quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Falta

Ela não estava lá na mesa de convidados quando ele se formou. Quando passou de smoking pelo salão para dançar as valsas, até olhou em volta para ver se a encontraria – chorando e sorrindo ao mesmo tempo. Nada. Ela nem tinha ido à sua colação de grau, alguns dias antes.

Ela não estava por perto quando ele conseguiu o primeiro emprego – seria a primeira pessoa para quem ele contaria. Ele nem pensou em contar a ela, então, quando foi demitido. Ela nem soube que ele tinha saído para procurar emprego.

Ela não estava do outro lado do telefone quando ele voltou para casa em uma noite de terça-feira feliz da vida por que tinha assinado sua primeira notícia e precisava contar a novidade. Normal. Ela não atendeu o telefone quando ele ligou para contar que tinha passado na faculdade, uns meses atrás.

Ela não estava em casa quando aprendeu a dirigir e passou lá naquela rua calma para visitá-la. Ele chegou a buzinar e esperar uns cinco minutos com o carro parado na frente do portão, mas nada. Nem a cortina da janela se mexeu.

Ela não estava lá para recebê-lo às 11h30 de domingo, quando queria apresentar a nova namorada. Não preparou aquele almoço que só ela preparava. Nem sequer deu parabéns pela conquista. Ela não estava lá nem quando o tal namoro terminou e ele precisava desabafar com alguém ou ganhar um abraço apertado.

Ela não estava lá já fazia um bom tempo. Ele sabia disso, mas quase todos os dias achava que... que ela só tinha tirado umas férias. Que um dia, mais cedo ou mais tarde, ela voltaria para casa abrindo o portão e gritando seu apelido, feliz da vida. Que o apertaria em um abraço e daria muitos beijos na bochecha (dos quais ele já tentou se desvencilhar quando mais novo). Que o receberia em uma manhã com um café-com-leite e um pão com manteiga. Ou ao meio-dia, com um arroz com feijão e espinafre.

Ela um dia esteve lá. Ele não entendeu como ela havia aparecido, dizendo que estava morrendo de saudades. Prometeu não desgrudar dela tão cedo. Largaria emprego, compromissos, tudo. Não queria perder um minuto do lado dela.

Mas ela não ficou por muito tempo. Foi embora às seis da manhã, quando o despertador tocou. E ele acordou. E lembrou que ela, a sua avó, tinha morrido há quase dez anos.

Um comentário:

paula r. disse...

lindo o texto [estranho quando a tristeza ainda é bonita].