No meio do evento, apareceu por lá no Ginásio do Ibirapuera uma mulher magrela, meio feiosa, com canelas de sabiá. Apertei os olhos por trás do óculos e reconheci: era a Maurren Maggi, campeã dos Jogos de Winnipeg-1999, mas que ficou de fora dos Jogos de Atenas-2004 por causa de doping.
Tinha ouvido falar que a Maurren estava voltando a competir depois da suspensão de dois anos, poderia entrevistá-la e tal. Tremi, confesso. Minhas pernas bambearam levemente, meu coração teve um sobressalto... um misto de ansiedade, timidez e muitas outras coisas. Sensação semelhante àquela de tomar a iniciativa fatal para dar o primeiro beijo em uma garota.
Depois de muito ensaiar algumas perguntas, fui falar com a Maurren. Não lembro exatamente as perguntas que fiz, mas aposto que tive um desempenho péssimo na entrevista. Mas, durante a conversa, ela disse uma coisa legal: “Vou brigar por medalha”, respondendo à minha pergunta mal-formulada sobre as suas expectativas no Pan do Rio, que aconteceriam dali a oito meses. É claro que duvidei, mas nem por isso deixei de cravar a frase na manchete.
(Nota da redação: fui vasculhar a tal notícia de quase dois anos atrás do site. Incrível como eu consigo ter vergonha de quase tudo o que eu escrevi dois anos atrás – o que me faz perguntar como diabos eu consegui o emprego)
Seja lá como for, a Maurren calou a minha boca quando faturou o ouro no Pan do Rio. Depois, conseguiu a vaga para os Jogos Olímpicos de Pequim e eu não apostava em nada além do que... sei lá, uma participação de sexto lugar da brasileira.
E minha boca foi calada mais uma vez. Depois de um dia decepcionante, não é que ela conseguiu colocar um pouco de brilho no amarelo e faturou um inédito ouro para o atletismo brasileiro feminino? Estava meio acordado e meio dormindo quando ouvi a Maurren pular 7,04m. Só acordei de vez quando a jamaicana foi fazer seu salto – três antes de a brasileira ratificar o título olímpico.
Por mais que eu não acreditasse (e quase ninguém, para falar a verdade), a Maurren Maggi ganhou a segunda medalha de ouro do Brasil em Pequim. Ela, a primeira atleta que eu entrevistei pessoalmente na minha curta carreira. Ela, que não respondeu atravessado para o estagiário que tinha três semanas de trabalho. Ela, que me prometeu ganhar medalha no Pan e conseguiu ainda mais. Um feito notável, mas que não escapará das famigeradas, maldosas, repetitivas e nada rápidas rapidinhas olímpicas, que vêm a seguir.
Rapidinhas olímpicas:
Decepção infantil: Tem coisa mais triste do que decepcionar seus filhos? Não sou a pessoa mais cotada para responder a essa pergunta porque nunca tive filhos (creio eu), mas tentei me colocar no lugar da Maurren. Confirmada a medalha de ouro do Brasil, lá estava a onipresente Globo para entrevistar a campeã, com link ao vivo de casa. E lá estava a Sofia, filhinha da Maurren, que pegou o microfone para conversar com a mamãe e... reclamou: “Mamãe, eu queria a de prata. E agora?”, reclamou a menininha. Tadinha... tão novinha e já incorporando o espírito olímpico
Lengalenga ao vivo: Na mesma conversa entre Maurren Higa Maggi e Sofia, uma cena impagável. Mãe e filha quase começaram uma ferrenha discussão por causa de um assunto curioso: quem amava mais quem. “Te amo, mamãe”, disse a Sofia. “Filha, a mamãe te ama muito”, respondeu a mãe de ouro. “Eu te amo bastante, mamãe”. “Não, filha, a mamãe te ama mais”, treplicou a Maurren, subindo o tom da voz em meio tom. Isso ao vivo, para todo o Brasil. Parecia aquele papo de namoradinhos terminando uma conversa no telefone: “Desliga você”. “Não, desliga você”. “Desliga você, vai”. “Eu não vou desligar”. “Então os dois desligam juntos”. “Tá”. “No três”. “Um, dois... três”. “Ah, você não desligou?”. “Não consegui”. “Tá, agora eu desligo”. “Tá”. “Não consigo, desliga você”. Até que chega uma boa alma, puxa o fio do telefone da tomada e deixa os dois pombinhos falando sozinhos: “Alô? Alô?”
