- Tio, dá 1 Real?
- Pô, cara, num tenho nada.
- Vai, tio, dá 1 Real. É pra mim comer!
- Num dá, brother, eu num tenho nada.
...
- Vai, dá 1 Real, agora!
[susto] – Quê?
- É, dá o dinheiro porque eu quero comer.
[bolsos pra fora] – Já disse, num tenho nada! Tô indo trabalhar!
[raiva, olhares analíticos] – Então dá o relógio!!!
[raiva] – O quê?!
- Dá o relógio, eu quero comer!
- Num vou te dar nada, caralho! Tô indo trabalhar, vê se não me enche!
- Vai, eu quero comer!
- Vai se foder, some!
...
...
...
Não bastasse acordar cedo no feriado, ficar dez minutos na plataforma esperando a droga do metrô chegar e ir trabalhar, ainda tenho que ouvir uma dessas. Sempre achei que o horário mais seguro pra andar na rua era das 3 às 10 da manhã, quando todos os trombadinhas-vagais-abasreta-filhos-da-puta estão dormindo. Quer dizer, quem é vagabundo de verdade não acorda às seis da manhã pra assaltar. Um ladrão dos velhos tempos não é aquele que madruga, pega oito baldeações e bate cartão logo cedo pra assaltar. Malandro é aquele que assalta quando acorda, ao meio-dia.
Deixando isso de lado, o fato é que eu fiquei com raiva. Ah, onde já se viu? Molequinho petulante, com pouco mais de 1,10 m de altura e acha que é gente porque anda sozinho na rua. Tomar no cu. Quando vi de longe, acenando pra mim e começando a grunhir seu pedido de merda, imaginei que não seria fácil me livrar dele. Havaianas, boné branco, calça de moletom, blusão de zíper... boa coisa não deveria ser. Minha mãe sempre me disse pra não ser preconceituoso e essas coisas, mas não dá. Sinceramente, não dá. Ou isso ou eu seria assaltado umas 20 vezes por dia.
Não que eu não seja daqueles que não dê esmolas e ainda dê uma lição de moral no pedinte. Dependendo do olhar da criancinha, ou do velhinho, até fico feliz em dar um trocado. Esse bostinha, no entanto, me deu raiva só de ter virado a Brigadeiro na Paulista. Confiante, cabeça erguida, voz imperativa... não daria nem uma moeda, se eu tivesse uma no meu bolso.
Pra falar a verdade, eu até tinha um dinheiro na minha carteira, na minha mochila. Ele pediu R$ 1, mas eu só tinha uma nota de R$ 50. Preferi dizer que não tinha, acho que seria menos estúpido do que dizer “Eu tenho cinqüenta, cara, você tem troco?”. “Não, mas me espera aqui que eu vou trocar ali e já venho”. Idiota. Não daria um centavo praquele filho da puta nem que isso me custasse uma vaga no céu, ou seja lá onde for.
Mas me deu mais raiva mesmo foi ele pedir o meu relógio. Pra começar, meu relógio deve ser mais velho do que ele. Tenho essa coisa há 12 anos, e não irei me desfazer dela tão cedo. Tá certo que nenhum botão funciona mais e ele ta fadado à aposentadoria com o fim do horário de verão, mas e daí? Se o filho da puta tava com fome mesmo, o que ele ia fazer? Comer o relógio? Ou não, se ele vendesse, o máximo que ele ia conseguir é um pão com pouca manteiga na padaria. Seja lá como for, quem tá com fome não pede dinheiro na Brigadeiro x Paulista, mas sim em todos os restaurantes, bares e tudo mais que tem por lá.
Minha vontade não era sair andando, como eu fiz. Queria ter gritado, dado um tapa na orelha do moleque e mandar ele ir estudar. “Caralho, vai se foder, filho da puta! Eu tô indo trabalhar, não tô vadiando como você. Eu tô indo trabalhar pra ganhar dinheiro, pra não ter que sair pedindo, ô seu bosta. Vai estudar e virar alguém na vida, seu arrombado. Você não vai ser ninguém se continuar assim, ô seu merda. Seu filho da puta, ouve o que eu tô falando. Vai tomar no cu, cacete!”...
Com raiva, tive uma idéia melhor enquanto atravessava a Joaquim Eugênio. Um miliquinha, eu tinha que encontrar um miliquinha! Mas o problema é que ninguém encontra um quando realmente precisa. Muito menos na manhã de um feriado. Apenas os idiotas trabalham, os miliquinhas... sabe-se lá o que os miliquinhas fazem.
Em todo caso, eu tinha uma arma mais importante comigo. Peguei na mochila o meu celular, e tive vontade de ligar pra polícia. Não pra denunciar um crime e ajudar na segurança pública, mas pra foder com a vida do meliantezinho. Celular na mão. Asterisco, jogo da velha, teclado liberado. 1 (eu vou mesmo ligar?), 9 (sim, aquele filho da puta) 0 (legal, agora só falta o verde).
- Pô, cara, num tenho nada.
- Vai, tio, dá 1 Real. É pra mim comer!
- Num dá, brother, eu num tenho nada.
