A primeira lembrança que eu tenho de um corte de cabelo data dos primeiros anos da década de 1990. Se bem me lembro, ainda nem estava na escola. Deveria ser 1991, não sei.
Se não sei a data com exatidão, compenso em alguns detalhes do lugar. A começar pela dificuldade de a minha mãe achar uma vaga da rua. Logo depois de entrar, subia uma escadinha de uns quatro ou cinco degraus e me deparava com uma das coisas mais legais da minha infância: um viveiro bem grade, repleto de papagaios, agapornis e outros parentes dos papagaios.
Não percebia o tempo passar. Apenas ficava olhando as aves coloridas voarem de um lado para o outro. Mas então chegava a minha vez e me dirigia ao salão. A cadeira, na verdade, tinha um formato de carrinho, com um volante. Apesar de desde pequeno eu não ser fãs de carros, adorava.
Mas não demorou muito, meus pais descobriram um lugar perto de casa. Era a uns três ou quatro quarteirões de casa, em uma ladeira logo depois do metrô. Chamava Ditinho, nome do proprietário, que cortava cabelos na última cadeira do salão. O meu barbeiro oficial, no entanto, era o Jorge, da cadeira do meio. À esquerda ainda tinha o Calado.
Passei grande parte da minha infância cortando cabelo no Ditinho. Lá tive uma das minhas maiores surpresas ao ver que o Calado, que sempre cortava o cabelo do meu tio, não era mudo: ele falava. E embora o Jorge sempre cortasse o meu cabelo, o Ditinho, um velhinho baixinho, de bigodinho e quase careca, dizia que me considerava quase um neto. Dizia que eu era um menino especial, de uma inteligência extraordinária, que se daria muito bem na vida.
Nunca acreditei no Ditinho até o dia em que ele pediu para que a minha mãe, grávida, estendesse a mão para ele. Ele sacou um pingente do bolso e, estranhamente, o objeto começou a girar, girar e girar... “Vai ser um menino”, disse. E meses depois nasceu o meu irmão.
Anos depois o Jorge e o Calado deixaram o salão, e comecei a cortar meu cabelo com o Ditinho. Até que um dia, não sei por que, comecei a ir em outro lugar. Se não me engano, dos meus 8 a 12 anos cortei o cabelo em outro salão, em um lugar onde não me sentia à vontade. Embora fosse dois quarteirões depois do Ditinho, sentia que era uma das viagens mais longas. Resumindo: não suportava cortar o cabelo.
Até que um dia voltei ao Ditinho. Não consegui mais chamá-lo de Ditinho, mas de Seu Dito. Mesmo assim, passei a cortar o cabelo com mais freqüência e... com mais alegria, para falar a verdade.
Apesar do meu retorno ao velho reduto, por volta dos 15, 16 e 17 anos dividia o meu corte de cabelo entre o Ditinho e um ou outros dois salões, que cobravam um pouco menos do que os R$ 10 que eram de praxe com o Seu Dito e que tinham barbeiros que cortavam meu cabelo mais curto do que o Seu Dito, que sempre se mostrou assustado com a possibilidade de cortar demais e deixar a minha cabeleira ficar espetada.
Sempre que cortava o cabelo em um outro salão e depois voltava ao Ditinho, me sentia relativamente mal. Não contava para ele que tinha feito o corte em outro lugar, mas ele sempre comentava: “ih, a última pessoa que cortou seu cabelo cortou muito curto, né?”. Ficava sem graça e sempre inventava uma desculpa: “Eu tava viajando e meu cabelo começou a me incomodar. Tive que cortar e aí fizeram isso”.
Era muito ruim a sensação de trair o barbeiro que me conhecia desde pequeno. Até que um dia tomei vergonha na cara e assumir essa relação monocapilar, com apenas um barbeiro. E ele, apesar dos 81 anos, diz que uma das melhores sensações que teve foi o de passar a máquina zero no meu cabelo no dia depois do trote da Cásper.
E até hoje mantenho minha lealdade ao Seu Dito. O velhinho simpático, que até hoje fala que eu sou um garoto com um futuro brilhante pela frente, que não cobra extra por fazer a minha barba, que sempre me reserva um calendário do Palmeiras a cada fim de ano e que diz me considerar um neto.
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