Mais do que revolucionar o mundo das telecomunicações, os celulares alteraram algo que, pelo menos durante a minha infância, era uma das marcas de consolidação de uma amizade ou até mesmo uma paixonite: a memorização de números de telefone.
Antes de ter meu primeiro celular (panorama que só mudou depois de 16 anos de vida a muito contragosto), a vida era diferente. Para não correr o risco de perder o contato de amigos e paqueras, anotava todos os números em dois lugares diferentes: em uma agenda eletrônica e em uma lista que ficava guardada no fundo da minha gaveta.
Sendo assim, logo que realizava as primeiras ligações para determinada pessoa, consultava os números antes de discar. E isso se repetia várias vezes durante vários dias, semanas ou meses, dependendo de cada pessoa. E dependendo da freqüência das ligações, era automático decorar os números mais importantes.
Essa memorização era algo tão forte que até hoje eu me lembro dos números de telefones de alguns dos meus amigos mais marcantes do passado (embora muitos deles já tenham mudado de número, casa, cidade e até mesmo país faz tempo) e de minhas principais duas paixões. Mesmo depois de muito tempo.
Até que ganhei meu primeiro celular e troquei a lista de papel no fundo da gaveta pela agenda na memória do celular. Ah, como era mais fácil! Na necessidade de ligar para alguém, bastava caçar o nome da pessoa ali na agenda, apertar o botãozinho verde e shazam, o telefone já se ouvia a chamada. Ter que conferir o número se tornou obsoleto, bem como a minha agenda eletrônica, que acabou deixando de receber os meus novos contatos.
Mas isso, de fato, não é nem um pouco construtivo para uma amizade e, logo, para a sociedade. Como você pode considerar como seu melhor amigo aquela pessoa cujo número de telefone (que é quase ou até mais importante do que o número do RG dela) você desconhece? Não, isso não é amizade que se preze.
Recentemente, acabei me desprendendo do meu celular, esquecido em algum lugar que não o meu quarto ou a minha mochila. E justamente recentemente me senti na extrema necessidade de ligar para alguns amigos por motivos que não vêm ao caso agora.
Qual não foi a minha decepção ao me dar conta de que, embora soubesse de várias coisas da vida dos tais amigos, não sabia nem como começava o número de seus telefones.
Eu, justamente eu, aquele ser que cerca de 17 anos atrás apertou alguns botõezinhos e, embora mal soubesse falar o próprio nome, conseguiu ligar para a avó por simplesmente ter decorado o número discado todas as noites pela mãe.
Por um bom tempo me senti um mau amigo, até que retomei meu celular poucos momentos atrás e voltei a me sentir um excelente amigo. Adventos da modernidade.
Um comentário:
Achei que só eu tinha a preocupação de decorar telefones. Eu até lembro de cabeça os celulares mais utilizados, mas sinto falta mesmo de ligar na casa das pessoas e perguntar ao pai de fulano se o cara está!
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