...
- Vai, dá 1 Real, agora!
[susto] – Quê?
- É, dá o dinheiro porque eu quero comer.
[bolsos pra fora] – Já disse, num tenho nada! Tô indo trabalhar!
[raiva, olhares analíticos] – Então dá o relógio!!!
[raiva] – O quê?!
- Dá o relógio, eu quero comer!
- Num vou te dar nada, caralho! Tô indo trabalhar, vê se não me enche!
- Vai, eu quero comer!
- Vai se foder, some!
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Não bastasse acordar cedo no feriado, ficar dez minutos na plataforma esperando a droga do metrô chegar e ir trabalhar, ainda tenho que ouvir uma dessas. Sempre achei que o horário mais seguro pra andar na rua era das 3 às 10 da manhã, quando todos os trombadinhas-vagais-abasreta-filhos-da-puta estão dormindo. Quer dizer, quem é vagabundo de verdade não acorda às seis da manhã pra assaltar. Um ladrão dos velhos tempos não é aquele que madruga, pega oito baldeações e bate cartão logo cedo pra assaltar. Malandro é aquele que assalta quando acorda, ao meio-dia.
Deixando isso de lado, o fato é que eu fiquei com raiva. Ah, onde já se viu? Molequinho petulante, com pouco mais de 1,10 m de altura e acha que é gente porque anda sozinho na rua. Tomar no cu. Quando vi de longe, acenando pra mim e começando a grunhir seu pedido de merda, imaginei que não seria fácil me livrar dele. Havaianas, boné branco, calça de moletom, blusão de zíper... boa coisa não deveria ser. Minha mãe sempre me disse pra não ser preconceituoso e essas coisas, mas não dá. Sinceramente, não dá. Ou isso ou eu seria assaltado umas 20 vezes por dia.
Não que eu não seja daqueles que não dê esmolas e ainda dê uma lição de moral no pedinte. Dependendo do olhar da criancinha, ou do velhinho, até fico feliz em dar um trocado. Esse bostinha, no entanto, me deu raiva só de ter virado a Brigadeiro na Paulista. Confiante, cabeça erguida, voz imperativa... não daria nem uma moeda, se eu tivesse uma no meu bolso.
Pra falar a verdade, eu até tinha um dinheiro na minha carteira, na minha mochila. Ele pediu R$ 1, mas eu só tinha uma nota de R$ 50. Preferi dizer que não tinha, acho que seria menos estúpido do que dizer “Eu tenho cinqüenta, cara, você tem troco?”. “Não, mas me espera aqui que eu vou trocar ali e já venho”. Idiota. Não daria um centavo praquele filho da puta nem que isso me custasse uma vaga no céu, ou seja lá onde for.
Mas me deu mais raiva mesmo foi ele pedir o meu relógio. Pra começar, meu relógio deve ser mais velho do que ele. Tenho essa coisa há 12 anos, e não irei me desfazer dela tão cedo. Tá certo que nenhum botão funciona mais e ele ta fadado à aposentadoria com o fim do horário de verão, mas e daí? Se o filho da puta tava com fome mesmo, o que ele ia fazer? Comer o relógio? Ou não, se ele vendesse, o máximo que ele ia conseguir é um pão com pouca manteiga na padaria. Seja lá como for, quem tá com fome não pede dinheiro na Brigadeiro x Paulista, mas sim em todos os restaurantes, bares e tudo mais que tem por lá.
Minha vontade não era sair andando, como eu fiz. Queria ter gritado, dado um tapa na orelha do moleque e mandar ele ir estudar. “Caralho, vai se foder, filho da puta! Eu tô indo trabalhar, não tô vadiando como você. Eu tô indo trabalhar pra ganhar dinheiro, pra não ter que sair pedindo, ô seu bosta. Vai estudar e virar alguém na vida, seu arrombado. Você não vai ser ninguém se continuar assim, ô seu merda. Seu filho da puta, ouve o que eu tô falando. Vai tomar no cu, cacete!”...
Com raiva, tive uma idéia melhor enquanto atravessava a Joaquim Eugênio. Um miliquinha, eu tinha que encontrar um miliquinha! Mas o problema é que ninguém encontra um quando realmente precisa. Muito menos na manhã de um feriado. Apenas os idiotas trabalham, os miliquinhas... sabe-se lá o que os miliquinhas fazem.
Em todo caso, eu tinha uma arma mais importante comigo. Peguei na mochila o meu celular, e tive vontade de ligar pra polícia. Não pra denunciar um crime e ajudar na segurança pública, mas pra foder com a vida do meliantezinho. Celular na mão. Asterisco, jogo da velha, teclado liberado. 1 (eu vou mesmo ligar?), 9 (sim, aquele filho da puta) 0 (legal, agora só falta o verde).
