Se existe alguma invenção que vai revolucionar a vida em sociedade, os tocadores de MP3 são os mais cotados para causarem uma mudança no mínimo considerável entre as pessoas de uma cidade grande. E desde já os aparelhos mostram esse potencial.
Pequenos, finos, portáteis e com capacidade para armazenar muitas dezenas, talvez centenas e, alguns até milhares de sons. Fenomenal. Antes, era complicado selecionar duas dezenas de músicas para gravar em um CD e ter que se contentar com o repeat e o repeat all. Isso sem falar na economia na hora de comprar os discos graváveis, regraváveis ou originais absolutamente caros.
Mas isso não é tudo. A coisa mais legal proporcionada pelos tocadores de MP3 foi transformar a vida de seus donos em um filme musical. Eu, por exemplo, sou prova viva disso. Revivo muitos momentos especiais quando ouço algumas músicas. Ou então me lembro de alguma banda quando chega determinada época do ano.
Por exemplo: Bowling for Soup me remete ao fim do meu último namoro. Los Hermanos faz com que eu me lembre dos meus últimos meses no colegial, enquanto Radiohead tem a ver com as minhas primeiras semanas na faculdade. Minhas entrevistas na Gazeta foram ao som do esquisitão do Daloco, enquanto as minhas lembranças das primeiras semanas como estagiário são relembradas graças a Stereophonics.
Muitos livros que eu li também ficaram marcados na minha memória não só pela história envolvente, mas também pelos sons que eu ouvia enquanto os lia. Alguns livros do Luís Fernando Veríssimo e do Charles Bukowski foram lidos enquanto Head Automatica comandava meus fones de ouvido. Marcelo Rubens Paiva também lembra Stereophonics, enquanto Saramago tem um pouco a ver com Smashing Pumpkins. Já o fascinante Olhai os lírios do campo se mistura invariavelmente com Shout out Louds.
O melhor exemplo disso tudo, porém, é Beatles. Na medida em que o fim do ano se aproxima, músicas como Blackbird, When I’m 64, Penny Lane, Strawberry Fields Forever se confundem com as canções natalinas, com a chegada das férias e com as noites abafadas e enfeitadas com papais noéis e lampadinhas piscantes. É incrível.
Outra coisa bem legal da revolução causada pela popularização dos aparelhinhos é a reação de outras pessoas que vivem com um fone enfiado nos ouvidos. Eu, tímido, sou mais comedido e fico apenas com a marcação de ritmo com um pé ou então tamborilando os dedos no joelho, na capa do livro ou na porta do metrô (às vezes me pergunto se tem alguém que sabe o que eu estou ouvindo apenas pela marcação de tempo...)
Enfim. Muitas pessoas não têm o mesmo tipo de reação quando toca uma música interessante no MP3. Já cansei de ver, em plena seis da manhã, pessoas entrando no metrô cantando muito, mas muito alto alguns sons. Até dançam, às vezes. Só que as demais pessoas que compartilham o vagão com o cantor de banheiro não reclamam. É como se isso já fosse normal. Esquisito sou eu, que olho para as pessoas às vezes segurando o riso e sou repreendido pelos demais. Mas vale a pena.
Posso estar pagando o alto preço disso tudo, ficando gradativamente mais surdo. O fato é que, pelo menos para mim, a poluição sonora é coisa do passado. Praticamente não ouço mais carros com escapamentos furados, motoristas enraivecidos, aviões e buzinas nas ruas (talvez um dia eu seja atropelado por causa disso também) e nem algumas desculpas furadas de certos pedintes do metrô.
É como se o mundo ficasse mais tranqüilo. Ou pelo menos aparentemente.
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