[Prepare-se, caro(a) leitor(a). Abaixo, segue uma ladainha relativamente inútil. Você ainda tem tempo de desistir e fechar a janela]
Era para ser um dia normal. Uma terça-feira fria de inverno, daquelas em que nada acontece e a única coisa a fazer é organizar uma contagem regressiva coletiva no trabalho até o fim do expediente. Mas era para ser um dia normal, não? Não foi, a começar pelo fato de eu estar de folga.
Faz tempo que não consigo aproveitar um dia de folga como se deve. Um bom tempo, diga-se. Meses atrás, até cheguei a fazer a loucura de pedir para meu chefe cancelar a minha folga. “Eu quero trabalhar, poxa”, argumentei. Admito que também tentei transferir minha folga quíntupla recente para um tempo mais para frente, mas o pedido não foi aceito. Foi o embrião para a terça-feira nascer anormal.
Meu dia começou relativamente normal, quando eu acordei (dã!). Tinha até traçado um esquema bacana para aproveitar minha última fase da overdose de folgas e tinha decidido ver Ensaio sobre a cegueira, no Reserva Cultural. Olhei o horário no dia anterior, memorizei... tomei banho na hora certa, fiz barba, peguei o carro e fui. Normal, né?
Só que notei algo estranho quando cheguei ao mesmo estacionamento de (quase) sempre: havia uma fila infernal de carros, algo inédito para mim nos últimos cinco meses motorizado. Tudo bem, vai. Fiquei por ali parado por uma bela dezena de minutos até conseguir deixar meu carro são e salvo em um dos estacionamentos mais baratos da região da Paulista.
Segui caminho até o cinema, e na pequena fila para comprar o ingresso senti uma fragrância que não me agradava. “Humpf”, foi o que eu pensei. Mas tudo bem, vai. Minha vez na fila chegou, pedi a entrada de funcionários da Gazeta para o Ensaio das 14h40 e... e a mulher simplesmente respondeu que não seria possível. O motivo: “o filme já começou, não tenho mais como dar baixa no sistema”, como ela me disse. “E já tem 20 minutos de filme”, completou.
Olhei para o cartaz: sessão às 14h20. Maldito engano. Acabei indo para a Praça Alexandre de Gusmão, meu melhor refúgio em horas tanto boas como ruins, e fui ler um pouco. Fazia um frio homérico, e o cinza das nuvens deixava a praça feia, pela primeira vez na minha história por lá. Não fiquei muito tempo, saí. E fui ler no Escadão. Mais vento, mais frio... mas eu agüentava.
Na faculdade, mais tarde, encontrei uma amiga que não estava muito bem. Sentia-se paranóica, dizia que o pessoal do terceiro andar estava olhando feio para ela e mais algumas paranóias inexplicáveis. Desci com ela, bancando o macho-alfa protetor, andei com ela por lá e ajudei a resolver seu medo. No elevador voltando ao quinto andar, uma das faxineiras da Fundação roçou um saco de lixo no meu braço direito, mas rapidamente se desculpou. Simpática, até. Aí se virou para a colega e disse: “Nossa, eu tava roçando o saco no homem”. O elevador inteiro riu, eu corei de sem graça.
Nem tudo, contudo, foi ruim: a professora da última aula havia faltado. Combinado isso ao fato de que eu só teria que pegar presença com o professor da primeira aula, maravilha. Mas meu professor embaçou: “Felipe, você entregou sua lauda?”. “Sim, professor, há três semanas”. “Ok, você trouxe as seis cópias hoje?”. “Hum, não. Pra quando que é?”. “Hoje”. “Hum, ok, eu vou lá imprimir”.
Achei um computador vago no laboratório, mas não encontrei o arquivo. Nem nos meus dois e-mails. Subi para o computador do trabalho, nada. “Ok, vou falar pra ele que o arquivo corrompeu, peço a cópia dele, reescrevo... e pronto”, pensei. Nada disso. De volta à sala, ele me mostrou que tinha perdido o texto original. “Beleza, eu te trago amanhã, professor”, sintetizei antes de sair do prédio.
Saí. Peguei ainda mais um frio no Escadão e fui para o estacionamento, lá pelas 20h30. No caminho, ligeiramente nervoso, parei em uma banca para comprar um maço de cigarros e espairecer. Mas o preço havia aumentado em 0,07% e eu me recusei a pagar. Fui mesmo para o estacionamento, mas não sem antes notar que eu havia perdido o comprovante.
Perdi mais algumas dezenas de minutos para comprovar que meu carro era modelo tal, cor tal, ano tal, placa tal, com som da marca tal, um CD do Ramones (o It’s Alive) na faixa 27, tanque pela metade, uma luz de ré queimada e uma raquete Wilson no banco traseiro. “Ok, R$ 20”. “Opa, 20? Mas a diária não é R$ 15? A mulher até anotou no papelzinho que eu perdi...”. “Ih, cara, aumentou hoje. Não te falaram? Se você tivesse com o outro papel eu até poderia fazer um desconto”. Era um aumento de 33,3%, 500 vezes maior do que o do cigarro. Mas... era acatar ou voltar 12 km a pé para casa sob um frio de 12 graus. Paguei.
Ligeiramente revoltado, ainda deixei o carro morrer duas vezes antes de sair do estacionamento. Não satisfeito, o dia ainda decidiu me atazanar mais um tanto criando um congestionamento gigante no caminho. Crente de que nada poderia piorar, decidi me auto-flagelar: ouvir Beatles, no afã de superar um trauma recente com o FabFour. Tirei do porta-luvas o Yellow Submarine ainda lacrado, comprado há algumas semanas... e consegui a proeza de quebrar a caixinha antes de ouvir o disco pela primeira vez.
Só que as coisas melhoraram, para minha surpresa. Quando me dei por mim, estava bolando uma coreografia ao som de All together now e até tive uma lembrança já esquecida de quando começou a música seguinte. Lembrança da última vez que eu havia ouvido Lucy in the sky with diamonds, em uma noite quente e agradável no banco traseiro de um carro em alguma estrada por aí.
Pisei em casa mais animadinho, mas meu bom-humor acabou quando falei oi para meu pai e não obtive resposta. No meu quarto, deixei a mochila cair no chão, tirei uns trocados do bolso... e encontrei o papel, antes perdido, do estacionamento. Maravilha.
Comentei esses dias, não lembro com quem, que as coisas ruins não acontecem de pouquinho em pouquinho. Todas vêm ao mesmo tempo, em uma terrível tempestade. Como a desta terça-feira, que para mim termina, ironicamente, com o Paul me lembrando: All together now, all together now, all together now, all together now.
3 comentários:
você ouvir beatles de forma plena já virou um projeto pessoal. nem que eu tenha que refazer todas as suas lembrancinhas a cada faixa, uma a uma!
Você anda dramático.
E sinto uma lacuna no meio do seu texto... só um palpite o.o
Ih, exageraaaaaaaaaaaaado... ;)
E tudo começa errado quando você conta que chegou a falar "Eu quero trabalhar, poxa" para o seu chefe, em pleno dia de folga, meses atrás. Humpf!
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