Botão verde. Alô, polícia? Então, eu tô aqui na Avenida Paulista, número 900... esperei chegar aqui porque é mais seguro pra ligar. Então, eu tava na Brigadeiro, no lado par da Paulista, e um moleque de 1,10 m (talvez um pouco mais, não sei), de boné branco e casaco azul tentou me assaltar. Ele tentou forçar meu relógio, mas eu resisti e, com medo, ele foi embora. Acho que tem mais gente envolvida, alguém mais experiente e mais perigoso. Ele ainda deve estar lá, se quiser eu vou junto pra reconhecer. Sim, sim... Dez minutos? Certo. Desliga. Close em mim. Qualquer coisa, devem ter meu telefone. Corta. Miliquinhas chegando em uma viatura, fazendo ronda pela avenida; corta. Passam ao lado do filho da puta; corta. Descem do carro, o moleque se assusta; corta. Leva um tapa na cabeça, chora; corta. Eu apareço no cruzamento e dou um sinal com a cabeça; corta. Ele é levado pro reformatório, onde aprenderá todos os segredos e virará um bandidão que não assalta aos feriados. Corta.
...
Botão verde. Alô, polícia? Eu sou jornalista da Gazeta, acabei de ser assaltado no cruzamento da Avenida Paulista com a Brigadeiro. Sim, um moleque tentou roubar meu relógio, ele estava armado e me apontou um estilete enferrujado. É, enferrujado. Se eu vi direito, tinha até uma marca vermelha, parecia ser recente. Sim, sim. Como? 1,10 m (um pouco mais, eu não sei, não olhei direito). Boné? Branco. Aham... não, chinelos. Casaco azul, azul não muito escuro. Isso. É. Aham. Faz, faz cinco minutos. Corta. Miliquinhas chegando em uma viatura, fazendo ronda pela avenida; corta. Passam ao lado do filho da puta; corta. Descem do carro, o moleque se assusta; corta. Leva um tapa na cabeça, chora; corta. Apanha mais, mais e mais. Apanha até morrer; corta. Ele morreu; corta.
...
Botão verde. Alô, polícia? Eu sou jornalista da Gazeta, acabei de ser assaltado no cruzamento da Avenida Paulista com a Brigadeiro. Sim, um moleque tentou roubar meu relógio, ele estava armado e me apontou um estilete enferrujado. É, enferrujado. Se eu vi direito, tinha até uma marca vermelha, parecia ser recente. Sim, sim. Como? 1,10 m (um pouco mais, eu não sei, não olhei direito). Boné? Branco. Aham... não, chinelos. Casaco azul, azul não muito escuro. Isso. É. Aham. Faz, faz cinco minutos. Corta. Miliquinhas chegando em uma viatura, fazendo ronda pela avenida; corta. Passam ao lado do filho da puta; corta. Descem do carro, o moleque se assusta; corta. Leva um tapa na cabeça, chora; corta. Apanha mais, mais e mais. Apanha até morrer; corta. Ele morreu; corta.
No visor, 190. Não, botão vermelho. Quer saber, não tenho idade ainda pra decidir o futuro de ninguém. Estive com a vida de um filho da puta nas minhas mãos, e deixei que ele mesmo traçasse seu futuro. Ou não. Talvez eu mesmo selei seu futuro. Ele vai assaltar o relógio de outra pessoa que ia para o trabalho, vai vender e vai comprar um papelote. Vai vender, vai se dar bem na vida, vai abrir uma boca. Vai matar muita gente, vai comandar uma quadrilha que vai dominar o tráfico na região da Avenida Paulista. Vai trocar tiros com a polícia e vai morrer, com um tiro na testa.
6 comentários:
Tráfico na região da Paulista é dos mercados mais lucrativos que eu posso imaginar.
Genial, só achei pretensão demais achar que a vida dele estava em suas mãos. Bem, eu vi o Lula e pensei por 30 segundo no que iria acontecer se eu fosse matá-lo.
O resultado foi igual ao seu: não vale a pena.
Meus Deus, Helda, o que é isso???
Parece tudo, menos vc!
Cara, HORRIVEL!
Espero nunca te conhecer!
Desaprovo a atirude do moleque e aplaudo a sua em nao dar esmola! Porem, sua razao se esvai nessas linhas acima! Que absurdo! é assim q vc cuida dos seus problemas? Por a pobreza é, antes de tudo, um problema seu tb!
desaprovo a atitude do moleque também, mas a sua.
ele era o filho da puta, mas você foi se tornando um ao longo do relato.
teve sua manhã pertubada e queria já acabar com a vida do menino, isso é coisa de gente egoísta. coisa daqueles caras que, num domingo à tarde, em passeio com a família, apertam a buzina durante 30s se alguém está demorando pra fazer a baliza. estressado sem sentido
sei lá, ás vezes ele nem tava trabalhando porque não queria, mas porque não pode estudar
às vezes a mãe dele botou ele pra pedir dinheiro na rua desde cedo e ele não foi pra escola.
e tinha que ter maturidade pra procurar estudar sozinho? poxa, se nem o povo da classe média que tem educação!
não importa se ele é folgado ou não
a sua vida estava mesmo na mão dele aquela hora
e ainda bem que vc não foi tão cuzão
não precisava
vc é um jornalista, não um cuzão
é.. acho q oque vc descreveu (profuturo do trombadinha)é bem possível!
ou não...
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