quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Teu maior erro


Nunca vou te perdoar por não termos vivido uma despedida cinematográfica. Daquelas em que você me diz tchau, eu passo a mão no seu rosto, te dou um beijo na testa e depois viro as costas chorando com o coração apertado. E aí depois eu desfaço as malas e encontro, entre a blusa que você me deu no nosso aniversário e aquele perfume que você adorava, a tua foto. Daquele momento especial que vivemos, aquela em que teu sorriso era tão real e meus olhos brilhavam tanto.

Hoje eu sinto falta dessa foto tua que eu não tenho. Aquela que eu guardaria entre um livro para encontrá-la dentro de uns 20 anos e sentiria um calor no peito relembrando daquela noite na praia, em que paramos para ver um sirizinho se enterrar na areia com medo do teu grito de medo. Para a qual eu sorriria e suspiraria. E que me faria pensar o que seria da tua vida naquele momento.

Você não podia. Não tinha esse direito.

Seria mais do que digno da tua parte. Uma foto tua, nossa. Aquela que eu tanto insisti que teu cabelo estava lindo desarrumado daquele jeito, que você ficava muito melhor sem maquiagem. Que teu sorriso animava meus dias longes de você. Que era aquela a cara tua que eu guardaria na memória para todo o sempre.

Não é drama. De fato quero essa foto. Segurar aquele papel, passar a mão sobre o teu rosto novamente, dar um beijo na tua testa. Derramar uma lágrima, ou duas, ou 13, ou 93 sobre ela. Apertá-la contra o meu peito para recordar do calor do teu abraço.

Trocaria todas as centenas de fotos que tenho com você por essa, impressa, que você não me deu. Física, material, perecível, com o teu cheiro e com algum resquício de material genético teu. Que me teria sido dada naquele momento, naquela ocasião, com aquela finalidade.

Já não sinto tua falta. Mas sinto falta da foto que não tenho. 

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Máscara


Movimenta as mãos sobre o papel porque as palavras não se cansam de chacoalhar dentro de sua cabeça. Escreve com letras tão mal trabalhadas e apressadas porque já se cansou de esperar por algo que realmente quisesse lhe dizer.

Tudo isso porque finge não a ver enquanto lhe mede todos os passos. Dissimula uma ocupação quando ela o olha porque já perdeu tempo demais de estudo preocupado se ela ainda não chegou ou se havia ido embora mais cedo.

Força o surgimento de um sorriso falso e indiferente porque não consegue conter os lábios, que, mais que tudo, querem sorrir para ela. Conta uma piada (ruim, geralmente) a algum colega para aliviar o nervosismo que a presença dela lhe causa. Distribui abraços e banaliza carinhos porque anseia passar os dedos por entre os cabelos lisos e negros dela.

Faz de conta que transborda segurança porque aquela presença o desarma. Age despreocupadamente perto dela porque se preocupa exageradamente para não estragar tudo o que ainda não têm.

É quando percebe que é um estranho para si mesmo. E, quando tenta planejar o próximo passo, empaca. Se aquele não é ele perante ela, como tomar alguma decisão sensata?

Sabe? Ele sente a falta dela. Mesmo sem nem saber o que é tê-la para poder ter alguma lógica nessa saudade que sente.

Ele a quer. No idioma dele, na cidade dele. Na vida dele.

Tornou-se um sonhador. Um apaixonado. Um cafona. 

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

> apagar ao acordar


A vida é um coletivo de memórias.

Nosso hoje nada mais é senão lembranças de um pretérito perfeito que ficou para trás e uma libertação de um passado imperfeito que ainda reflete – com sentimentos ou não – no nosso ser atual.

O presente nos deprime pelas memórias que não vão mais voltar. E nos remoemos pelas memórias alegres que não estamos produzindo agora.

Não, não é questão de viver ancorado no passado. Vivemos produzindo passado.

O presente nada mais é que um lapso de consciência, uma ilusão. Você começou a ler este texto no passado. Teu relógio fez tic, demarcou um novo passado. Mais um tac, outro passado. Você, que leu estas três linhas, perdeu três linhas de passado.

Só que o presente, por assim dizer, também pode ser animador quando sabemos que estamos produzindo algo de importante para o futuro.

Ah, o futuro. Quando virarmos o pescoço para trás e olharmos o nosso hoje com certa saudade. Talvez rindo, irônicos de nós mesmos. Menosprezando as angústias do hoje com um simples “como éramos bestas”.

Um dia seremos maduros, eu sei. Experientes, diremos.

Teremos vivido inúmeras coisas e, no fundo, saberemos apenas lidar com essas e com aquelas memórias. Não deixaremos que as dores do passado afetem o nosso hoje e nem que as alegrias de agora nos tirem os pés do chão.

A vida é uma nostalgia.