombra de pensamento corre sua cabeça de uma ponta a outra. Uma previsão, dessas que deprimem qualquer um. Encontrar pessoas que não se quer encontrar e abalar ainda mais a imagem bonitinha que eu tenho guardo. O constrangimento do primeiro olhar, o desânimo no cumprimentar, o monossilabismo ao – educadamente – retrucar e o alívio ao – enfim – saudar dizem por mim.

Não sei, isso me deprime um bocado. Essa coisa de adivinhar o mundo, saber que as coisas acontecem. Falam que pensar coisa ruim atrai, mas por que eu vou fazer boas previsões se eu não encontro quem eu realmente quero encontrar? Mudo caminhos, corro perigos e conto todas essas mentiras só para rever um olhar e, tendo a certeza de que não acontecerá, volto pra casa achando que no dia seguinte, talvez...

Além de que o mundo é previsível, como se tudo fosse obra de um roteirista de quinta ou do Paulo Coelho, tem-se a idéia de que nada vai mudar. É, nada vai mudar. Por um momento, ao olhar de cima, todas as pessoas são iguais. De baixo, também. São os mesmos medos, os mesmos sonhos, os mesmos fracassos, os mesmos assuntos, as mesmas mesmices.

Aos poucos, novamente na Paulista, o sol se esconde atrás de uma nuvem. Minhas pupilas dilatam e, cuidadosamente, volto a pisar na irregular calçada. Olho para baixo para não tropicar, para não tombar – no sentido de rei da palavra – e para mostrar que toda a confiança não é nada perto de um mundo todo igual.

Sinceramente, uma raça em extinção
[não a humanidade contemporânea, mas a de garotos do anteontem]

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