Seu relógio quebrou há alguns meses e ainda não teve tempo de consertá-lo. Talvez por isso não saiba que horas eram quando você chegou ao ponto de ônibus na Brigadeiro Luís Antônio, em frente ao Extra, aquele em que sempre fica para voltar para casa. Deveriam ser 17h30.
Mas assim que você chega ao ponto esquece o horário porque reconhece uma pessoa. Embora estivesse com o cabelo muito mais curto do que o normal e tingido de laranja, lá estava aquela sua ex-namorada com quem você terminou tempos atrás e nunca mais viu desde então. E, pelo menos nos últimos meses, teve vontade de encontrá-la para se explicar e pedir desculpas por tudo. E bem onde você menos esperava, lá estava ela.
Só que a garota não estava sozinha. Estava com muitas pessoas ao seu redor. Logo você reconheceu que eram pessoas da sala dela na faculdade. Aliás, ela não sabia que você sabia que ela fazia faculdade: já haviam se separado quando ela fora aprovada no vestibular, mas mesmo assim você fez questão de acordar cedinho quando divulgaram a primeira lista da Usp e viu que o nome dela estava lá.
Você vai falar com ela, que vira a cara e responde friamente um oi. Ela estava acompanhada com o novo namorado. Você dá os parabéns ao cara e aperta a sua mão. E nesse exato momento o ônibus dele chega e ele vai embora: restam apenas você e a sua ex.
Ela começa a descer a rua com os amigos de faculdade e você vai junto. Surpreendentemente, vocês começam a conversar. Só que ela pára no meio do caminho para falar com uma outra amiga, e você logo escuta ela dizer “acabei de terminar com o Adolfo, ele era um chato. Não tava mais agüentando”. Você finge não dar atenção, e continua andando, mas diminui o ritmo das passadas e permite que ela logo te alcance. É quando você percebe que não está mais na Brigadeiro Luís Antônio, mas naquela rua perto da casa dela, na Saúde.
Os amigos dela decidem fazer uma roda para conversar melhor. Você senta em um extremo e ela, no outro. Separados pro um diâmetro, ela te chama para sentar perto dela. Você senta na frente dela, ela passa o braço em volta do seu pescoço e você sente uma agradável sensação de conforto. Você olha para o rosto dela e percebe que o cabelo dela está lindo como era antes, longo e em um tom ruivo que reluzia ao sol. Quando percebem, estão sozinhos no lugar em que costumavam passar as tardes trocando juras de amor. Então você começa:
“Quanto tempo, né? Então... f-faz tempo que eu q-queria t-te-te falar isso. Nossa, estive ensaiando isso durante tanto tempo, mas agora não consigo começar a falar. É difícil, mas... mas eu vou tentar. S-Sabe, acho que não estava preparado para um relacionamento sério com você naquela época. É. Andei pensando nisso faz um tempo, mas só agora tudo isso pareceu ter sentido. Queria muito te falar isso. Olha, me desc...”
“Não fala nada”, ela pede, colocando um dedo em seu lábio e aproximando o rosto dela ao seu. Ela fecha os olhos, você também.
E aí passa um carro na rua e dispara uma buzina longa e estridente. Você abre os olhos e percebe que não há carro, não há rua perto da casa dela e muito menos garota. A única coisa que você percebe é que está em seu quarto, deitado em sua cama, e que a garota não está com você.
"Cara, eu sonhei tudo isso? Não pode ser", pergunta para si mesmo.
"Claro. Você não volta de ônibus pra casa, lembra?", responde uma voz dentro de sua cabeça. "Bom dia".
E o pior de tudo é que nem deu tempo de você se desculpar.
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