A natureza, meu amigo, é fria. Fria e calculista. A tal ponto de não parecer natural.
Faz algum tempo tive um sonho. Um pesadelo, talvez. Nele, eu era escalado para trabalhar aos domingos, do final da madrugada ao início da manhã. E deveria sair de casa antes mesmo de o sol nascer.
Lembro que acordei no horário certo. Tomei banho, tomei alguns copos de café, comi um pão de fôrma passado na torradeira. Tomei mais um pouco de café e saí de casa.
Ao abrir o armário para pegar a roupa, apenas duas peças estavam disponíveis. Uma calça preta e uma camiseta, também preta. Entre elas e nada, elas. Melhor que nada.
Quando o carro saiu da garagem, uma gota d’água caiu do céu com um peso tão grande que não parecia ser de água, dado o barulho que fez quando se chocou com a lataria do carro. Talvez tenha até amassado o capô. Estranho. O céu estava escuro, era noite... mas não havia prenúncio de chuva.
Além disso, as ruas, sempre abarrotadas e engarrafadas, estavam livres. Não havia um outro carro sequer saindo de casa. Ninguém se atreveria. E as avenidas, assim, não pareciam avenidas. Pareciam longos tapetes de concreto estendidos em um dia sombrio.
A atenção à direção foi interrompida com um ruído. Um arrepio atravessou a espinha no mesmo ritmo cadenciado que o vibracall do celular no bolso. O alô tradicional, um pouco desconfiado, é respondido por uma voz trêmula.
Depois da saudação automatizada, a única coisa que se poderia responder àquele tipo de chamada é ‘fica calma, tô indo praí agora’. E, no exato momento em que a ligação é encerrada, uma tromba d’água caiu na rua. Uma chuva nunca dantes vista. Uma chuva que já era anunciada.
O volume da água era grande. Além de repentina, não parecia ser natural.
Aliás, não era natural. Passado o choque da ligação, os pingos rarearam, afinaram e pararam. O sol apareceu, as pessoas saíram à rua e as calçadas não tinha indício algum de água.
Um comentário:
Oi... é incrível como vc conseguiu descrever o início do nosso domingo.Vc é genial
Postar um comentário