A vontade que a Luciana tinha de ser igual à mãe impediu-a de conseguir cumprir tal objetivo.
Em todos os lugares as pessoas diziam que a Luciana era a cópia em miniatura da dona Elisa. E não era para menos: os olhos grandes e azuis, os cabelos louros, lisos e longos e a pele branca, um pouco mais clara do que leite, eram idênticas às da mãe. Isso sem falar no enrubescer ao gargalhar e no jeito delicado de morder uma bolacha salgada. Idênticos.
A Luciana queria tanto ser igual à mãe que um dia, quando a dona Elisa foi fazer uma visita rápida a uma amiga no hospital, decidiu passar um café quentinho para o pai, que voltava do trabalho todo dias às 17h45. Pequenina, a garotinha de sete anos teve problemas para alcançar o bule quente no fogão quando a água ferveu. Uma grande gota, quente e cruel, se desgarrou das demais e queimou a bochecha esquerda da Luciana.
A partir de então, ninguém nunca mais falou que a Luciana parecia com a dona Elisa. E não era para menos: a menina ficou com uma marca vermelha, do tamanho de uma cereja robusta, estampada no rosto. Para sempre. Não tirava a sua beleza, mas chamava a atenção de todos.
A menina entrou na adolescência tendo enrubescido poucas vezes ao gargalhar depois do fatídico acidente. Quando corava, ninguém percebia. Mas ela não se importava com o descaso alheio. Com o tempo, aprendeu a não ligar para muita coisa. Tanto não se importava com ações e pensamentos alheios que nunca teve crises existenciais. E olha que ela deu o primeiro beijo aos 15 anos de idade, dois anos depois que todas as suas melhores amigas. O primeiro beijo da Luciana, aliás, mereceria um capítulo à parte se um dia alguém resolvesse fazer uma biografia dela.
Tudo aconteceu em uma festa de 15 anos de idade de uma menina da sala. Todas as garotas tinham ido ao baile de debutante maquiadas como modelos. Só a Luciana não passou base, blush, sombra, batom... nada. As amigas achavam estranho. “Você bem que poderia esconder a sua... queimadura”, sugeriam hesitantes. “Não quero. Se um dia alguém gostar de mim, vai ser por causa da beleza interna”, rebatia. A Luciana, para falar a verdade, adorava quando ouvia coisas assim na tevê. E chorava quando via filmes sobre o tema.
Enfim. Sem maquiagem e apenas com seu jeito cativante, Luciana deu seu primeiro beijo na tal festa. O Leandro, um dos meninos mais populares do segundo ano, se aproximou dela. Conversou com a garota como ninguém nunca dantes o havia feito. Luciana, por sua vez, sentiu algo que jamais havia sentido. E, durante o beijo, ela percebeu que ruborizou.
O Leandro não ligou para a Luciana no dia seguinte. Na segunda-feira no colégio, passou pela menina e nem sequer olhou para ela. As amigas explicaram: “Ele estava bêbado, Lu. E nem deve se lembrar. Você não percebeu?”. A Luciana não chorou ao saber. Também não odiou o Leandro. Apenas tentou esquecer. Conseguiu, mas com um trauma: jamais colocou uma gota de álcool na boca.
No geral, a Luciana não se abalou com o que aconteceu. Tanto que no mês seguinte conheceu o Ricardo, um garoto que havia se mudado para a casa da frente. Começaram a namorar dois meses depois.
Hoje, 12 anos depois do primeiro beijo entre os dois, o Ricardo pediu a Luciana em noivado. Antes de fazer o pedido, escreveu um poema bastante pueril, mas bonitinho, que arrancou algumas lágrimas da moça.
A causa do pranto? Uns versos que sequer tinham rima, mas que significaram muito para Luciana. Não vou conseguir transcrevê-los aqui, mas era algo como "Esqueço meu nome, esqueço o mundo e viajo para um mundo a parte quando te beijo / Mas nesse meu universo paralelo, sempre sinto que meu rosto está ficando vermelho".
Um comentário:
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