Lembro como se fosse hoje da primeira vez que dei lugar a uma velhinha no metrô. Era um dia de manhã e eu estava indo para mais um dia na sexta série (ou será que era sétima?). A senhorinha de cabelos brancos e dificuldade de locomoção entrou no trem, as pessoas no banco cinza sequer esboçaram alguma reação e eu, todo bondoso e um pouco inseguro, guardei o Lance! na mochila e cedi meu lugar.
Naquele momento, senti um misto de satisfação pela boa ação realizada e, também, um tanto de raiva com relação aos demais passageiros do vagão, que em momento algum esboçaram algum gesto para com a velhinha. E pior: ainda ficaram me olhando por um bom tempo quando eu cedi meu lugar.
Os anos se passaram (e como passaram!), e um dia desses eu estava indo para o trabalho, novamente de metrô, mas já na hora do almoço. Notei que havia entrado uma garotinha um tanto quanto charmosa, com piercing de argolinha no nariz e tudo, na Praça da Árvore, e havia ficado à minha frente. Bom... era apenas mais alguma garotinha bonita que cruzava a minha vida no metrô, e por isso não dei muita bola.
Eh, eu admito, pensei até em alguma abordagenzinha esquisita, do tipo oferecer o meu lugar para ela sentar. Mas o tempo continua passando e a gente vê que muitas das nossas ações singelas e sinceras são mal-interpretadas. E também tem que cavalheirismo grátis, convenhamos, não está com nada. Preferi continuar lendo Mário Prata (valeu, Mané!).
Até que na Vila Mariana entrou um velhinho. Cabelos acaju, nitidamente pintados, roupa elegante e um andar cansado, difícil. Passou pelo meu banco, olhou, passou por mais alguns bancos, olhou, e voltou a ficar na frente do meu banco. Ao ver que o pessoal do assento cinza não deixaria o conforto de fazer uma viagem sentado, terminei de ler a crônica, levantei-me e chamei-lhe a atenção.
“Por favor, senhor. Pode sentar ali”. Ele deu um sorriso sem graça e não aceitou. “Não, não... pode sentar. Eu vou descer na próxima”, rebateu. “Não, mas eu também vou sentar na próxima. Por favor”, insisti. “Não, eu vou descer na próxima”, recusou novamente, mas não sem antes encarar a capa do meu livro e depois me olhar um bocado feio. Não entendi, e arrisquei um: “Pode sentar, senhor, por favor. Eu já estou descendo, não vou mais sentar”. “Eu também não”, finalizou.
Só me restou, então, abrir o livro e começar a leitura de uma nova crônica. Em um momento, parei a leitura e olhei para trás: nem a garotinha bonita de piercing de argola havia sentado no banco. Quem se sentou, sem muito pestanejar, foi uma mulher com lá seus 30 anos estilo piriguete.
Todo o meu esforço fora em vão. Droga.
Um comentário:
"Pode sentar, senhora, já vou descer" - bem no comecinho da viagem.
A gente até se sente bem.
Principalmente quando retribuem.
Quando eu estava de gesso, em mais ou menos 60% das vezes que peguei ônibus me cederam o lugar.
E quando não cederam, dei aquela olhada, só pra pessoa sentir aquela pontinha de culpa.
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