Gosto de escrever desde pequeno. Há boatos de que me alfabetizei aos três anos de idade e, aos quatro, já ficava rabiscando algumas palavras em papéis espalhados pela casa. Mesmo antes de entrar na escola.
Uma das coisas nos meus escritos, digamos, amadores, de que eu mais gostava era escrever errado e pegar emprestado do meu pai um frasco pequeno, de plástico, com uma tinta branca que corrigia, de forma praticamente mágica, as falhas cometidas com as canetas. Tinha vezes em que eu errava de propósito para usar o corretivo.
Nos meus dois primeiros meses de escola, contudo, os alunos não podiam usar canetas. Nossos materiais na pré-escola para escrever eram apenas lápis 2B e borracha. Macia, de preferência, para não rasgar a folha do caderno, que também ensinava caligrafia. Meu maior sonho, então, era entrar na primeira série e poder ser igual aos adultos, que escreviam com caneta.
Uma das coisas mais sublimes que eu vivi em toda a minha carreira escolar foi ver que a escola requisitava canetas na lista de materiais da primeira série. Apesar de ter começado minha trajetória no Ensino Fundamental em fevereiro, demorou alguns meses para que a professora nos deixasse usar as canetas.
Tenho uma vaga lembrança de como foi o meu primeiro dia munido de uma Bic azul. Ainda que tivesse uma certa experiência com as hidrográficas em casa, usá-las em um caderno escolar (meu documento mais valioso àquela época) e sem alguém da família por perto era algo, no mínimo, sensacional.
Acho que foi na terceira série que a professora liberou o uso dos corretivos em sala de aula. Nenhuma das séries anteriores permitia, não sei muito bem por quê. E, claro, se antes a minha maior vontade era usar canetas, na terceira série o que eu mais queria era errar as palavras e poder corrigir com o Helio’s Carbex.
Com o tempo peguei algumas manhas dos corretivos (chamados também de branquinho e liquid paper pelo restante da sala). Escrever por cima logo depois de passar a tinta no papel era praticamente impossível: era preciso esperar um bocado para secar. E errar duas vezes a mesma coisa, e assim forçar uma segunda mão de tinta, dificultava ainda mais a escrita.
Mais tarde a Pritt lançou aquele corretivo de fita, e a versão líquida do corretivo se tornou algo raro e obsoleto. Eu, apesar de também ter aderido à fitinha, preferia o toque artístico da tinta. E assim foi até o terceiro colegial.
Hoje eu praticamente não escrevo mais, e sim digito. Utilizo a velha técnica de caneta sobre papel apenas para escrever alguns lembretes para mim mesmo em casa, ou então no trabalho, tentando anotar entrevistas. Na faculdade praticamente não anoto coisa alguma. Quer dizer, minto. Faço anotações apenas da melhor aula do curso, que foge do blábláblá de sempre. Mas enfim.
Dia desses, porém, vi alguém escrevendo com uma caneta e, logo depois, sacar um potinho, tirar a tampa com um pincel acoplado e corrigir um erro no papel. Achei um bocado estranho. Tive a sensação de que daqui uns 40 anos, em um dia qualquer pela rua acompanhado do meu neto, vou entrar em uma loja de antiguidades e ver um Helio’s Carbex no balcão. Talvez eu até diga ‘nossa, isso é do meu tempo’ para ele, que não vai entender a magia de tentar corrigir com uma pincelada de tinta, ainda que de forma grosseira, um erro feito à caneta em um papel branco.
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