Tinha tudo para ser apenas mais uma quarta-feira normal, talvez um pouco abaixo das expectativas. Fazia frio e garoava lá fora quando eu acordei, o metrô estava um pouco mais lotado do que o normal e a Avenida Paulista estava o caos de sempre em um dia chuvoso.
Tentei não me abalar pela ligeira quebra da minha rotina. Mesmo entrando uma hora mais tarde no trabalho, mantive a tradição de comprar um copo grande de água quente e suja (no Monet, dizem que é café), pegar o elevador e tomar um copo de água gelada antes de começar a tomar o ‘café’.
Liguei o computador, sintonizei as televisões da redação no Sportv para mais um dia de Jogos Pan-americanos. Tudo corria bem, embora eu tivesse esquecido a minha caneta em casa e as folhas que eu guardo de rascunho ao lado do computador já tivessem sido usadas durante a noite.
Foram provas de canoagem velocidade, preliminares de luta greco-romana e caratê, decisão do último lugar no hóquei sobre grama, algumas partidas de tênis. Por volta das 13 horas, minha maior (e única) preocupação era encontrar um jeito interessante para explicar que um dos brasileiros iria enfrentar um canadense na disputa individual de tênis de mesa.
Em um instante, no entanto, um barulho. De um teclado de computador caindo da mesa, talvez. Normal, acontece. Dez segundos depois, um uníssono ‘Aaai’ e um baque surdo. Não, isso não era normal. Levantei, estiquei o pescoço e vi o que já imaginava há alguns segundos, depois do grito de dor: um homem estirado no chão.
O que acontecia eu não consegui ver. Ou não entendi. Talvez tivesse sido apenas um mal-estar. Normal em uma redação abafada. Depois, tremedeiras. Palidez. Gemidos, preocupação, algo semelhante a uma massagem cardíaca. Correria, afobação. “Fica bem, fica bem!” Tentativas de telefonemas. Polícia, bombeiros, médicos, segurança. Uma ida ao ambulatório médico da fundação. A porta, trancada; o médico, na hora de almoço.
Desespero. O melhor site de esportes do Brasil parado durante 30 minutos. Um bombeiro, uma cadeira de rodas, correria. E o homem era levado para o hospital no colo do bombeiro. Sem conseguir falar nada. Acordado, mas grogue. Com uma súplica por assistência no olhar distante.
Depois que o homem foi levado para embora, toda a redação com o olhar fixo para o mesmo ponto imaginário postado no fundo da mesma parede. Até que o primeiro sentou. Cinco segundos depois, o segundo retornou ao seu lugar e, no mesmo intervalo de tempo, a rotina ia voltando à normalidade.
Voltei à notícia do tênis de mesa. Ainda tive tempo de escrever mais alguma coisa sobre tênis e caratê tentando sobreouvir as conversas em busca de alguma notícia. Nada além dos comentários de sempre. "Acho que foi isso". "Não, mas pareceu ter sido aquilo". E, claro, o tradicional "Quando ele caiu da cadeira, não pensei que fosse nada sério. Pensei que ele tava brincando".
Fui embora chateado, sem a esperança de dizer “não foi nada, e amanhã ele tá bem”. Talvez não tenha sido nada tão grave, mas é melhor não falar nada ainda. Para falar a verdade, nem pensei muito nisso ainda. Acabei lembrando algumas coisas.
O tal homem, que deve ter pouco mais de 60 anos, talvez, foi o primeiro a me dar bom dia, mesmo quando eu ainda fazia os testes do processo seletivo para o estágio. Dias antes de sair o resultado de que eu tinha sido contratado, em novembro, me encontrou na rua e fez questão de me cumprimentar.
É o único que consegue chegar bem humorado à redação às 8 horas de uma segunda-feira. Que faz as mesmas piadas que acabam sendo engraçadas por serem feitas quando o único barulho é feito pelos dedos em contato com as teclas. Do Braguinthians. É o chefe que melhor trata os estagiários, sem ter vergonha de pedir explicações sobre o andar de um campeonato de tênis ou perguntar quem é aquele número seis do Flamengo na foto. E que ainda agradece como se você tivesse feito o maior favor do mundo. Além de pedir desculpas por ter te incomodado.
Um cara bacana. Daqueles que, em um feriado de Corpus Christi, vai trabalhar às 8 horas enquanto apenas um estagiário (eu) estava escalado para trabalhar.
- Só tá você aqui agora? É feriado, meu, volta pra casa pra dormir.
- Bem que eu queria, mas...
- Cara, mas assim nem dá tempo de você tomar café da manhã.
- Hahahaha... Tô acostumado.
- Você saiu de casa sem comer nada?
- Nada. E nem pude tomar o café que eu tomo todo dia... tava tudo fechado no caminho pra cá.
(Ele foi embora. Dez minutos depois, apareceu com um Club Social, um copo de guaraná e um chocolate)
- Comprei pra você. Come aí, cara, senão você vai passar mal. E, se quiser mais, pode me falar que eu vou lá e compro pra você.
2 comentários:
Cara, nosso amigo em questão é mesmo um cara sensacional. Sempre engraçado e educado. Há que ficar tudo bem com ele, fique tranqüilo. Por mais que tenhamos nos divertido e aprendido sempre muito com ele, não escreva em tom de despedida assim, né?
Bom, soube do ocorrido na redação horas depois - isso que dá ser da noite, as notícias nem correm tão rápidas assim.
Aliás, descobri de quem é aquele bloco do lado do computador graças a essa frase aí "...embora eu tivesse esquecido a minha caneta em casa e as folhas que eu guardo de rascunho ao lado do computador já tivessem sido usadas durante a noite" haha
Gostei do blog, Held.
Devo voltar mais vezes aqui.
Abraços!
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