O Rio de Janeiro continua lindo. Mas São Caetano do Sul também.
Depois de um ano da minha última visita, voltei ao C do ABC nesta quinta-feira. Desta vez, não fui de trem de bancos acolchoados e ar condicionado sentido Rio Grande da Serra como da última vez, mas no banco da frente de uma Ipanema branca, surrada.
Também não fui em uma tarde de sábado para conversar com uma garota dona de um estilo cativante, projeto frustrado de uma melhor amiga, mas em uma quinta-feira de manhã para falar com uma capa da Playboy.
E não fui por livre e espontânea vontade, mas por motivos de força maior. O que importa, no entanto, é que fui.
As pessoas costumam dizer que basta uma fração de segundos para o mundo mudar drasticamente. Mas isso não se aplica a São Caetano do Sul.
A cidade continua no mesmo lugar de sempre, de difícil acesso para aquelas pessoas que se aventuram de carro no local. Para alcançá-la, é preciso pedir informações aos frentistas dos postos de gasolina, as únicas pessoas que sabem dizer onde fica a entrada para o município. Como se fizessem parte da guarda costeira, que só aponta o caminho certo àqueles dignos de conhecer o local.
Mas para chegar a São Caetano do Sul é preciso atravessar a favela Heliópolis, uma das maiores da América Latina. Enquanto você passa de carro, as pessoas em volta olham para você com um rosto sofrido, algo que definitivamente o desestabiliza. Mas é preciso fechar sua mente, pelo menos por um instante, e aguardar um sinal que significa que o postulante a visitante foi aceito. E essa mensagem vem de uma cabine abandonada, onde se lê, em letras amarelas garrafais, ‘Vende-se cartães’. É o sinal.
Justamente depois da mensagem, a paisagem muda. A favela fica para trás e você se depara com uma avenida comprida. Por um momento, tem a sensação de estar em uma via reta, muito reta, mas logo depois a paisagem muda novamente: você se vê em uma avenida sinuosa, tanto quanto a palavra ‘sinuosa’ pode insinuar.
Depois das ilusões que a via que antecede a cidade pode proporcionar, você se depara com o portal de entrada. E a primeira diferença é no guarda eletrônico que controla a entrada dos veículos na cidade. Um semáforo, com contagem regressiva, informa aos visitantes dentro de quantos segundos terão a honra de entrar em São Caetano do Sul. Demais.
Passados os testes, a redenção. São Caetano do Sul é uma cidade que, de longe, lembra São Paulo, mas com um certo toque interiorano e também europeu. Como uma cidade que parou no tempo – no bom sentido da palavra. Suas principais vias não são retas, apinhadas e conturbadas como as marginais e a Avenida Paulista, por exemplo. São ruas com muitas curvas, muitas bifurcações e muitas, muitas praças. E muito bem cuidadas.
Em volta das praças há lojas que vendem o açaí. Quem toma um açaí em São Caetano do Sul entende por que a cidade do ABC paulista tem o melhor açaí na tigela de... talvez de todo o globo. Mas só sabe disso quem já provou.
As vendas de açaí estão sempre lotadas. Em geral, estudantes saem dos colégios por volta das 12h20 e reabastecem suas energias com a fruta, cuja lenda diz ser típica da região amazônica. Seria, não fosse São Caetano do Sul.
Os estudantes tomam açaí conversando e sorrindo. Andando mais um pouco, há os pais dos estudantes na porta da padaria, sentados na sarjeta conversando e rindo. Os cachorros, que saem para passear com os pais dos estudantes, brincam na calçada abanando o rabo. Ou o que lhe sobra.
Deixando-se guiar pelas curvas e bifurcações das avenidas de São Caetano do Sul, cai-se nos bairros residenciais da cidade. Com ladeiras, muitas ladeiras, sempre vazias. E casas coloridas, com muros altos, enfeitados por trepadeiras. Uma coisa linda.
Anda-se mais um pouco pelo município e, então, percebe-se que todas as ruas levam a um único local: a praça central da cidade, onde a sua trajetória foi iniciada. É como se você não pudesse mais sair de São Caetano do Sul. Ou não quisesse sair de lá.
Mas às vezes é necessário deixar de lado o ímpeto de ficar em um local que parece ser o melhor lugar do mundo para se morar. Uma pena.
E assim que você deixa São Caetano do Sul, cai em lágrimas. Na Estrada das Lágrimas. Rodeada pela periferia paulistana, a rua que conduz o viajante para fora da cidade vive na contramão. Não sabe se quer ir, se quer voltar e se quer ficar onde estar.
Isso se percebe pela numeração das... casas? Digamos que sejam casas. A contagem regressiva começa no número 4.100. Mas logo em seguida cresce, diminui, cresce e diminui. Quando parece manter uma seqüência lógica, volta a crescer, diminuir, crescer, diminuir. Até que chega o número 1.404. São duas casas com o número 1.404. E então a numeração volta a crescer, diminuir, crescer e diminuir. Sem lógica alguma.
E então as lágrimas chegam ao fim e você enfim se despede de São Caetano. Mas com uma dor no coração: como se estivesse abandonando Monte Carlo.
Correlação que sequer existiria não fosse o arquivo de 18/04/2005 de Emanuel 'cabelos-para-trás' Colombari.
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