Era o segundo domingo consecutivo em que eu trabalharia. Não bastasse isso, era também o segundo domingo consecutivo em que eu acordava às 4h45 da manhã e iniciaria o meu trabalho antes de o sol nascer.
Não preciso dizer que acordei como um zumbi, fui peguei o metrô ainda mais sonolento e andei pela Paulista ainda meio grogue. E foi só quando eu cheguei à recepção do prédio da fundação que eu acordei de vez. O motivo? Um papo com o porteiro.
A recepção do prédio mais famoso da Paulista estava uma zona, com os porteiros-seguranças recebendo as entregas dos vários jornais que os vários setores da FCL assinam. Me dirigi ao homem de preto mais próximo e, automaticamente, lancei um “Opa, tudo bom? Vê a chave da recepção do 12, por favor?”. Em outras palavras, eu precisava da chave pra abrir a redação, localizada no 12º andar. Não é difícil.
O porteiro olhou para mim com cara de espanto. Muito espanto. E pediu para eu repetir. “A chave da recepção do 12”, obedeci. Se antes ele achava que não tinha entendido direito, desta vez a suspeita fora confirmada. E não restou a ele fazer a pergunta mais óbvia naquele momento para ganhar tempo. “A chave? Pra quê?”. Respirei fundo e expliquei educadamente (eu acho): “Pra abrir a redação, que tá trancada”.
O truque de ganhar tempo não havia funcionado para ele. Sem saber o que responder para um cara ainda meio sonâmbulo que pedia uma chave, restou ao porteiro repetir as minhas palavras. “A chave... do 12... que 12?”. “O 12º andar”, expliquei. “Ah, a chave... da sala 12!”. Corrigi: “Isso, a chave... mas do 12º andar”. “Hum... chave... chave... chave do 12, né?”
Não pensei que poderia ser um porteiro novo: já o havia visto outros dias. Foi então em que eu achei que tudo poderia ser armado. O Serginho Mallandro poderia ter sido contratado novamente pela Gazeta e iniciado a gravação das pegadinhas com os próprios funcionários de empresa.
Ou então (e o mais provável), a Carol, também escalada para madrugar no domingo, tinha chegado antes de mim, tomado posse da chave e o porteiro apenas me achou com cara idiota e decidiu curtir um pouco comigo. Até porque aquela cara de espanto dele não poderia ser tão anormal apenas por causa de uma chave. Claro, tava combinado!
Mas essa minha teoria foi por água abaixo quando meu sorriso meio impaciente que queria dizer “já saquei a piada” não foi correspondido pelo porteiro, que me perguntou: “E por que você não tá com a chave?”. Evitei a resposta e apenas indiquei. “Olha, naquela caixinha costumam ficar as chaves... não tem nada lá não?”
Ao pegar a caixa de madeira com várias chaves, o porteiro se sentiu aliviado. Deu para ver no olhar dele. Até que ele sacou a primeira chave e leu na placa metálica. “Porta dos fundos, 12º... é essa, né?”. “Humm... não, essa é outra. Eu queria a da recepção”. Ele sacou outra chave. “E essa daqui, com o nome desse cara? Serve?”. “Também não. Esse é o chefe geral e essa deve ser a chave dele. Olha, mas se a da recepção não tiver aí, serve a dos fundos mesmo, vai”.
Para a minha sorte, a famigerada recepção do 12 estava lá. Bastava apenas assinar o livro de controle e pronto, estava livre. Ou não.
“Assina aqui, por favor. Qual o seu nome?”. “Felipe”, respondi. “Hum... Felipe... Felipe Massa?”. “Eh, quase isso. Talvez um dia, quem sabe?”, brinquei. E o porteiro entrou no clima. “Já pensou se você fosse o Felipe Massa? Aposto que não ia ter que vir trabalhar de domingo e ainda tão cedo”, filosofou.
Coloquei a caneta no papel para assinar e, escrevi Felipe, ainda pensando o que eu não estaria perdendo se fosse um piloto de Fórmula 1. Ao terminar meu primeiro nome, escrevi o M e parei. “Ué, não tem M na minha assinatura. Puts, eu não tenho M em nenhum sobrenome”, pensei, antes de falar para o porteiro. “Olha aí! Você falou tanto que eu quase escrevi Felipe Massa aqui!”, brinquei, já rindo.
O porteiro, antes na defensiva, conseguiu o que queria e me lançou um olhar triunfante. Se pudesse, tenho certeza de que ele falaria “Eu posso não saber o que é a recepção do 12, mas pelo menos não esqueço meu nome”.
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