Galvão, o mestre: A Maurren Maggi conseguiu algo que eu deveria ter feito quando ganhei minha medalha de ouro no xadrez por equipes na Oliarqui-1999: um discurso. E o ponto máximo de sua oratória foi quando agradeceu ao apoio recebido por ele: o mestre, o gênio, o inquestionável, o único, o incólume, o onipresente, o onipontente e o nada onisciente Galvão “é ouro, é ouro, é ouro, é ouro, é ouro, é ouro” Bueno. Quando eu ganhar mais uma medalha de ouro por aí (tipo nunca), prometo incluir no meu discurso o Galvão e, claro, o Silvio Luiz.
Espírito brasileiro: Se eu escolhesse uma modalidade para representar o maior fracasso brasileiro nas Olimpíadas, por certo que minha opção seriam os saltos ornamentais. Depois de César Castro (oitavo do Mundial) pipocar e terminar em 23º, Juliana Veloso cair que nem um saco de batata na água e admitir que tem medo de altura, desta vez foi o Cassius Duran, ficar em 24º da plataforma e dizer que saiu feliz com o resultado. Ele, o atleta que no ano passado brigou e fez birra com a Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) para competir em todas as provas do Pan e não conseguir nada além de um sétimo lugar em todas, mostrou que não é apenas a Juliana Veloso que tem o perfil
Surreal: Deixando as palhaçadas de lado, vi ontem uma cena que me deixaria emocionado se não estivesse com a cabeça tão atordoada por causa de Pequim-2008. Eram os instantes finais da prova de 50 km da marcha atlética, com o italiano Alex Schwarzer entrando no Estádio Olímpico após rebolar sob um sol de mais de 30º durante nada menos do que 50 mil metros. Fiquei imaginando a sensação de passar por um sacrifício desses, entrar na pista de atletismo, ser aplaudido por mais de 70 mil pessoas e ser visto pelo mundo inteiro. Claro que o italiano não resistiu e caiu no choro assim que entrou no estádio. O mais bonito foi ver que ele dedicou a medalha para o avô, que tinha morrido um mês antes.
Tititi-lelelê: Estava já além do horário na redação quando o telefone toca na mesa do chefe. Depois de uns sete toques e ninguém atender (o chefe já tinha ido embora), levantei correndo para atender o telefone: “Gazeta”. “Caceta?”. “Humm.. sí, Gazeta”. “Hola, yo soy _____, de periódico ____, de Chile (leia: Tilê). Con quien yo puedo hablar sobre Juegos Olimpicos?”, “Yo puedo hablar, señor”, “Oh, perfecto. Yo estoy haciendo un reportaje especial con periodistas de los mejores vehículos deportivos del mundo sobre quien fue lo mejor deportista de Pekín: Usain Bolt o Michel Phelps?”. “Uh, pregunta difícil, no? Yo tengo que pensar, un minutito…”. Pensei rapidamente, fiz um balanço rápido e iniciei ali um discurso em cima do muro, mas acabei escolhendo o Phelps, óbvio. O cara do outro lado da linha e do outro lado das fronteiras argentinas, bem simpático, perguntou meu nome para colocar na matéria. “Felipe Held – ache, e, ele, de”, soletrei. “Por sinal, señor, hay un tenista de Chile con lo mismo nombre que yo, haha”. O cara, no entanto, não se importou com meu xará chileno. Tudo bem, vai. Mas amanhã o nome do ex-tenista chileno Felipe Held vai ganhar lá seu espaço na mídia chilena.
3 comentários:
Foi bonito demais o ouro da Maurren mesmo! Enfim, um momento não-amarelo da delegação brasileira, aê!
E você é o primeiro jornalista que conheço que não mete o pau na Maurren e não diz que ela é meio mala... Que coisa! Todo mundo fala mal da mulher!
Mas fiquei muito feliz. Nunca a entrevistei, nunca a vi na vida, ela nunca me fez mal algum e torci demais por ela. Ontem foi uma noite emocionante por aqui.
Agora só falta a Natália Falavigna (ah, Nati...) ganhar uma medalhinha no taewkondo e pronto: com mais as duas de ouro do vôlei, terminamos com 15 no total, ufa! Brasil il il!
E tu tá ficando chique, hein, rapaz! Entrevista para a imprensa chilena, é? :)
Cara, tu é fantástico. Melhor blogging sobre as Olímpiadas que já encontrei até agora. Sofia com espírito loser = A++
ah, sou mais o bolt!!
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