Duas datas no ano me fascinavam quando eu era pequeno: as vésperas
do começo e do fim do horário de verão. Eram dias tão especiais para mim como o
Natal, meu aniversário e o Dia das Crianças.
Mal terminava de almoçar, saía pela casa da minha avó e pela
minha casa adiantando ou atrasando os relógios, meticulosamente em uma hora. Ali
me aclimatava para o novo fuso – um dia era tempo demais para eu me acostumar. Só
deixava um relógio, o meu despertador, no horário antigo. Gostava de acordar
ainda zonzo, ter a sensação de que havia dormido demais e só depois me dava
conta da hora verdadeira.
É mais do que sabido que a vida naquela época era mais fácil.
Mais linda. Mais suave e mais divertida. Era uma puta duma vida. E eu sabia
disso.
Naquela época eu sabia aproveitar da melhor maneira as pequenas
felicidades da vida. Não era raro eu colocar o despertador para tocar às 3 da
manhã, me levantar no susto, olhar o horário e virar para o lado extasiado. Mais
três horas para dormir. Aquilo sim era o paraíso.
Houve momentos difíceis, também. Lembro quando havia caído
no sono um dia de dezembro no sofá da sala e o telefone de casa tocou por volta
das duas da manhã. Ouvi meu pai receber a notícia que eu já sabia. Ele desligou
o telefone, e eu continuei ali fingindo que dormia. Fingi tão bem que em dado
momento acreditei em mim mesmo e só acordei no dia seguinte.
Meu pai, então, me contou que minha avó havia morrido. Era a
pessoa de quem eu era mais próximo naquele 1999 esquisito. Não chorei, não de
cara. Eu já estava preparado. Não foi doloroso. Foi uma transição fácil, para
falar a verdade. Apesar da saudade, da tristeza, da oração, do adeus que nunca
nos dissemos. Eu sobrevivi.
Fico imaginando hoje, como seria minha reação. Eu, tão
vulnerável que perco o sono por coisas tão menores. Acho que passaria uma noite
inteira sem dormir. Acenderia um cigarro e depois outro cigarro e depois mais
um cigarro. Sentiria um vazio no estômago, no peito, no cérebro, na alma, na
vida, no mundo. Talvez levasse meses, um ano, quem sabe, para me recompor.
Eu já fui mais forte.
Sei disso porque ainda não ajustei meu relógio para o novo
horário – ele continua no fuso do verão.
Talvez seja eu quem não queira enfrentar os problemas de
frente. Ainda queira, de uma forma ou de outra, viver no passado. E empurrar minhas
angústias para debaixo do tapete me dá essa impressão, de que vivo uma vida
amena e tranquila. E ainda tenho tempo para ser nostálgico.
Acho que isso me corrói.
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